Sem reformas, Anel Rodoviário impõe rotina de medo a moradores do entorno

Acidentes assombram vizinhos da via, onde 98 pessoas morreram desde 2014, quando reforma não iniciada deveria estar pronta. "É perigoso demais", diz costureira que perdeu seis amigos

Mateus Parreiras
As péssimas condições de conservação da passarela que liga o Bairro Palmeiras à Vila Bernadete leva muitos a usarem a pista para atravessar, aumentando o risco de atropelamento - Foto: Beto Novaes/EM/DA Press
Se tivesse começado a ser feita na época de seu anúncio, em 2011, a reforma que traria mais espaço e segurança ao Anel Rodoviário de Belo Horizonte estaria concluída em 2014. De lá para cá, o projeto nem sequer conseguiu ser aprovado. Por outro lado, quase cem pessoas já perderam suas vidas em atropelamentos, batidas e capotamentos. Uma violência que marca quem circula ou mora nos bairros cortados por essa que é uma das mais movimentadas vias da capital mineira, com tráfego estimado em 120 mil veículos por dia – 25 mil de carga. O projeto surgiu como um basta para uma série de acidentes, que culminou com o desastre em que uma carreta desgovernada atingiu vários veículos parados devido ao tráfego intenso na altura do Bairro Betânia (Região Oeste), em 28 de janeiro de 2011. A batida matou cinco pessoas e deixou 13 feridas, entre elas uma criança que ainda precisa de terapia para recuperar seus movimentos. Esse pesadelo voltou a rondar quem se desloca por essa estrada obsoleta, com mais de 50 anos de existência, depois de novamente um caminhão desgovernado ter atingido veículos na altura do Bairro Betânia, deixando seis pessoas feridas e envolvendo 20 carros, no dia 6.

De 2014 até hoje foram 98 mortes em batidas, capotamentos e atropelamentos, 2.893 pessoas feridas e 6.005 acidentes, segundo dados da Polícia Militar Rodoviária (PMRv). Só neste ano morreram sete pessoas.
Marcas que ficam ainda mais profundas na população que vive perto do Anel Rodoviário e que perdeu pessoas importantes em acidentes, como a costureira Elessandra Uender Aguiar, de 38 anos, que foi ao velório de seis amigos mortos desde 2014 no Anel. “Wando morreu atropelado tentando chegar ao ponto de ônibus. Eli foi atropelado vindo do Bairro Palmeiras para a Vila Bernadete. Puri foi pego por um carro em alta velocidade quando tentava trazer suas compras do mercado para casa”, enumera a costureira, referindo-se a alguns acidentes que vitimaram seus amigos. “A gente precisava de um jeito de ter mais segurança, reduzir a velocidade dos carros ou ter menos veículos aqui. É perigoso demais e muita gente ainda deixa de usar as passarelas”, conta.

O projeto de modernização e ampliação do Anel Rodoviário foi anunciado em meados de 2011. A via é uma sobreposição das BRs 040, 262, 356 e 381 e por isso é de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit). Contudo, o projeto lançado em 2011 previa uma parceria com a Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), que deveria entregar um plano executivo em um ano e depois licitar a obra. A previsão é que levaria mais dois anos e ao todo seriam gastos cerca de R$ 1 bilhão. Entre as melhorias estão a abertura de gargalos, como os estreitamentos em pontes e viadutos férreos onde o tráfego se concentra e com isso os riscos de acidentes. Áreas de escape para veículos desgovernados seriam abertas, mais sinalização e monitoramento por radar também estavam previstos, assim como espaços reservados para caminhões de reboque usados para desimpedir a rodovia em caso de batidas.
Elessandra Aguiar perdeu amigos no Anel e cobra medidas: 'Precisava de um jeito de ter mais segurança, reduzir a velocidade dos carros" - Foto: Beto Novaes/EM/DA Press
Para o tenente Geraldo Donizete, militar da PMRv, certamente menos pessoas teriam perdido suas vidas se a reforma tivesse sido feita quando prometida. “Teríamos, por exemplo, áreas de escape com amortecedores de pelotas de cerâmica. Os caminhões sem controle que fizeram os últimos graves acidentes, por exemplo, poderiam ingressar nesses espaços, sendo desacelerados e não ferindo ninguém no processo”, afirma.
De acordo com o policial militar, que tem até estudos acadêmicos sobre a via, o maior número de mortes ocorre devido aos atropelamentos e aos motociclistas. “É preciso obras, mas também conscientização dos condutores, pedestres. Não adianta fazer intervenções se as pessoas passam fora da passarela, se o motociclista insistir em passar pelos corredores, se o caminhoneiro continuar usando marchas e frenagem inadequados”, alerta.

PASSARELAS
As péssimas condições de conservação da passarela que liga o Bairro Palmeiras à Vila Bernadete, próximo à subestação da Cemig, têm feito muitas pessoas evitarem essa travessia e se arriscar na pista. “Um caminhão bateu aqui e depois disso a passarela tem só se entortado. Quando passam caminhões aqui ela treme, balança toda. Já vi uma vizinha ficar paralisada de medo, chorando, porque achava que a passarela ia cair”, conta Efigênia Fontes, de 40. A passarela se encontra com o concreto degradado ao ponto de um buraco ter sido aberto e ser possível enxergar os carros passando pelo rombo. As ferragens da estrutura já estão visíveis, muitas delas enferrujadas. O deslocamento de ar da passagem dos veículos faz com que a estrutura balance. Quem se apoia na grade de proteção sente que ela não está bem fixa.
Seis dos apoios dessa proteção estão suspensos, quase se soltando da estrutura, com frestas de até três dedos. “Já notamos esse problema e isso será reportado aos responsáveis pela manutenção que são a (concessionária) Via 040 e o Dnit”, informou o tenente Donizete.
Efigênia Fontes afirma que a passarela treme quando caminhões passam sob ela: "já vi uma vizinha ficar paralisada de medo, chorando" - Foto: Beto Novaes/EM/DA Press
De acordo com a Setop, o projeto de readequação do Anel Rodoviário foi concluído e entregue ao Dnit em dezembro do ano passado. Outra obra que poderia remover grande parte do tráfego que hoje circula na via é o Rodoanel, cujo trecho norte seria de responsabilidade do estado. “O Rodoanel Norte teve a licitação anulada. O valor do empreendimento licitado na modalidade PPP foi considerado incompatível com a disponibilidade orçamentária e financeira do estado e no momento não há nenhum projeto sobre este empreendimento em análise nesta secretaria”, informou a Setop.

Edital para obras sai em maio, diz Dnit


O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) informou que o “plano de melhorias com intervenções pontuais está de pé”. De acordo com o departamento, está sendo elaborado um edital para o projeto executivo que definirá as obras para melhoria no Anel Rodoviário de Belo Horizonte. A previsão é de que o edital seja lançado até o final de maio.

Por sua vez, a Concessionária Via-040, que administra parte do Anel Rodoviário, entre os Bairros Olhos D’Água e Califórnia, informou que não está prevista no contrato celebrado com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) a realização de obras de ampliação e expansão da capacidade das pistas e de duplicação de pontes e viadutos. “À concessionária cabe a gestão dos serviços de recuperação e manutenção da rodovia, bem como a oferta de serviços de atendimento médico de emergência e socorro mecânico”.

Quanto aos radares, já instalados, a Via 040 aguarda a homologação por parte dos órgãos responsáveis pela fiscalização da rodovia. A passarela entre os bairros Vila Bernadete e Palmeiras não consta como parte dos bens arrolados pela concessão, cabendo sua manutenção à Prefeitura de Belo Horizonte. (MP).