No descompasso entre o desejo do potencial doador e a posição de seus parentes na hora da decisão final, as doações efetivas de órgãos dos mineiros vêm diminuindo nos últimos três anos, enquanto a recusa familiar em autorizar o procedimento aumenta gradativamente desde 2009. E a receita dos especialistas para combater esse quadro é, principalmente uma: a adoção de campanhas de conscientização sobre o problema.
Para ela, dois fatores agravam ainda mais o problema. “Não temos no país a cultura de conversar sobre a morte, então, numa situação dessa, os parentes não sabem o que a pessoa desejaria. E há ainda um mito social de que se pode tirar órgãos com a pessoa ainda viva. É importante saber que há um rigor grande na medicina para esses casos e protocolos de aferição a serem respeitados quando há morte cerebral”, diz. Em se tratando de crianças, as doações enfrentam ainda mais resistência. “Está na hora de rever a lei de doação, de modo a deixar explícito para o profissional de saúde que se houver manifestação do paciente em algum documento, que prevaleça o desejo dele. Mas no caso específico de criança isso não resolve. O que resolve é a conscientização.”
Os números confirmam o raciocínio da advogada. Segundo a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), de 2014 para 2016 houve queda de 11,4% no total de doações de órgãos efetivas em Minas, passando de 245 para 217. Tanto no Brasil quanto em Minas, a recusa dos familiares foi a principal causa da não concretização das doações. No país, esse índice foi de 43%, bem próximo ao percentual mineiro, de 45%. A recusa familiar em autorizar o procedimento cresce desde 2009 no estado. Naquele ano, houve 74 recusas, que tiveram seu pico em 2014 (152). Em 2015, houve leve queda, com 116 recusas, e, no ano passado, outro aumento (139), segundo os dados da ABTO.
Em Minas, houve também redução de transplantes no ano passado em relação ao anterior de córnea, escleras, rim, coração e rim/pâncreas. Houve aumento apenas nos procedimentos para substituição de medula óssea, fígado e pâncreas, de acordo com o MG Transplantes.
No Brasil, embora a taxa de doadores de órgãos e tecidos efetivos tenha crescido 3,5% em 2016, atingindo 14,6 pessoas por milhão da população (pmp), ficou ainda abaixo da previsão para o período, que era de 15,1pmp, e 3,4% inferior ao objetivo para o ano, segundo a ABTO. O número de notificações de potenciais doadores em todo o país chegou a 10.158, mas, desses, os efetivos foram apenas 2.981. Os 71% restantes não se tornaram doadores.
Em Minas, enquanto o número de notificações chegou a 571, colocando o estado na sexta posição desse ranking nacional, as doações efetivas não passaram de 217, fazendo o estado cair uma posição. Do total de notificações, 62% foram não doadores. Quando considerado o número de notificações por milhão da população, Minas ocupa a 19º posição, com 27,4pmp. Em doações efetivas, o estado sobe para a 11º lugar, com 10,4pmp.
CRIANÇAS O relatório da ABTO mostra ainda que, em 2016, 705 crianças foram inscritas na lista de transplantes de órgãos no Brasil. Foram transplantadas 527 (75%), número que se mantém nos últimos anos. Morreram na lista de espera 78 crianças. Em Minas, 155 crianças ingressaram na lista, sendo que uma faleceu. No estado, segundo a ABTO, foram feitos 22 transplantes de rim e seis de fígado.
Considerando a taxa por milhão da população pediátrica (pmpp), Minas ocupa a sexta posição entre os 15 estados que fizeram transplantes pediátricos de rim no país ano passado, com 4,3pmpp, e a oitava posição entre as 10 unidades da federação que tiveram transplante de fígado (1,2pmpp). Dados da associação mostram que em dezembro de 2016 havia 65 crianças na fila de espera no estado, sendo 18 aguardando um novo rim e 47 por uma córnea.