Na tarde de ontem, um trabalhador terminava o piso, outro limpava o terreno, enquanto o terceiro começava a pintura das paredes, janelas e portas. Com entusiasmo, Macota Célia ressalta que a empreitada iniciada em agosto do ano passado chega ao fim num momento semelhante a um sonho realizado. “A situação aqui estava difícil, havia muito mato, lixo, um quadro de abandono completo. Na verdade, o prédio estava caindo, conforme foi constatado em perícia.
Caminhando pelo espaço de 280 metros quadrados de área construída, que ganhará, na frente, um jardim com mandalas num conceito étnico-paisagismo, Macota Célia explica que a intervenção custou R$ 305 mil, sendo R$ 205 mil obtidos no ano passado, por meio de um convênio com o Serviço Social da Indústria (Sesi), e, mais tarde, para a última etapa, R$ 100 mil da Prefeitura de Belo Horizonte. “Mudamos para cá em 2012, depois de entendimento com a SPU. De início, entramos na lei estadual de incentivo à cultura, fomos aprovados, mas não captamos os recursos. Na sequência, nosso projeto foi aprovado pelo Conselho Nacional do Sesi”, conta. Em resumo, a dirigente diz que o objetivo maior é, “por meio da educação, combater o racismo e a intolerância”.
MÃO NA MASSA A partir do projeto de restauro Mãos à obra, a equipe comandada por Macota Célia se envolveu de corpo e alma na execução do restauro do antigo lactário, que vai abrigar cursos de informática, história da África, bordado em richilieu e pedraria, beleza afro, artes em máscara africana, empreendedorismo social e de Educação de Jovens e Adultos (Eja). “Fiquei apaixonada por esta arquitetura, logo que cheguei, principalmente pelos arcos de madeira, que, infelizmente, estavam muito degradados. Tivemos que refazer grande parte”, aponta a coordenadora do Cenarab.
Cada detalhe tem uma história e, agora, uma serventia diferente na construção, tombada pelo Conselho Deliberativo Municipal do Patrimônio Cultural de BH. O espaço se divide em biblioteca, auditório, cozinha, almoxarifado, salão, banheiros com acessibilidade e sala para costura. Olhando os ambientes, a coordenadora do Cenarab diz que, temendo a perda do prédio, foram construídos 16 pilares de concreto, restauradas as pastilhas da fachada, que se assemelham às da Igreja da Pampulha, um dos projetos mais emblemáticos de Niemeyer, e recuperados os arcos que garantem a identidade da construção.
HISTÓRIA O antigo lactário foi alvo de pesquisas da Fundação Municipal de Cultura por ocasião do dossiê para o tombamento. De acordo os levantamentos, a edificação do imóvel ficou a cargo da empresa Ájax Rabelo, responsável pela construção do conjunto arquitetônico da Lagoa da Pampulha, a primeira grande parceria entre JK e Niemeyer. Moradores mais velhos do entorno explicam que, no local, era fornecido leite em pó às crianças da favela conhecida como Vila dos Marmiteiros, que ficava do outro lado da Via Expressa. Não há registro da data exata do início da construção, mas, de acordo com relato de moradores, o ano mais provável é 1953, quando Juscelino Kubitschek (1902–1976) era governador de Minas.
Com o tempo, o lactário passou a fornecer também atendimento médico e odontológico para os moradores e, em data não identificada, a casa da Rua Desembargador Barcelos, 102, abrigou o Centro de Saúde Noraldino Lima. Já entre 1985 e 1990, o imóvel foi alugado por uma loja maçônica, que promovia, segundo os moradores, festa para distribuição de presentes às crianças carentes da região. Sob a administração da instituição também funcionou na casa a Associação para a Reabilitação do Menor (Ampare).
O imóvel não está na lista oficial dos bens de autoria de Oscar Niemeyer, mas muitos moradores alegam ter ouvido, ao longo dos anos, inúmeras referências ao arquiteto. De acordo com o dossiê da Fundação Municipal de Cultura, a autoria do projeto foi atribuída a Niemeyer pelo arquiteto Paulo Zurquim de Figueiredo Neves, estagiário dele entre 1951 e 1957. Ainda como estudante de arquitetura, e depois, já como contratado do governo de Minas, Zurquim acompanhou a construção de vários outros projetos desenvolvidos por Niemeyer sob encomenda de JK, entre eles a Biblioteca Pública Luiz de Bessa, na Praça da Liberdade, em BH, e o hotel e o Grupo Escolar Júlia Kubitschek, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha..