Em tempos de jogo suicida, BH tem outra 'baleia' que salva

Em oposição ao game da morte 'Baleia Azul', hospital de BH que leva o nome do mesmo animal tem missão de oferecer acolhida e tratamento humanizado a milhares de pacientes

Valquiria Lopes
Giulli Sanson acompanha o filho João Victor, em tratamento renal: 'Dos faxineiros aos médicos, todos são apaixonados por ele' - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A.Press

Pelas salas de cirurgia, enfermarias e leitos de CTI de um dos mais antigos hospitais de Minas, o desafio é claro, e bem cumprido: lutar pela vida. Diferentemente do perverso jogo Baleia Azul, que tem induzindo crianças e adolescentes, por meio de redes sociais, à automutilação e ao suicídio, o Hospital da Baleia, em Belo Horizonte, acolhe, ampara, reverte quadros de dor e humaniza o atendimento médico em situações de sofrimento. Em comum, têm como símbolo o mesmo animal marinho, mas mantêm jogos bem distintos. A instituição, no Bairro Saudade, Leste de BH, soma 72 anos de filantropia na saúde pública, com trabalho reconhecido por pacientes de 82% dos municípios de Minas e atestado por um público de mais de 500 mil pessoas que circulam por suas dependências a cada ano.


No caso do game, o nome, segundo a Polícia Federal, que investiga casos em todo o país, teria relação com o comportamento suicida de baleias, que em certas circunstâncias forçam o encalhe coletivo em praias. O jogo que se disseminou pelo mundo surgiu na Rússia, em 2015, quando uma jovem de 15 anos se atirou de um edifício, o que deu sequência a outras mortes. Ao ligar os fatos, a polícia russa descobriu um grupo que participava de um desafio com 50 missões, sendo a última delas acabar com a própria vida. A partir daí, foram relatados cerca de 130 suicídios naquele país até abril de 2016, quase todos atribuídos a integrantes do mesmo grupo na internet.

No Hospital da Baleia, a realidade é bem diferente. Os responsáveis pelos desafios são outros: 800 funcionários, entre eles um corpo clínico de 250 médicos.

As missões, também. No macabro Baleia Azul, os jogadores são selecionados para cumprir desafios cruéis, nos quais alguém por trás da tela manipula o participante e dá ordens a serem cumpridas, entre elas automutilação com lâminas, de forma a gerar uma sensação de medo e depressão. No hospital de BH, pacientes são direcionados por profissionais treinados para tornar a luta pela saúde mais leve e seguem regras de celebração da vida por meio de 25 diferentes especialidades. Entre elas, o Baleia é referência em Minas no tratamento de oncologia, nefrologia, ortopedia, cirurgia bariátrica, dermatologia e fissuras labiopalatais.

No caso do aposentado Aloísio Antônio Costa da Silva, de 64 anos, o desafio da saúde já dura dois anos, e com resultados positivos. Aloísio frequenta o Hospital da Baleia três vezes por semana para se tratar de insuficiência renal crônica. Sem dúvida sobre a instituição, ele afirma, com um sorriso no rosto: “Esta baleia é a que salva”. Na última quinta-feira, quando terminava mais uma sessão de hemodiálise, ele detalhou sua história de dor e superação vivida na entidade. “Quando vim pra cá, estava em estado muito crítico. Graças à competência da equipe e ao carinho do pessoal, hoje tenho uma qualidade de vida muito melhor. Sobrevivo graças a eles”, contou.

Se no caso do jogo mortal a fragilidade emocional é ponto-chave para atrair novos adeptos, esse é também um quadro psicológico comum a pacientes e familiares que chegam ao Hospital da Baleia. Entretanto, as semelhanças param por aí. Os caminhos no Baleia da vida são outros. Lá, situações como a dor de diagnóstico, a lentidão da cura e o sofrimento físico são tratados com zelo, atenção e carinho.
“Eles olham pra gente e sabem quando não estamos bem”, conta Aloísio.

Ele, que já viu muitas cenas em suas idas e vindas no setor de hemodiálise do hospital, guarda uma na memória. “Uma enfermeira foi ao corredor com um papel na mão para procurar alguém, quando viu uma senhora com aspecto de quem passava mal. A enfermeira, sem pensar duas vezes, a acolheu: ‘Você não está bem aqui, não, vem comigo’”, relatou o aposentado. Ele lembrou ainda que o ato o impressionou pela bondade. “Achei uma atitude muito bonita, profissional e solidária”, reforçou.

