Para tanto, nada melhor do que aprender corretamente o idioma falado no Brasil, onde também moram o pai, a mãe e o irmão. “Quero conseguir emprego e fazer faculdade. Ser aeromoça ou empresária, depois de estudar administração”, revela a garota de 17 anos, alfabetizada em francês e crioulo e agora cursando português numa turma formada por imigrantes, refugiados e portadores de visto humanitário, no câmpus I do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet), no Bairro Nova Suíssa, na Região Oeste da capital.
“É preciso também coragem”, diz o pai de Naïshah, Evens Georges, que, por enquanto, não vê muito jeito de voltar ao país caribenho assolado por crise econômica crônica e ainda sofrendo os efeitos do terremoto que destruiu parte do território em janeiro de 2010. Enquanto a filha não encontra problemas para falar português, “por ser parecido com o francês” aprendido na escola, Georges se mantém atento ao quadro e aos ensinamentos da professora voluntária Paula Serelle Macedo para seguir adiante, sem tropeços.
No sábado, Paula concluiu o primeiro módulo do curso intermediário, oferecido gratuitamente assim como o básico, na sala ao lado. “Agora, como atividade, eles vão produzir um vídeo”, adianta a professora, lembrando que há pessoas de várias nacionalidades, falando inglês, francês, crioulo, espanhol e árabe. A capacitação terminará em julho e resulta do projeto conjunto da Secretaria de Relações Internacionais e da Diretoria de Graduação, com apoio da Diretoria de Extensão e Desenvolvimento Comunitário do Cefet.
TIRAR DE LETRA Primeiro a entrar, sábado, na sala de intermediários – a mulher dele cursa o básico –, o engenheiro e missionário da Irlanda do Norte Timothy Johnston, de 35, está no país desde agosto e falava apenas “um pouquinho” de português antes de viajar para cá. O pior, assegura, é “a gramática, os tempos verbais”, mas procura tirar de letra conversando com as pessoas na rua e prestando muita atenção nas explicações da professora. Com um sorriso discreto, Timothy, que já fala Timóteo quando lhe perguntam o nome, considera “compartilhar” a palavra mais bonita em português.
Natural de Buenos Aires, na Argentina, a religiosa católica Emília Salvidio chegou há dois anos e já falava um pouco da língua portuguesa, daí se comunicar de forma tranquila. “Mas falo mais o português de Angola, onde morei três meses.” Empenhada em falar o português da melhor maneira possível, a noviça Emília, da comunidade das Irmãs de Maria Menina, quer trabalhar a pronúncia e acha bem peculiar o jeito mineiro de falar. Ao ouvir do repórter que o povo daqui corta as últimas sílabas das palavras e vai emendando tudo, ela concorda e compara o “quente” que se fala no Sul do país com o “quenti” à mineira. E os olhos brilham, pela intimidade com o novo idioma, como se estivesse em casa com porta aberta e iluminada pelo conhecimento.
Para a professora Paula, uma turma com pessoas de línguas diferentes facilita o aprendizado do novo idioma, já que elas só podem se comunicar em português. “Eles estão progredindo muito. Fico muito feliz ao corrigir um texto bem-escrito”, conta a professora, destacando que um ponto fundamental é a integração de culturas. “Ouvimos aqui vários sotaques. Além de aprender a língua, eles conversam sobre temas ligados à cultura, consumo, publicidade, saúde e outros.” Ela nota as dificuldades, a exemplo da fonética, para quem fala espanhol, ou de escrita, para os de língua francesa. “Recebemos até alunos de países de língua portuguesa que querem se adaptar.”
Há dois anos no Brasil, o médico urologista da Líbia Abdurazzag Elmudi, de 44, já estudou português num curso para estrangeiros na Universidade Federal de Minas Gerais e pretende se estabelecer em BH, embora não possa desempenhar a profissão antes da validação do diploma do curso superior. Solteiro, ele confessa sentir muita saudade da mãe e não tem planos de voltar. “Meu país não está em guerra, mas há muita instabilidade, conflitos políticos”, diz Abdurazzag, lembrando que as diferenças entre árabe e português o deixam confuso. “Carro em árabe é feminino e aqui é masculino”, cita como exemplo.
Chegados ao país como refugiados e hoje com a situação legalizada, os professores Hussam Alset, de língua árabe, e George Azarm, de inglês e literatura, têm certeza de que o melhor lugar para se aprender uma língua é mesmo na escola. Há um ano e 10 meses em BH, Hussam revela que falava um pouco de português e, pela conversa, mostra que o banco da sala de aula, o tempo de aprendizagem e a coragem são perfeitos aliados nessa caminhada.
A equipe de professores do intermediário, em três módulos, é formada por Paula Serelle Macedo (língua), Bráulio Silva Chaves (cultura e sociedade) e Ana Paulo Costa (produção textual). Já no básico, trabalham Guilherme Dávila Hurtado e Marcos Fábio Cardoso de Faria (língua), Júnia Moreira da Cruz (produção textual) e Neyuri Watanabe (cultura e sociedade).
ESPECIALISTAS De acordo com o Cefet, que ofereceu uma turma para iniciantes no ano passado, as aulas são conduzidas por bolsistas do curso de Letras, alunos de pós-graduação em estudos de linguagens e professores do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia, todos acompanhados por especialistas da área de Português como Língua Estrangeira do grupo de pesquisa InforTec. Para o primeiro semestre de 2017, foram formadas duas turmas, sendo uma para os alunos que já participaram do curso em 2016 e outra para novos, que, para matrícula, tiveram que informar o número da Carteira de Identidade de Estrangeiro (CIE) e outros dados pessoais.
Ainda de acordo com o Cefet, o curso busca oferecer uma abordagem comunicativa intercultural, com foco “no letramento (domínio do idioma nos usos sociais) crítico e na visão de língua como cultura”. A capacitação também oferece a possibilidade de contato com o meio acadêmico brasileiro e ampliação dos conhecimentos do imigrante sobre a formação da sociedade brasileira, preparando para a comunicação no mundo do trabalho. As aulas vão das 13h30 às 17h45 e terminam em 24 de julho.