Pressão emocional, carência e fragilidade. As pesquisas mostram que, no Brasil, cresce o número de suicídio entre adolescentes e jovens. “Antes, era maior entre os mais velhos, embora esse patamar também continue aumentando. Agora a situação mudou”, diz a voluntária Ordália Mendes Soares, do Centro de Valorização da Vida (CVV), entidade que atua no Brasil há 55 anos para apoio emocional e prevenção do suicídio. O primeiro estado no ranking é o Rio Grande do Sul e Minas Gerais está em oitavo.
“O Ministério da Saúde acompanha o nosso trabalho, tanto que foi criado, inicialmente no Rio Grande do Sul, um novo telefone para atendimento das pessoas necessitadas do serviço. Em Belo Horizonte e interior, as pessoas podem continuar ligando para o número 141”, informa Ordália, que trabalha como voluntária no CVV há 21 anos. “Recebemos ligações de gente de todas as idades”, diz a voluntária, que cita uma diferença de comportamento. “Antes, as pessoas ligavam, conversavam e falavam dos seus problemas. Agora, já vão dizendo logo que querem se matar.”
A entrada em cena de jogos ou desafios como o Baleia Azul, que nasceu na Rússia, onde já pode ter causado a morte de 130 adolescentes, se espalhou pelo mundo e já chegou a Belo Horizonte, e da série norte-americana Os 13 porquês preocupa a voluntária do Centro de Valorização da Vida. “Os jovens são muito frágeis, vulneráveis. Como se trata de algo muito novo, não temos informações sobre os impactos, mas tudo isso não deixa de nos preocupar. Jogos e séries desse tipo incentivam, estimulam e influenciam os jovens a se machucar. E eles sofrem muita pressão emocional”, ressalta.
Entre as maiores causas do suicídio entre jovens estão as drogas e os demais vícios, além do bullying e das carências inerentes à idade. “A situação está assim em todo lugar, tanto em Belo Horizonte quanto no interior”, destaca Ordália, que recentemente participou de um seminário no qual foi descrito o caso de um menino de apenas 12 anos, de São Roque de Minas, na Região Centro-Oeste, que se matou.
O Brasil está entre os 28 países, de um universo de mais de 160 analisados pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que têm estratégia de prevenção ao suicídio. A taxa no Brasil está bem abaixo da de outros países da América do Sul, mas é o oitavo do mundo em números absolutos de casos de suicídio. Em 2014, foram registrados 10,6 mil óbitos por suicídio no Sistema de Informação de Mortalidade, taxa média de 5,2 por 100 mil habitantes, praticamente metade da média mundial (11,4 por 100 mil). Na Argentina, a taxa é de 10,3 por 100 mil habitantes; Bolívia (12,2), Equador (9,2), Uruguai (12,1) e Chile (12,2). A Organização Mundial de Saúde define como meta global, até 2020, a redução da taxa de suicídio em 10%.
NOVO SERVIÇO Mais uma linha para salvar vidas e reduzir o sofrimento, a angústia e o desespero. Um acordo de cooperação técnica do Ministério da Saúde com o CVV vai permitir o acesso gratuito ao serviço telefônico oferecido pela entidade. Pessoas que sofrem de ansiedade, depressão ou até mesmo aquelas com risco de suicídio poderão conversar com os voluntários da instituição por meio de um novo número. Com o acordo, o CVV vai alterar ou implantar em todos os estados brasileiros, até abril de 2020, a ligação gratuita por meio do número 188. Atualmente, quem precisa do serviço tem de pagar pela ligação pelo número 141, que não será mais usado tão logo os estados implantem a chamada 188.
A ideia da ligação gratuita começou a ser implantada em 2015 em Santa Maria (RS), por meio de projeto- piloto do CVV e do Ministério da Saúde, após o incêndio na Boate Kiss. Com o termo de cooperação técnica, a oferta gratuita será expandida para todo o país. Além do atendimento telefônico, a entidade também presta assistência pessoalmente, via e-mail ou chat. São feitos em torno de um milhão de atendimentos por ano. Mais informações no endereço eletrônico divulgacaobelohorizonte@cvv.org.br.
Depoimentos
“Já se passaram alguns anos, mas não esqueço... nem que eu viva um século. Éramos grandes amigos, os melhores amigos. Afinidade de outras vidas. Ele sempre foi uma figura inteligente, cara divertido, só andava com as meninas. Na 4ª série, nós mudamos de colégio, cada um foi para seu lado. A amizade se manteve, mas o tempo se encarregou de nos afastar. Aos 14 anos, ele estava com outro aspecto, com o maço de cigarros na mão, blusão xadrez na cintura, quilos acima do peso, bem diferente daquele menino que conheci. Foi assim que o vi, por acaso, num shopping. Sabia da sua fase difícil. Não tive coragem de abordá-lo. Meses depois, o telefone toca. Ele havia pulado do 12° andar do prédio. A culpa de não ter estado mais presente me acompanha” Helena sobre o amigo Ulisses - (nomes fictícios)
“Desde pequena eu já era aquela garotinha diferente pelo fato de ser gordinha e, ainda, gostar de jogar futebol. Segundo as outras pessoas, isso era incomum, afinal, menina não podia jogar futebol. Puseram em mim aqueles apelidos, vistos como inocente pelas crianças, como: Maria-homem e Bola flutuante. Não era muito legal. Até que, finalmente, eu mudei de escola e fui com o pensamento de que tudo ia ser diferente. Porém, não foi. Meus dentes eram bem para fora e fui obrigada a usar o aparelho ‘freio de burro’ e mais uma vez vieram as piadinhas. Dessa vez, eram um pouco piores, já que à medida que as crianças crescem, a maldade em piadinhas aumenta. Mudei de escola novamente, dessa vez já estava no ensino médio. Foi então que parece que as coisas pioraram, me chamavam de macaca e ainda diziam que eu deveria estar no zoológico. Falavam que eu era insignificante naquele lugar e que ninguém gostava de mim. Com tudo isso, fui tendo vários problemas até chegar ao ponto de me automutilar e pior... Já tentei tirar minha vida três vezes por causa das piadinhas que os outros faziam sobre mim.”
M.L.C.S, 17 anos
“Eu estava no 6° ano do fundamental, estudava no Instituto de Educação. Entrei lá e o ano letivo já tinha começado. Não conhecia ninguém. No primeiro dia já fui zoada por meu cabelo ser cacheado... Algumas meninas jogavam papel picado, escreviam bilhete me chamando de bruxa e deixavam no meu estojo, colavam papel em mim dizendo que eu fedia. As outras pessoas riam, sabe? Eu ficava muito nervosa, cheguei a chorar na sala. Eles estouravam meus lanches, sujavam minha cadeira, colocavam cola nos meus cadernos, escondiam minha mochila, e eu nunca tive coragem de contar para diretor ou professor algum. Teve uma vez que se juntaram várias pessoas na escada para quando eu passar cada um me dar um tapa. Nesse dia eu não consegui sair do lugar. A diretora teve que ir me socorrer. Eu tinha medo de ir para a escola, minhas notas baixaram muito, inventava desculpas para não ir, foi horrível”
V.A.S., 18 anos