O diretor de Investimento Social do Servas, Rodrigo Fernandes, diz que o objetivo é tentar mudar a trajetória de vida de detentos e detentas. “Trocar o tempo ocioso pelo hábito de leitura e conhecimento, autoconhecimento e informação”, disse. O primeiro momento do projeto terá uma etapa lúdica, com a participação de contadores de histórias e autores dos livros trabalhados. Depois, as rodas serão acompanhadas por professores e escritores. “Os participantes podem ter o tempo da pena reduzido, mas para que isso ocorra, deverão fazer uma resenha do livro. Para cada livro lido, há quatro dias de remição da pena”, explica.
As mulheres terão 30 dias para ler, fazer o trabalho e apresentá-lo a uma comissão formada por professores de letras, pedagogos e um representante da Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap). Para a subsecretária de Humanização do Atendimento da Seap, Emília Castilho, a leitura é também uma forma de dar poder às mulheres. “É uma quebra de paradigmas para que tenham, realmente, uma chance de ressocialização.”
A detenta Jocilaine da Silva de Oliveira, de 26 anos, mãe de um menino de 2 meses e de outros oito filhos tem um sonho: aprender a ler. Ela se lembra com carinho dos momentos em que o pai lhe contava histórias da turma da Mônica e evangélicas. “Não sei ler, mas sei que distrai a mente. Estou estudando aqui dentro e, mesmo não sabendo ler, gosto de folhear livros e revistas de trás para frente e de frente para trás. É uma oportunidade de ajudar meus filhos, que estão com a minha família, todos estudando”, conta.
A também detenta Aparecida Esteves, de 28, está grávida de 6 meses e espera para breve sua liberdade, depois de ter sido inocentada pelos verdadeiros culpadas, para ter o bebê fora do centro de detenção, perto dos outros quatro filhos. “O projeto é muito interessante. Vai ajudar muitas mulheres e inspirar muitas delas a se dedicar aos estudos. Quem lê é mais sábio”, diz. “Além disso, vai deixar as pessoas aqui mais calmas e tranquilas, pois às vezes ficam agitadas por não ter nada o que fazer. Vai preencher o tempo em que ficamos paradas.”
“A história vai amolecendo as pessoas. Da minha primeira fala ao fim, senti o abrandamento dos corações”, revelou Patrícia de Albuquerque. Até quem não queria participar do evento ontem perguntou no fim se poderia deixar o nome na lista. Agora, a unidade tem um bom problema a resolver: 36 inscrições para apenas 20 vagas. E qual é o fim da história?
Bem, depois de procurar respostas entre poderosos e sábios, o rei Artur chegou a uma bruxa que jurou poder ajudá-lo, desde que se casasse com o cavaleiro mais bonito e disputado pelas mulheres do reino: o melhor amigo dele. Como os verdadeiros amigos dos contos nunca abandonam o barco, Gandolf aceitou se casar com a bruxa, que na festa de casamento conseguiu estar ainda mais asquerosa que antes. Mas, na noite de núpcias, para a surpresa do marido, uma bela mulher apareceu. Vítima de um feitiço, explicou que poderia ser uma bruxa de dia e uma beldade à noite, ou vice-versa, conforme a vontade do marido. Generoso, ele respondeu que não poderia escolher, pois essa escolha era só dela. “Você é dona do seu próprio desejo. A decisão cabe a você.” Diante da resposta, o encantamento se quebrou e a resposta que salvou a vida de Artur foi dada. “O maior sonho das mulheres é serem donas do seu próprio desejo, do seu próprio destino”, contou Patrícia. E, claro, como todo bom conto de fadas, todos foram felizes para sempre.
Rostos se iluminaram, pois a moral da história era a moral da vida real. E nas histórias de muitas dessas mulheres, as palavras fizeram sentido, mexeram com corações e mostraram a elas a responsabilidade grande que têm agora com as crianças que já estão nos braços ou ainda na barriga.
O que diz a lei
De acordo com a Recomendação 44 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), deve ser estimulada a remição pela leitura como forma de atividade complementar, especialmente para apenados aos quais não sejam assegurados os direitos ao trabalho, educação e qualificação profissional. Para isso, há necessidade de elaboração de um projeto por parte da autoridade penitenciária estadual ou federal visando à remição pela leitura, assegurando, entre outros critérios, que a participação do preso seja voluntária e que exista um acervo de livros dentro da unidade penitenciária. Segundo a norma, o preso deve ter o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra, apresentando ao final do período uma resenha a respeito do assunto, que deverá ser avaliada pela comissão organizadora do projeto. Cada obra lida possibilita a remição de quatro dias de pena, com o limite de 12 obras (máximo de 48 dias de remição).