Morte de motorista expõe perigo nos ônibus de Belo Horizonte

Enquanto na capital guardas dão proteção em certos trajetos, nos ônibus metropolitanos passageiros estão cada vez mais acuados por ações como a que resultou em morte de motorista sexta-feira

Landercy Hemerson
A violência embarcou definitivamente nos ônibus que circulam pela Região Metropolitana de Belo Horizonte, e não parece ter prazo para encerrar uma viagem que deixa passageiros e trabalhadores cada vez mais acuados.
Se na capital parte dos usuários desfruta de relativa tranquilidade desde que guardas municipais passaram a acompanhar certos trajetos, no transporte metropolitano o medo é companheiro diário, e na sexta-feira cobrou mais uma vida, desta vez de um motorista. Foi mais um capítulo de uma história de repetidos relatos de arrastões, que em alguns casos terminam de forma trágica, como ocorreu no episódio da MG-020, com o coletivo da linha 4155 (Estação São Gabriel/Imperial – Santa Luzia), no Bairro Ribeiro de Abreu, Norte da capital, quando o condutor foi assassinado com um tiro na cabeça.


Se desde janeiro a estudante de ciências biológicas Kelly Cristina, de 35 anos, se sente segura quando vai para a universidade em ônibus da linha 9250 (Caetano Furquim/Nova Cintra), uma das beneficiadas pela vigilância da Guarda Municipal de BH, o mesmo não pode dizer a técnica em enfermagem M., de 48. Na noite da sexta-feira, seu temor e o de outros 50 passageiros se concretizou de forma trágica, com o ataque ao coletivo da linha 4155. “Sempre ia para casa à noite com medo”, contou. M., que até aquela noite não havia presenciado assaltos a ônibus, teve a certeza de que esse dia havia chegado quando o condutor Elias Pereira, de 33, parou na Via-240 para um grupo de pelo menos cinco jovens.

“Murmurei para o motorista seguir, não parar. Quando vi aqueles rapazes entrando, alguns pulando roleta, orei e pedi proteção a Deus. Fui atendida, pois um deles olhou e disse que não mexeria comigo.

Mas atiraram na cabeça do motorista, o ônibus seguiu desgovernado e por milagre não aconteceu uma tragédia maior. Havia risco de cairmos num córrego”, recordou, referindo-se ao Ribeirão do Onça, que corre ao lado da via.

O arrastão que terminou em assassinato ocorreu no km 14 da MG-020, um dos locais que frequentemente são alvos de assaltantes de coletivos. “Há 25 anos trabalho na empresa, com frequência nessa linha. São vários os ataques entre os bairros Novo Aarão Reis e Monte Azul, no limite com Santa Luzia. Comigo já foram três. E, na última quarta-feira, um colega e os passageiros foram roubados por um homem com um facão”, contou Alexandre Augusto, colega de trabalho do condutor assassinado.

Além da MG-020, coletivos das linhas que trafegam na Grande BH têm sido alvos de criminosos nas rodovias estaduais MG-010, em Morro Alto, Vespasiano; MG-050, entre Betim e Mateus Leme; LMG-808, em Nova Contagem; LMG-806, em Justinópolis, Ribeirão das Neves; BR-356, entre o Aglomerado do Morro do Papagaio e o BH Shopping; e, com maior frequência, na BR-381, em Contagem, depois do Carrefour, e entre os bairros PTB e Jardim Teresópolis, já em Betim.
Em linha que liga Belo Horizonte a Betim, relatos de assaltos na BR-381 já viraram rotina - Foto: Marcos Vieira/EM/DA Press
INSEGURANÇA Em páginas de redes sociais de quem mora em Betim, na Grande BH, há vários relatos de usuários sobre a insegurança na linha 3212, BH/Betim. Um motorista que trabalha há quatro anos na linha diz que nunca passou por uma situação de assalto em suas viagens, mas admite que em algumas situações deixa de parar em pontos no PTB, na rodovia federal. “Que me desculpem pessoas sérias que embarcariam, mas se estavam perto de suspeitos, não parei. Não posso colocar 40 passageiros em risco”, disse.

