Diante da cadeia de montanhas que atravessa oito municípios próximos à capital, a advogada Beatriz Vignolo, da organização não governamental (ONG) Abrace a Serra da Moeda, entidade promotora do ato público, explicou que “o pior conflito na região está em Brumadinho, Itabirito e Nova Lima”. “A pressão vem das mineradoras e da especulação imobiliária. O fundamental é que esta área seja declarada, pelo estado, monumento natural, a exemplo do que já ocorreu com o Monumento Natural Municipal Mãe D’Água, iniciativa de Brumadinho. É o único instrumento jurídico efetivo para evitar a degradação completa e garantir proteção”, alertou, lembrando que a criação do Mãe D’Água foi resultado da mobilização na Serra da Moeda. E observou que apenas um lado do maciço, na região de conflito, está hoje protegido.
Sempre realizado em 21 de abril, data da Inconfidência Mineira, o ato público desta vez fez um protesto para que a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) tenha mais responsabilidade sobre a segurança hídrica da Grande BH, já que “o órgão ambiental estadual vem se posicionando favoravelmente à viabilidade de empreendimentos que produzem significativos impactos na região da serra, sem qualquer estudo conclusivo sobre a viabilidade hídrica dessas atividades”, segundo a advogada da ONG Abrace a Serra.
SEM ÁGUA Uma denúncia da ONG se refere ao esgotamento de algumas das nascentes que compõem o Monumento Natural Municipal da Mãe d’Água, após o início das operações, em 2015, de uma fábrica de refrigerantes na região. Conforme levantamento da Abrace a Serra da Moeda, a indústria, com capacidade para produzir 2,4 milhões de litros da bebida por dia, fica na estrutura geológica conhecida como Sinclinal da Moeda e demanda grande quantidade de água a ser retirada do aquífero. “A nascente do Campinho, que abastecia cerca de 1 mil famílias, já secou. Agora, elas dependem de quatro caminhões-pipa”, disse Beatriz.
Em documento distribuído à imprensa, o vice-presidente da Abrace a Serra da Moeda, Ênio Araújo, relata a existência de vários empreendimentos previstos para a região “sem estudos conclusivos que atestem se o lençol freático da Serra da Moeda suportará a alta demanda de água quando todos atingirem o seu auge”. Ele adverte ainda que “mineradoras, empreendimentos imobiliários, fábrica de refrigerantes e polos industriais poderão consumir um volume de água muito superior à taxa de recarga do aquífero, o que poderá provocar a seca das nascentes da encosta da serra que abastecem diversas comunidades históricas e servem de recarga para a região metropolitana.”
DEPOIMENTOS
"Devemos preservar a natureza, principalmente a água, para que nossos filhos e netos também tenham direito a ela" - Rosana de Jesus Fernandes, de 40 anos, moradora da comunidade de Aranha, em Brumadinho
"Venho aqui ao Topo do Mundo desde o início do projeto. É uma iniciativa importante para conquistas ambientais e também informar a população" - Kátia de Lima Pereira, de 25, estudante de pedagogia, ao lado da amiga Letícia Cássia Rodrigues, de 18, moraores de Palhano, em Brumadinho
"Temos que nos preocupar com a questão da água, pois ela está escasseando na região. No Campinho, a fonte já secou" - Alexandre Gloor, professor, e Keila, projetista, residentes em um sítio em Brumadinho
Mobilização para todas as gerações
Protegidos do sol forte com bonés, chapéus e às vezes com as próprias bandeiras com letras brancas e verdes, os manifestantes, em grupos, muitos formados por famílias inteiras, começaram a subir a serra cedo – de ônibus, carro, moto, bicicleta ou a pé. “Sem água não tem vida”, disse o estudante Pedro Neto, de 12 anos, ao lado da mãe, a professora Cássia Aparecida de Souza, ambos moradores de Moeda. De Mário Campos, Merlyn Eynne Tavares foi passear no Topo do Mundo com a filha Lanna Stefany, de 5 anos, e familiares, e aproveitou para vestir a camisa do projeto. “Foi pura coincidência estar aqui hoje, mas valeu muito, pois devemos conservar o meio ambiente”, afirmou, seguindo o cortejo inicial, antes do abraço simbólico, que teve à frente o grupo de congado Nossa Senhora do Rosário de Vargem de Santana, da vizinha cidade de Belo Vale.
Certas de que a união é o melhor jeito de lutar pela preservação dos recursos naturais, duas famílias do distrito de Suzana, em Brumadinho, deram as mãos e depois abriram os braços diante da paisagem: estavam lá, de camisa branca e bandeiras, Edmar Vieira, sua mulher, Adriene, e, no colo da mãe, a pequena Emanuele, de apenas 3 meses; e também Ronei Vicente Pimenta e Marinete Ferreira Silva, com a filha Franciele, de 6 anos, e Davi, de 11, irmão de Marinete. Perto dali, as amigas Kátia de Lima Pereira, de 25, estudante de pedagogia, e Letícia de Cássia Rodrigues, de 18, moradoras de Palhano, também em Brumadinho, aplaudiam a iniciativa. “Venho aqui desde o início do projeto.
MAIS VERDE Quem foi ao ato público não saiu de mãos vazias, já que houve distribuição de mudas de espécies frutíferas e decorativas. O casal Alexandre Gloor, professor, e Keila, projetista, residente em um sítio em Suzana, em Brumadinho, ganhou uma castanheira-do-maranhão e um ipê-branco. “Já temos um rosa e um amarelo, agora será a vez de plantar este no quintal”, disse Kátia, que considera fundamental o uso racional da água para garantir o abastecimento da população. “No Campinho, a fonte já secou”, reforçou Alexandre.
No meio do ato público, o empresário Lúcio Dantas, de Moeda, chamava a atenção para a preservação dos rios Paraopeba e Velhas, que abastecem a região metropolitana. “O foco do governo estadual deve ser a conservação das águas nesta região”, disse, ao lado da mulher, a professora Diana Murta.
AUTORIZAÇÃO Em nota, a Semad informou que “todas as autorizações ambientais são analisadas de acordo com estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) apresentados pelo empreendedor e seguem o rigor estabelecido na legislação ambiental”. Segundo a secretaria, na época do licenciamento da fábrica de refrigerantes que preocupa ativistas, a Superintendência Regional de Meio Ambiente Central Metropolitana solicitou à empresa um estudo com pesquisa hidrológica. “O objetivo do estudo era avaliar a disponibilidade hídrica subterrânea na região, bem como seus impactos”, diz a nota.
O documento informa ainda que a Serra da Moeda é protegida por diversas unidades de conservação, tais como o Monumento Natural da Mãe D’Água, o Monumento Natural Serra da Calçada, de Nova Lima, e o Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda, que abrange os municípios de Moeda e Itabirito. O Parque Estadual da Serra do Rola-Moça também protege uma parte do chamado Sinclinal Moeda. “A unidade de conservação estadual Monumento Natural Estadual da Serra da Moeda foi criada em 2010 e protege as riquezas naturais, arquitetônicas, históricas e arqueológicas do local e é administrada pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF)”..