Sebastiana Cunha foi assaltada duas vezes entre 2012 e 2016: testemunha de troca de tiros, sofreu crises de insônia, teve prejuízo e deixou emprego por medo - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA PressEm 2012, quando trabalhava em uma farmácia, Sebastiana do Carmo Cunha, hoje com 50 anos, foi rendida por dois assaltantes. “Estavam armados, trancaram cinco funcionários no banheiro e me mandaram recolher o dinheiro do caixa. Levaram também meu celular, me ofenderam e me jogaram no chão. A PM chegou, houve troca de tiros. Passei noites sem dormir, à base de remédios”, lembra. No ano passado ela voltou a ser atacada por um criminoso armado: “Voltava do serviço. O rapaz me jogou no chão, levou meu dinheiro e, novamente, meu telefone. Por medo, saí do emprego”.
Tiana, como é chamada por familiares e amigos, faz parte de uma estatística assustadora. O total de crimes violentos contra o patrimônio em Belo Horizonte quase dobrou de 2012 – quando ela foi assaltada pela primeira vez – a 2016, ano em que foi vítima do segundo roubo. Nestes cinco anos, segundo balanço da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp), o número de crimes contra o patrimônio passou de 23.186 ocorrências para 43.120 registros, aumento de 86%.
O indicador, porém, é maior, pois o balanço de todo o ano passado não foi fechado pela Sesp. Refere-se ao acumulado de janeiro a novembro. O dado referente a dezembro, inicialmente com previsão de divulgação em fevereiro, só deve ficar pronto no fim deste mês. Mas, levando-se em conta os 334 dias de janeiro a novembro, a média foi de 129 casos diários. Em 2012, a média diária era de 63,5.
Sebastiana Cunha é parte das duas estatísticas. Ao tocar no assunto, ela faz questão de dizer que se sente desprotegida. Em 2012, recorda que a dupla armada entrou na farmácia quando os funcionários já haviam abaixado as portas. O crime ocorreu à noite, num bairro na Região Noroeste cujo nome ela prefere não mencionar. Em 2016, se tornou vítima na Savassi, na Região Centro-Sul da capital, no período da manhã. “Eu havia largado o serviço (era cuidadora de idosos) às 7h”, conta. Receosa, Tiana deixou o emprego.
Histórias semelhantes podem ser contadas em todas as partes da capital.
Formado em administração de empresas, Ângelo Antônio Nogueira de Souza, de 32, enfrentou a situação no ano passado. “Estacionei o carro, por volta das 19h de um domingo, na porta do prédio de minha noiva, no Conjunto Califórnia (Região Noroeste). Chegaram dois rapazes, um deles parecendo drogado, e anunciaram o assalto. Eles me empurraram e levaram o carro, o laptop e aparelhos de celular”, conta.
Segundo ele, o policial que atendeu a ocorrência havia dito que a dupla era suspeita de assaltar outras pessoas na mesma região. Poucos dias se passaram e uma reportagem na televisão chamou a atenção de Ângelo. Um dos criminosos que o abordaram morreu ao assaltar uma padaria e trocar tiros com um policial à paisana que lanchava no estabelecimento. Até hoje, confessa, o rapaz sente insegurança ao rodar pela região em que foi assaltado.
- Foto: Graciana Pimentel, de 35, vítima de três roubos, enfrentou no primeiro uma situação parecida com a relatada por Ângelo. “Eu e meu namorado havíamos estacionado em frente à casa de minhã mãe, no Bairro Ipanema (Noroeste), e fomos abordados por dois rapazes armados, que levaram o carro. Depois, no Coração Eucarístico (mesma região), quatro rapazes me tomaram o celular.
Por fim, no Padre Eustáquio (também Noroeste), novamente me levaram o carro”, enumera.
Na última ocorrência, em 2015, ela foi abordada por um homem com um facão. “Eu estacionei e o ladrão abriu a porta, me mostrou a arma e me mandou ficar calada. Desci e ele levou o carro e minha bolsa com dinheiro e vários documentos. Também o telefone, do qual eu tinha pago só quatro das 10 parcelas que financiei.”
Polícia critica leis que põem infratores de novo nas ruas
Um dos desafios das instituições de segurança pública para reduzir as ocorrências de roubos em Belo Horizonte está na chamada repetência criminal, representada por pessoas que retornam ao mundo do crime logo depois de serem soltas pela Justiça. Na capital, segundo informações da Polícia Militar, esse indicador ultrapassa os dois dígitos. Em 2015, por exemplo, foi de aproximadamente 42%. “Em 2016, a taxa foi de 33%. Nos dois primeiros meses de 2017, já ultrapassa os 10%”, informou o Comando de Policiamento da Capital, em nota. No texto, a corporação avalia que o quadro se deve, além de outros fatores, a uma legislação “que permite a soltura do infrator, mesmo que contumaz”.
Ângelo Nogueira e documentos do veículo roubado em assalto, que custou ainda celulares e laptop - Foto: Jair Amaral/EM/DA PressA PM, que conta com um efetivo em torno de 4,7 mil militares para o serviço ostensivo na cidade e o apoio de outros 2 mil policiais em diversas operações, acrescentou que, “contextualizando a segurança pública a partir de 2012, ocorreram diversos eventos que permitiram uma quebra na sequência lógica do que vinha ocorrendo no nosso país”. “Pode-se citar a alteração no Código Penal Brasileiro, no tocante à modificação da configuração do crime de estupro, que abarcou muito mais condutas do que antes era necessário para a tipificação; as audiências de custódia e a possibilidade de o delegado estabelecer fiança (e não mais somente o juiz); o reforço do crime organizado; os problemas sociais e econômicos no país; a situação carcerária; a demora em responsabilizar o infrator, o que aumenta a sensação de impunibilidade, a reincidência e a repetência criminal etc.”
O avanço dos crimes contra o patrimônio também é atribuído pela PM, em parte, aos eventos ocorridos a partir de 2012, que atraíram uma população flutuante a Belo Horizonte. É o caso, por exemplo, da Copa das Confederações, em 2013, e da Copa do Mundo, no ano seguinte. O crescimento do carnaval na cidade também é outro ímã para turistas. “A Polícia Militar se preocupa com a vida, a integridade física e com o patrimônio das pessoas, independentemente dos índices apresentados. Essa realidade dos números trazidos para Belo Horizonte é de semelhante evolução na maioria das capitais dos estados brasileiros no período”, sustentou a PM. Até o fechamento desta edição, a Sesp não se pronunciou sobre o assunto.
Graciana Pimentel foi assaltada três vezes e teve dois carros levados em bairros da Região Noroeste - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press
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