O condutor acredita não ter sido alvo dos bandidos exatamente pela cautela, mas também por sorte. “No mês passado foram nove roubos na linha 3212 em uma semana. Já ocorreu uma situação em que eu ia parando no ponto para uma pessoa, mas pelo retrovisor vi que surgiram mais três e pisei no acelerador. O risco é grande, pois um colega nosso, sem reagir, foi baleado só porque o chefe do bando queria ver se o comparsa tinha coragem de atirar”, alertou.

A passageira S.A.A., moradora de Ipatinga, veio visitar a filha que mora em Betim e foi vítima de um arrastão na linha.
“Embarquei na rodoviária de BH, onde também entraram os ladrões. Próximo a Contagem, dois homens armados e uma mulher, jovens, anunciaram o assalto. Levaram meu celular e R$ 50. Ninguém reagiu, mas ele agrediram uma pessoa que não tinha nada para entregar”, recordou. Segundo ela, não houve registro do caso na polícia “Ninguém fez boletim de ocorrência. O motorista desestimulou, dizendo que não resolve nada e que tem assalto no ônibus pelo menos uma vez por dia”, acrescentou.

Reagir ao crime é desafio para polícia

 

A falta do registro de boletim de ocorrência relativo a ataques a ônibus é um dos gargalos para a realização das ações policiais, segundo destaca o inspetor Aristides Júnior, da Polícia Rodoviária Federal. “Existem realmente vários assaltos a coletivos na BR-381. Nossa grande dificuldade, primeiramente, é que as vítimas não fazem o registro. Então, não são repassadas para nós as características desses assaltantes.” Segundo ele, operações ostensivas, com policiais dentro dos coletivos, como o que vem ocorrendo em Belo Horizonte, é inviável no caso da PRF. “Não existe essa possibilidade.

Mesmo porque embarco um agente em um ônibus e os assaltantes entram em outro. Fazemos rondas, o pessoal da inteligência trabalha fazendo levantamentos, mas embarcar agentes em ônibus é utopia”, ressaltou Júnior.

A Polícia Militar, visando coibir esse tipo de ataque, tem realizado blitzes nos principais de corredores de trânsito, na capital ou em ligações com cidades da Grande BH. Nos casos das rodovias, a ação é realizada por meio da Polícia Militar Rodoviária (PMRv). Na operação, os militares param os ônibus e abordam passageiros. Ontem, na MG-020 e na Via-240, depois do assalto com morte, foram montadas ações de fiscalização, com a detenção de um homem com mandado de prisão em aberto.

O Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram), informou, por nota, que tem investido constantemente em tecnologia no sentido de aumentar a segurança dos usuários. “Todos os veículos dispõem de sistema de vigilância e, em caso de ocorrências, esse material é fornecido às autoridades para investigação”, destaca o texto. O Sintram ressaltou que mantém diálogo constante com os órgãos de segurança pública, especialmente a Polícia Militar e a Guarda Municipal de BH, para auxiliar na proposição de medidas que reduzam esse tipo de registro.

Já a Secretaria de Estado de Transporte e Obras Públicas (Setop), que responde pelo transporte metropolitano, informou em nota que encaminha às autoridades da segurança pública dados sobre os atos de violência, visando a colaborar no planejamento de ações. “As concessionárias, por força de contrato, desenvolvem trabalhos para garantir a segurança dos usuários das linhas metropolitanas”, afirmou no comunicado.

 

‘Viagem segura’, mas com brechas

 

Mesmo com o início da operação “Viagem Segura”, em janeiro, com guardas municipais acompanhando viagens dos ônibus em Belo Horizonte, no mês seguinte a passageira Luiza Drumond Reis, de 26 anos, morreu ao pular de um ônibus em movimento para tentar escapar de um arrastão na Avenida Raja Gabaglia, no Bairro Luxemburgo, Centro-Sul da capital. Ela viajava no coletivo da linha 4110 (Dom Cabral/Belvedere), quando três homens entraram e iniciaram os roubos. Vários passageiros saltaram do ônibus, incluindo Luiza, que bateu com a cabeça na queda. Os demais sofreram cortes e escoriações, mas nenhum em estado grave.

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