E o serviço não é oferecido apenas de ônibus. Tem também opção de carro, ao preço de R$ 120. Entrando na rodoviária, a empresa Gontijo, que tem autorização para fazer o transporte intermunicipal, oferece passagens para Teófilo Otoni por R$ 149. A equipe de reportagem conversou com uma pessoa que não quis se identificar, mas que já usou os dois tipos de transporte para a cidade e admite que opta com frequência pelos clandestinos.
A ousadia dos agenciadores já demonstra o quanto a fiscalização é incapaz de intimidar o transporte clandestino, mas o Estado de Minas constatou que a situação se repete no setor administrativo de pelo menos nove das 15 empresas que foram alvo direto da Operação Ponto Final na última terça-feira. Por telefone, representantes dessas firmas indicaram pontos de embarque e desembarque, horários e valores de passagens. A equipe de reportagem flagrou a situação com duas delas, a TS Turismo e a Sampaio Turismo.
No primeiro caso, o EM reservou uma passagem em um ônibus que estava programado para sair na sexta-feira, às 19h, do Centro de BH, com destino a Porteirinha, no Norte de Minas, por R$ 100, com pagamento em cartão. Normalmente, essa viagem custa R$ 197,73 com a Gontijo, mas a concessionária regular informou que até 7 de maio comercializa 23 passagens por viagem, antecipadamente, por R$ 98,99 cada.
Com partida duas horas depois, a equipe do EM fez outra reserva, saindo da Rua Aarão Reis, quase na porta da Serraria Souza Pinto, em direção a Francisco Sá, também no Norte de Minas, por R$ 80, pela Sampaio Turismo. Nesse caso, a passagem regular custa R$ 136,10, pela Transnorte. O embarque ocorreu na hora programada, próximo a um segundo ônibus, em torno do qual também trabalhavam pessoas com uniforme da Sampaio.
Outras empresas investigadas na Operação Ponto final confirmaram por telefone que os serviços estão ativos. Uma mulher que disse trabalhar para a Viação Belli afirmou que não houve viagens na última terça-feira (data da operação) e no dia seguinte. Mas informou que os ônibus voltaram a circular a partir de quinta-feira.
Já na Renotur, de Betim, na Grande BH, a reportagem obteve uma primeira informação de que a empresa só trabalha com fretamentos. Porém, logo depois, em outra ligação, questionada se a operadora fazia transporte para Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha, a atendente confirmou e deu todas as orientações, com saídas do Hospital Regional de Betim e passagem custando R$ 80.
Das 15 empresas-alvo da operação, apenas a Transbrasil Transportes de Passageiros e Turismo foi encontrada inoperante. Ela funcionava dentro da rodoviária de BH e anunciava passagens para vários destinos do Brasil, além de cidades no Vale do Rio Doce, como Conselheiro Pena e Aimorés.
INVESTIGAÇÃO De acordo com o Ministério Público, a operação não tinha ordem de fechamento para as empresas. No dia em que o trabalho de fiscalização foi lançado, foram cumpridos 21 mandados de busca e apreensão e 13 pessoas foram conduzidas coercitivamente para prestar depoimento na Procuradoria-Geral de Justiça. Outras duas, para as quais também havia mandados, não foram localizadas. Segundo o MP, são pessoas com cargo de chefia nas empresas de turismo. A ação ocorreu em Belo Horizonte, Ribeirão das Neves, Betim e Contagem, na Grande BH, e Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Também foram apreendidos documentos e arquivos referentes ao período de pelo menos um ano na sede das empresas, que serão analisados ao longo dos próximos dias, com prazo estimado de um a dois meses para término da apuração. A lista de condutas investigadas inclui crimes contra o consumidor, sonegação fiscal, fraude sobre a eficiência e qualidade do serviço público, além de usurpação de função pública. “São condutas que estão sob apuração, mas já foram encontrados fortes indícios da prática desses delitos por parte das empresas investigadas”, afirma a promotora Cláudia Pacheco de Freitas, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária (Caoet).
62 cidades abandonadas por empresas regulares
Enquanto as ramificações do transporte clandestino intermunicipal se espalham pelo estado de Minas Gerais, o setor legalmente encarregado do deslocamento de passageiros entre as cidades mineiras tem mostrado suas deficiências. Atualmente, 40 municípios do estado não têm atendimento de serviços regulares.
O DEER/MG sustenta que faz todos os anos 6 mil operações no estado contra o transporte clandestino, em parceria com a Polícia Militar. “O transporte irregular de passageiros, realizado por qualquer modalidade de veículo, não é tolerado pelo governo de Minas Gerais. Ações de fiscalização em todo o estado são realizadas diariamente em pontos diversificados e horários aleatórios”, diz nota enviada pelo departamento.
Os resultados do trabalho têm apresentado queda na quantidade de multas no início de 2017 em comparação com os últimos dois anos fechados. De janeiro a 16 de março, foram aplicadas 366 multas e apreendidos 51 veículos, o que dá média de 4,88 autuações por dia. Em 2016, essa média chegou a 8,24, com o registro de 3.008 multas e apreensão de 358 veículos (veja quadro).
Segundo a promotora Cláudia Pacheco de Freitas, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária (Caoet) – uma das responsáveis pela Operação Ponto Final, que investiga 15 empresas que fazem transporte clandestino no estado –, essa modalidade vem crescendo, se modernizando e tornando-se pulverizada em várias regiões, com cada vez mais empresas envolvidas. “O combate do ponto de vista administrativo até então não era eficiente. Estamos unindo forças para aprimorar a punição e conseguir dar um basta na atividade, com uma abordagem criminal que vai conferir mais efetividade, tendo em vista que o direito criminal é mais duro”, diz a promotora.
Com relação à prestação do serviço de transporte no estado, a promotora explica que não há entre as cidades-alvo dos ônibus clandestinos sob investigação nenhuma com ausência do serviço regular prestado por concessionária. “O veículo irregular é um grande problema para ampliação do quadro de horários, pois retira passageiros das linhas legalizadas e, se não há demanda, não há por que incluir mais horários de viagem”, diz.
Ainda segundo Cláudia Pacheco, chega a R$ 53 milhões o prejuízo para os cofres do estado com a ação de empresas de transporte clandestino de passageiros em Minas apenas em 2016. Se considerados os últimos cinco anos, o montante pode chegar a R$ 93 milhões. “Esses valores foram calculados pela Secretaria de Estado da Fazenda, considerando-se a evolução de receita que o setor deveria ter no período e o real prejuízo”, afirma Cláudia Ferreira.
Ela explica que, por um lado, as firmas deixam de recolher os impostos, principalmente o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), e, por outro, não fazem investimentos importantes para o setor, como treinamento de funcionários, manutenções periódicas dos veículos, troca obrigatória da frota, pagamento de seguro de viagem e de bagagem, entre outras normas.
“Essa é a primeira vez que se tem um olhar criminal sobre o transporte clandestino e a grande diferença da operação é que até então a fiscalização e as sanções eram sempre administrativas”, diz a promotora. A abordagem era feita pela DEER e pela polícia, com multa e retenção do veículo. “Ainda assim, a atividade continuava sendo rentável, porque as empresas deixam de cumprir as obrigações fiscais exigidas das concessionárias”, completa a representante do MP. Dessa forma, os clandestinos pagavam as multas e ainda obtinham lucro, o que encorajava a manutenção da atividade.
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