Torneiras fechadas pelo medo

Cidades do leste de Minas se recusam a usar a água do Rio Doce

Dezessete meses depois da tragédia de Mariana, moradores de Resplendor e Aimorés ainda dependem de caminhões-pipa

João Henrique do Vale
Com pressão das comunidades, a Samarco banca caminhões-pipa em bairros de Aimorés e Resplendor - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press

A constante movimentação de caminhões-pipa, que chegam até a danificar o asfalto, não incomoda moradores de duas cidades da Região do Vale do Rio Doce. Já é rotina em Resplendor e em um bairro da vizinha Aimorés. Passados 17 meses do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais, a cerca de 400 quilômetros dali, o que ainda incomoda e preocupa a população das duas comunidades é a água do Rio Doce, que foi atingida pelos rejeitos de mineração. Por isso, eles fecharam suas torneiras a ela.  “A água do rio está alaranjada. Nem mesmo meu cavalo bebe”, afirma o pescador Ezequiel Gomes, de 43 anos. Depois de perder uma briga judicial, famílias dos dois municípios se revoltaram, fizeram manifestações e desde dezembro de 2015 estão sendo abastecidas pela água transportada de outros mananciais, mesmo com alguns episódios de falta, enquanto obras estão sendo feitas para captação em córregos e poços artesianos. A expectativa é que essa rede alternativa seja usada por 30 anos.

Das cidades atingidas pela tragédia ao longo do Rio Doce, Resplendor é a única que ainda não voltou, nem em parte, a captar água no Rio Doce. Os moradores temem ser contaminados por metais pesados e outras impurezas que desceram da barragem na maior tragédia socioambiental do país, que matou 19 pessoas.
“Antes, quando não havia a Usina de Aimorés, nosso rio era corrente. O que aconteceu depois da construção da hidrelétrica é que hoje temos um lago no Centro da cidade. Então, todo dejeto de minério e químico está parado aqui no fundo do Rio Doce”, explicou Delmira Gomes da Silva, chefe da divisão de projetos. Mas Resplendor tem fonte alternativa, lembra.

Diante dessa constatação, moradores da cidade se recusam, desde o rompimento da barragem, a consumir água do Rio Doce e ganharam apoio da prefeitura. A administração municipal entrou com um pedido de liminar na Justiça para impedir a captação, que foi concedido. Mas a Copasa, responsável pela captação e abastecimento de água da cidade, conseguiu reverter a decisão no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Depois do anúncio da nova decisão judicial, a população se revoltou e colocou fogo nas bombas que captavam água no manancial. Outros equipamentos foram instalados, o que levou as famílias a fecharem a linha do trem que liga Minas Gerais ao Espírito Santo, em protesto, em dezembro de 2015.

Diante do impasse, foi celebrado um acordo com a Samarco, proprietária da barragem que se rompeu em Mariana, para que o abastecimento fosse feito por caminhões-pipa. A movimentação dos veículos é intensa. Eles se abastecem em dois córregos de Resplendor, o Barroso e o Santaninha, e também no Rio Manhuaçu, em Aimorés. Depois, a água é levada até a central de abastecimento, que a distribui para todos os bairros.  “O trânsito complicou um pouco, mas é preciso usar os caminhões”, resigna-se o funcionário público Marco Aurélio Nunes de Oliveira, de 44. Esquema semelhante é visto no Bairro Mauá, em Aimorés, o único abastecido por caminhões-pipa na cidade..