Por trás da barulheira, bancas espalhadas pelas calçadas e todo tipo de quinquilharia dos camelôs que voltaram a invadir as ruas da área central de Belo Horizonte há um universo de diferentes histórias, que por sua vez compõem uma espécie de mosaico da crise que assola o país. É o que mostra levantamento feito pela Prefeitura de BH para apurar o total de ambulantes no Hipercentro, uma das etapas do plano de revitalização da área, que inclui a retirada do comércio clandestino até 27 de junho deste ano. A estatística parcial revelou a presença de 785 pessoas, das quais apenas 20% têm tradição no mercado informal. A maioria (75%) teve carteira de trabalho assinada, mas começou a negociar mercadorias em calçadas ou praças após a perda do emprego.
A firma fechou as portas e José foi para a rua. Literalmente. Agora, ganha a vida oferecendo água mineral e salgadinhos industrializados no entorno do Parque Municipal. Sai de casa depois do almoço e retorna por volta das 21h. “Eu era fichado, mas a empresa quebrou por causa da crise e não consegui recolocação. Pai de família, estou aqui agora”, justificou.
José mora em Belo Horizonte, como a maioria (70%) dos camelôs catalogados pela prefeitura. Já João sai todas as manhãs de Betim, na região metropolitana, com esperança de negociar cigarros vindos do Paraguai no Hipercentro da capital. Baiano, ele trocou a vida de caseiro no litoral para ser operário de uma indústria na Grande BH. Também perdeu o emprego por causa da crise.
A venda de cigarro rende a João de R$ 1 mil a R$ 2 mil por mês. A quantia pode parecer alta para muita gente, mas a rotina é dura e o risco de perder a “mercadoria”, constante. Ele destaca que sempre precisa ficar com um olho na clientela e outro na fiscalização. Já teve produtos levados “pelo pessoal da prefeitura”. O prejuízo, calcula, foi de mais ou menos R$ 300. “Foi no carnaval. Os fiscais tomaram cervejas, refrigerantes, água e catuaba.”
Ele não foi o único a ter problemas com a fiscalização. Esta semana, o caixote de madeira que Marcos usava como suporte para venda de cigarros e água mineral foi destruído pelos fiscais. Quebraram a madeira fina com os pés. “Por sorte não levaram os produtos. A gente fica atento o tempo todo, mas nem sempre conseguimos escapar.”
ELDORADO
O vaivém da fiscalização força migrações temporárias dos camelôs. O desejo da maioria é ficar nos quarteirões da Praça Sete, onde a quantidade diária de pedestres supera facilmente mais de uma vez o público do Mineirão em clássicos entre Atlético e Cruzeiro. É como se fosse o Eldorado dos ambulantes.
Lá há pessoas que negociam desde livros antigos a chips de telefone celular. Há vendedores de várias idades, credos e raças. Há senhoras que vendem pares de brincos a R$ 1 cada e adesivos para unhas por R$ 2. Há senhores que oferecem quadros com imagens de artistas e jovens que exibem cofres em formato de porquinho.
José, João e Marcos já foram abordados pelos técnicos da prefeitura que catalogam os camelôs como uma das etapas do plano de revitalização da área, anunciado com pompa pelo Executivo em 27 de março. Naquela data, a prefeitura informou que retiraria todos os camelôs do Hipercentro em até 60 dias, mas, a pedido do Ministério Público, o prazo foi estendido por mais um mês (27 de junho).
Artesanato
Há um grupo em torno de 80 pessoas, segundo levantamento da prefeitura, com autorização para ganhar a vida vendendo objetos nas ruas do Hipercentro. Esse contingente não faz parte dos 758 ambulantes mapeados. Amparados por liminares, artesãos podem oferecer suas criações. Silvânia Rodrigues, de 49 anos, é uma das beneficiadas. “Lá se vão três décadas”, conta. Ela tem pulseiras, colares, anéis e outros objetos.
Por três meses, conta, ela negociou sua produção em um shopping popular. Não deu certo: “O público é diferente. Em ambiente fechado, artesanato não sai. Não consegui pagar o aluguel mensal, de R$ 400, e voltei para a rua”. Indígenas também podem negociar sua produção artesanal.
Lojistas cobram mais fiscalização
A Câmara de Dirigentes Lojistas da capital (CDL-BH) não concorda com a presença dos camelôs nas ruas da cidade. Em nota, a entidade afirma que “deve-se destacar que eles não pagam impostos, não cumprem leis trabalhistas, não têm gastos com aluguel e nem IPTU”. “Por isso conseguem vender produtos a preços mais baixos. Porém, apesar de mais baratos, esses produtos são de origem duvidosa e, por isso, não têm garantia, tornando-se um risco para o consumidor”, prossegue o texto.
A entidade avalia que a proliferação dos ambulantes se deve mais a “falhas na fiscalização do município do que à crise econômica”. E justifica: “Independentemente do desemprego, os camelôs estarão sempre rondando se não houver uma fiscalização intensa. Na visão de quem trabalha informalmente, é mais rentável ficar nas ruas do que ser assalariado”.
Entretanto, o levantamento da prefeitura indica que a maioria dos ambulantes tem interesse em migrar para o comércio formal. O trabalho apurou que 85% dos ambulantes do Hipercentro desejam fazer curso de capacitação e 95% têm interesse em trabalhar em shopping popular.