O trabalho incessante, acompanhado na manhã de ontem pelo Estado de Minas, deixa tudo pronto – e brilhando – para a cerimônia de reabertura amanhã, às 10h, da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, um dos mais belos monumentos de Congonhas, na Região Central. Desde agosto, o templo do século 18, tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1950, está fechado para restauração dos elementos artísticos do retábulo-mor, do coro, do arco do cruzeiro e de mais quatro altares.
“É um sonho que deixou de ser sonho para virar realidade”, contava, satisfeita, a voluntária Ângela de Jesus Barbosa Silva ao ajudar a colocar, entre as imagens de São Sebastião e São Geraldo, um quadro de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. “Esperamos este dia há mais de 30 anos. Agora, nossa matriz está toda recuperada”, acrescentou o também zelador José Marques, de 66 anos, há quatro décadas envolvido nas ações comunitárias da paróquia comandada pelo padre Paulo Barbosa, chamado de padre Paulinho. “É uma graça que Congonhas está recebendo. Ficou tudo muito bonito”, afirmou José.
Um dos símbolos da arquitetura religiosa no país, a matriz, que exibe obras de artistas do período colonial – Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814), Francisco Vieira Servas (1720-1811) e Francisco Xavier de Brito, falecido em 1751, é a terceira intervenção do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) das Cidades Históricas concluída em Congonhas, sendo as demais a Igreja de Nossa Senhora do Rosário e a requalificação urbanística da Alameda Cidade Matosinhos de Portugal, no entorno do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, que é reconhecido como patrimônio cultural da humanidade. “Trata-se de um trabalho de restauração muito importante, pois fortalece a valorização, pelos moradores, de outro bem histórico da cidade”, afirma a chefe do escritório técnico do Iphan no município, a arquiteta Bárbara Silva.
Um dos aspectos que ressaltam a importância da matriz, vinculada à Arquidiocese de Mariana, é que, segundo os especialistas, trata-se da mais espaçosa de Minas e, no âmbito local, dela derivaram outras paróquias. Portanto, lugar é que não faltará para a festa de abertura e para a primeira missa, a ser celebrada no sábado, às 14h. A cerimônia de amanhã deverá contar com a presença da presidente do Iphan, Kátia Bogéa, do diretor do PAC Cidades Históricas, Robson Antônio de Almeida, do secretário de Infraestrutura Cultural do Ministério da Cultura, Raimundo Benoni, da superintendente do Iphan em Minas, Célia Corsino, e do prefeito municipal, Zelinho Cordeiro.
“Tivemos grande participação durante toda nossa campanha para recuperar a igreja, que é de construção anterior ao Santuário do Bom Jesus. A comunidade contribuiu não só para a limpeza completa como para, a partir do dízimo, a instalação do projeto luminotécnico, de segurança, com alarmes, pintura e outros”, diz o padre Paulinho com entusiasmo.
CAÇAMBA Atendendo a todo momento às solicitações da equipe de voluntários empenhada na faxina final da igreja, Bárbara explica que os elementos artísticos apresentavam uma série de problemas, tanto pela ação dos cupins como do tempo. Dessa forma, havia perda de policromia nos altares colaterais dedicados a Nossa Senhora do Carmo (lado esquerdo de quem entra na nave) e de Santana Mestra, São João Nepomuceno e Santo Antônio (no lado direito); e, nos altares próximos ao arco do cruzeiro, de Nossa Senhora das Dores e de Nosso Senhor do Passos. Sobre o forro, na altura do arco do cruzeiro, foi retirada uma caçamba de entulho, resultado de antigas intervenções.
O projeto de restauração, que contou com investimentos de cerca de R$ 1,4 milhão do governo federal, visou à restituição da integridade física, estética e histórica dos bens artísticos do interior do templo, incluindo a imunização, reintegração de perdas cromáticas e outros. A arquiteta ressalta que serviços na parte arquitetônica não foram necessários. “Junto com a equipe técnica da prefeitura acompanhamos semanalmente a obra, feita por uma empresa especializada em restauro”, disse Bárbara.
Conforme registrou o EM em 2014, no jubileu comemorativo de 280 anos da matriz, a obra arquitetônica foi possível graças a um termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado entre o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e uma mineradora que atua na região. No total, os investimentos somaram cerca de R$ 1,2 milhão, sendo R$ 964 mil provenientes do TAC e o restante de campanhas, doações e contribuição dos dizimistas. Na época, o promotor de Justiça da comarca de Congonhas, Vinícius Alcântara Galvão, considerou o trabalho realizado pelo MPMG, paróquia e Iphan “salutar” para o patrimônio cultural. Nessa parceria, esteve presente de forma efetiva a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), então chefiada por Marcos Paulo de Souza Miranda.
HISTÓRIA Tombada individualmente pelo Iphan, a matriz ostenta, sobre a porta de entrada, o trabalho de Aleijadinho em pedra-sabão – arca da aliança, símbolos da eucaristia, anjos barrocos e coroa de Nossa Senhora –, considerado obra-prima pelos especialistas em barroco. A tribuna e a capela-mor, datada de 1764, foram douradas por Manuel Francisco Lisboa, pai do mestre do barroco. Nascido em Ouro Preto, Aleijadinho tornou Congonhas mundialmente conhecida pelas imagens esculpidas dos 12 profetas, sua obra-prima, tombado pelo Iphan em 1939 e reconhecido pela Unesco como patrimônio mundial em 1985.
Memória
Primeiros sinais
Em fevereiro de 2009, como mostrou o Estado de Minas a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no Bairro Matriz, inspirava cuidados urgentes. O sinal mais evidente da degradação estava na lateral esquerda do prédio, de onde, havia dois meses, um pedaço do telhado caíra. A poucos metros desse ponto, em que foi instalado um andaime para reparos, estava a porta de madeira, fechada nos últimos quatro anos, desde que o arco de pedra-sabão começou a arriar, oferecendo perigo aos devotos. Uma das primeiras dores de cabeça dos paroquianos estava no suporte do sino. A peça de madeira demandava conserto imediato, pois tinha sido devorada pelos cupins e se encontrava desnivelada.