Somente por parte do governo do estado, a dívida com esses hospitais já remonta a R$ 250 milhões, segundo informações da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos de Minas Gerais (Federassantas). Por causa do atraso no repasse de verbas, que segue pelo menos desde agosto do ano passado, e devido a outras dificuldades, como os baixos e defasados valores pagos pela Tabela SUS, além da demora de até dois meses para que as prefeituras faturem e paguem por procedimentos, a situação está caótica.
Internações têm sido suspensas e parte dos leitos está ociosa. Faltam medicamentos e insumos básicos, enquanto dívidas com fornecedores e impostos se acumulam. Para piorar, na tentativa de manter os serviços abertos, os filantrópicos somam dívidas milionárias com empréstimos bancários, que se agravam com o orçamento que opera sempre no vermelho.
Minas tem atualmente 314 filantrópicos, número que chegou a 326 unidades hospitalares em 2014. Para fazer jus ao título e ficar isentas de tributação, essas instituições devem ter no mínimo 60% de atendimento SUS, que pode ser complementado com outras fontes particulares e de convênios. Muitos delas atendem ao sistema único até mesmo com taxas acima desse percentual e são quase que exclusivamente dependentes dos recursos municipais, do estado e da União. Por isso, qualquer atraso no pagamento desses recursos resulta em um total endividamento.
“Os atrasos eram normais, mas ocorriam por burocracias orçamentárias. Desta vez, o estado está sem recurso financeiro. Não está mandando dinheiro, o que tem gerado uma pressão enorme para os hospitais”, afirma a presidente da Federassantas, Kátia Rocha, que é advogada especialista em direito de saúde. Ela diz que o problema se estende a todo o estado, e como exemplos cita instituições de Caratinga e Passos, que sofrem para lidar com a falta de dinheiro. E alerta para outro risco: “Mesmo diante dessa situação, não vemos nenhum tipo de planejamento sendo adotado para enfrentar a crise”, critica.
Em Belo Horizonte, a situação dos 10 hospitais filantrópicos não foge à regra de crise. Um deles, o Hospital da Baleia, tenta vencer o pior de seus momentos financeiros em toda sua história de 72 anos: fechou o ano passado com um passivo de R$ 16 milhões e atualmente tem um débito de R$ 60 milhões com prestadores de serviços, mas principalmente com bancos. A instituição, que tem 85% do seu atendimento financiado pelo SUS, já estuda reduzir esse índice para 60% e aumentar o atendimento particular e a planos de saúde na tentativa de alcançar equilíbrio financeiro, já que a operação do hospital tem deficit mensal acima de R$ 1 milhão.
DEFASAGEM Diretora-presidente do Hospital da Baleia, Tereza Guimarães Paes explica as razões do endividamento da instituição, que recebe recursos diretamente do município de Belo Horizonte, pleno gestor de todas as verbas que chegam da União e do governo do estado.
“O problema de orçamento no Baleia é histórico, mas se agravou no fim de 2016. O ciclo financeiro de pagamentos tem sido muito longo. A prefeitura tem feito os pagamentos até 60 dias após o faturamento. Enquanto isso, o hospital precisar ter um capital de giro para fazer frente aos pagamentos de fornecedores, folha de pessoal, compras. Tudo isso em uma situação de falta de recursos, o que acaba resultando na necessidade de novos empréstimos e mais dívidas”, afirma Tereza.
Segundo ela, toda essa “manobra financeira” gera um grande estresse entre funcionários e prejuízos ao hospital e pacientes. “Gasta-se muita energia em todas essas negociações. Uma energia que poderia ser usada para melhorar processos e serviços”, diz.
Com dívidas e sem novos pagamentos, o resultado tem se mostrado cruel para o Baleia, como detalha a diretora-presidente. “Foi preciso fazer uma série de reduções. Tínhamos 210 leitos e estamos fazendo uma reconfiguração. Estivemos muito perto do colapso no fim do ano passado e, por sorte, conseguimos estender o prazo para pagamento da dívida de R$ 60 milhões em 10 anos. Mas a sustentabilidade do hospital está ameaçada se a situação se mantiver, inclusive com o fechamento de serviços. Precisamos que o poder público acene com investimentos”.
Santa Casa pisa no freio por falta de verbas
A falta de recursos para financiar atendimentos e serviços de saúde também tem desafiado os gestores da Santa Casa de Belo Horizonte na hora de receber os pacientes no maior hospital do Brasil em número de leitos exclusivos do SUS. Com um déficit mensal de R$ 4 milhões, a instituição amarga falta de medicamentos e insumos básicos e mantém 385 dos 1.085 leitos vazios, pois não há dinheiro para garantir o funcionamento de 100% da estrutura a pleno vapor.
Diretor financeiro da Santa Casa, Gonçalo de Abreu Barbosa revela que a falta de reajuste dos valores pagos pelo governo de Minas e pela Prefeitura de BH desde 2013 é o principal fator que explica esse cenário. Além disso, atrasos desses dois órgãos e a falta de correção pelo governo federal nas tabelas do SUS há 10 anos também contribuem para essa situação, que já representa o corte de 30% em exames e internações e pode evoluir para fechamentos de serviços importantes, como transplantes e hemodiálise.
Por enquanto, as ações mais complexas estão mantidas. Todos os meses são 1.768 sessões de quimioterapia e 5.452 de radioterapia, além de 4.364 de hemodiálise. Mas o diretor não descarta cortes nessas áreas, pois a Santa Casa já acumula uma dívida de R$ 40 milhões com fornecedores e está perdendo o poder de negociação. Dos R$ 26 milhões que o hospital precisa todos os meses para se manter, R$ 22 milhões estão entrando nos cofres da instituição. “Os orçamentos do estado e da prefeitura tiveram reajustes que consideraram, no mínimo, a inflação. Estamos recebendo os mesmos valores desde 2013. Para continuar funcionando é necessário recorrer a bancos e fazendo isso o custo interno aumenta. Se atrasamos impostos, o governo não perdoa. Mas quando ele te atrasa, não tem nenhum problema”, afirma o diretor.
Além do problema do subfinanciamento, Gonçalo Barbosa explica que existem atrasos de pagamentos. Só o estado, segundo ele, deve R$ 21 milhões ao hospital. O diretor garante que ouviu do secretário de Planejamento de Minas, Helvécio Magalhães, no início de março, que R$ 13,5 milhões da dívida seriam quitados em três parcelas, com o pagamento da primeira em 30 de março. Porém, a sinalização positiva acabou sendo atropelada por mais um descumprimento e o dinheiro não entrou.
Ainda segundo o diretor, a restrição nas internações na Santa Casa fez o secretário de Saúde de BH, Jackson Machado, procurar o hospital pedindo que a unidade recebesse mais pacientes. “A gente estava com uma falta de medicamentos em estoque na ordem de R$ 790 mil e ele prometeu mandar esse dinheiro até 3 de março. Entraram apenas R$ 11 mil. Quem hoje está financiando a Santa Casa são os fornecedores”, afirma.