VÍTIMAS E RESGATES

O jogo da Baleia Azul já fez vítimas em pelo menos em três estados. Em Minas Gerais, há suspeita de relacionamento com o game nas mortes de dois jovens – um por overdose de medicamentos e outro por enforcamento. No Mato Grosso, a morte de uma menina em uma represa é relacionada ao jogo e uma classe de alunos já estaria em procedimentos de automutilação, situação que se repete na Paraíba. “Fiquei sabendo desse jogo, um horror. Aqui, no Baleia, é o contrário. Somos uma família unida”, afirma Giulli Sanson, de 47, mãe do jovem João Victor Sanson, de 13.

O adolescente é acompanhado pela equipe do hospital há oito anos, devido a um problema nos rins.
“Desde os faxineiros aos médicos, todos são apaixonados por ele”, conta a mãe, com orgulho. Debilitado pela doença, Victor tem poucas expressões e movimentos. Mas, apesar de não responder, está atento a tudo e presta atenção aos dizeres da mãe. “Olha lá, ele está rindo”, apontou ela. Giulli conta ainda que Victor se tornou querido no hospital. “Ele escuta musiquinha, bate palminha, todo mundo brinca com ele. A enfermeira canta músicas da Xuxa, ele fica bem alegre. É muito bem tratado”, contou.

E, enquanto as missões do game macabro terminam em autoextermínio, o pequeno Isaac, de 7 meses, mostra que os duelos da vida no Hospital da Baleia têm outros desfechos. O bebê nasceu de 35 semanas, e logo depois foi diagnosticado com meningite. Em seguida, sofreu com cinco pneumonias, além de uma parada cardiorrespiratória. Depois de longas semanas no centro de terapia intensiva, os pais dele, Andreia Ferreira Duarte da Silva, de 32, e Leandro César Duarte da Silva, de 34, comemoram a saída do setor de pacientes crônicos.

“A competência dos médicos e demais funcionários salvou a vida dele”, disse a mãe. Ela relembra, ainda com um tom de empolgação, que no dia em que Isaac saiu do CTI, a equipe toda se emocionou: “Todo mundo chorou. Sempre que podem, os funcionários vêm aqui para visitá-lo”, conta Andreia, que se vê, ao lado da família, pronta para os novos desafios da vida.

 

Saiba mais

Doação desde as origens

A história do Hospital da Baleia teve início em 4 de julho de 1944. A antiga Fazenda do Baleia – na mata que leva o mesmo nome, por ter o formato do animal quando vista de cima – foi cedida pelo então governador de Minas Gerais  Benedito Valadares ao industrial mineiro Benjamin Ferreira Guimarães. Junto do filho, Antônio Mourão Guimarães, e o médico e amigo Baeta Vianna, Benjamin viabilizou a criação do hospital, construído como parte da Cruzada Mineira contra a Tuberculose, com doação de 20 milhões de cruzeiros. Com o tempo, o hospital se especializou no atendimento cirúrgico e ortopédico. Gradativamente, ampliou sua atuação, oferecendo várias especialidades médicas. A instituição foi uma das primeiras de Belo Horizonte a estabelecer parceria com o poder público, em 1987, passando a atender por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), implantado no país no ano seguinte.

 


raio-x de
um gigante

O Hospital da Baleia em números

Instituição filantrópica com 72 anos

Atende moradores de 694 municípios


82% do total do estado

Público circulante: Média de 500 mil pessoas/ ano


25
especialidades médicas

» Centros de referência em oncologia, nefrologia, ortopedia, cirurgia bariátrica, dermatologia e fissuras labiopalatais

» Equipe multidisciplinar de atenção à saúde (psicologia, fonoaudiologia, nutrição clínica, fisioterapia e serviço social)


46.300
atendimentos ambulatoriais


24.300
atendimentos infantis


10.000
internações


11.600
cirurgias e procedimentos


45.000
sessões de hemodiálise


35.000
sessões de quimioterapia


170
leitos de internação


800
funcionários, sendo 250 médicos


R$ 1,3 milhão

é o déficit operacional mensal da instituição


R$ 60 milhões
é a atual dívida do hospital

Fonte: Hospital da Baleia

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