Projeto que incentiva leitura entre crianças completa 10 anos

Em uma década do programa, mais de 50 mil alunos de escolas públicas de BH e do interior foram beneficiados

Junia Oliveira
'Eu me sinto num conto de fadas. Gosto muito de ler contos e aventuras. Às vezes, leio quatro vezes o mesmo livro', diz Maria Cecília Barbosa da Silva, de 9 anos, que leu 145 livros em três anos e ganhou medalha de ouro no projeto - Foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PRESS
Ela tem apenas 9 anos e uma média de leitura que deveria servir de lição para muitos brasileiros. Num país onde pouco mais da metade da população tem o hábito de ler, a pequena Maria Cecília Barbosa da Silva, aluna do 4º ano do ensino fundamental, passou os últimos três anos tendo como companheiras centenas de histórias de aventuras e contos. Com quase 150 obras lidas, a moradora do Bairro Betânia, na Região Oeste de Belo Horizonte, se tornou uma das campeãs de projeto de incentivo à leitura. Em 10 anos de atividades, foram beneficiados mais de 50 mil estudantes de escolas públicas da capital e do interior do estado, que, juntos, leram e interpretaram mais de 1 milhão de livros. Na internet, outra iniciativa quer mudar a realidade do Brasil, fazendo da literatura ferramenta de transformação.


No projeto Ler é viver, promovido pelo Instituto Gil Nogueira, uma organização não governamental, a viagem pelo mundo da imaginação começa com uma caixa de livros distribuídos no início de cada semestre às turmas participantes. O kit tem 50 obras do universo infantil. Os alunos são estimulados pelos professores a ler e interpretar as obras. Mas não basta ler.

É preciso comprovar que o fez, contando a história. No fim do semestre, é feita uma avaliação individual, de acordo com a ficha técnica, e as crianças com o melhor desempenho recebem medalhas.

A premiação é feita por categorias. Aqueles que leram e interpretaram de 8 a 22 livros recebem o bronze. Os que alcançarem a marca de 23 a 44 livros, a medalha de prata. E quem lê entre 45 a 50 livros leva o ouro para casa. As crianças que lerem e interpretarem todos os 50 livros disponibilizados no semestre recebem ainda uma medalha de “campeão de leitura”. Caso de Maria Cecília, que participa desde o 1º ano do projeto na Escola Estadual Emília Cerdeira, no Bairro Betânia, e que só não recebeu a honraria máxima no ano passado, quando conseguiu contar a história de 45 livros. Nos anos anteriores, ela interpretou todos os 50. “Eu me sinto num conto de fadas. Gosto muito de ler contos e aventuras. Às vezes, leio quatro vezes o mesmo livro. Dá para viajar”, conta a garotinha, fã da Turma da Mônica. Ela, que sonha ser advogada e empresária, gosta de inventar histórias e escrever.
Melhor aluna da sala, só tem nota máxima, A, no boletim, sem nunca ter tirado nem sequer um B. Maria Cecília lamenta apenas não ter ganho medalha no ano passado. “Não sei por que, mas não levei o ouro.”

A mãe, Deise Barbosa Otoni, de 36, tem o maior orgulho da filha leitora e diz que a pequenininha, Marcela, de 3, vai pelo mesmo caminho, sempre folheando os livros que têm em casa. “A Maria Cecília fica empolgada, quer contar as histórias e se a irmã atrapalha, fica brava. Quando não tem nada para ler, ela pega o dicionário. Tomara que esse contato com os livros agora dê um bom resultado no futuro”, diz a auxiliar de apoio à inclusão de uma Unidade Municipal de Educação (Umei).

TRANSFORMAÇÃO
O Ler é viver é promovido entre crianças de 6 a 11 anos. De acordo com a presidente do Instituto Gil Nogueira, Patrícia Nogueira, o foco no ensino fundamental tem como premissa o fato de, nessa faixa etária, ser mais fácil despertar o gosto pela leitura nas crianças. “Os números (do projeto) são muito expressivos em um país onde a cada quatro brasileiros um é analfabeto funcional. Acreditamos na transformação pela educação e o incentivo à leitura é um importante começo”, ressalta. Ela destaca ainda que os resultados de cada escola são acompanhados semestralmente, havendo crescimento da média de livros lidos a cada ano.
Um dos resultados diretos do programa é o desenvolvimento geral do aluno em todas as disciplinas. “Isso se deve à notável melhora na compreensão dos textos lidos e na capacidade de análise crítica das crianças. Quando adquirem o hábito e descobrem o prazer da leitura, com certeza os levarão pelo resto da vida.”, afirma.

Caso dos estudantes Fernanda Kellen Pereira da Fonseca e Sandro Márcio Dias, ambos de 16 anos. Os dois estão no ensino médio e, em 2012, o Estado de Minas contou suas histórias por meio dos livros. Então com 11 anos e aluna do 6º ano do ensino fundamental, Fernanda faturou na época a medalha de diamante ao ler 60 livros e contar a história de 58 – categoria e média que distinguiam quem lia mais quantidade de obras até 2011.

Naquele ano, a menina, que hoje sonha ser juíza e ainda conserva a voz doce e meiga, encontrou nas obras literárias o refúgio para superar um drama familiar: a perda da irmãzinha, de apenas dois anos e 8 meses. “Pelo que passei na época, os livros foram meu grande incentivo. E ainda são”, relata ao lado dos pais, o vigilante Walter Luiz da Fonseca, de 43, e a doméstica Cláudia Pereira da Fonseca, de 42. O pai relembra o empenho da filha: “Pelo momento que estávamos passando, não acompanhamos muito esse processo. Ficávamos preocupados, pois ela passava o tempo todo trancada no quarto, até o dia em que descobrimos que era por causa do projeto”, relata.

Sandro vê nos pés seu grande futuro, mas também não abandonou a leitura. Aos 11 anos, tentava o bicampeonato para repetir o feito de 2011, quando leu 51 livros. Inspirado no irmão, João Pedro, quatro anos mais velho e que também havia participado do projeto, alcançando a marca de 41 obras, e contando sempre com a ajuda do pai, o diretor de autoescola Nilton Batista Dias, de 58, também teve nas histórias a ajuda para superar a tristeza da mãe doente. Com um olho nas páginas e outro no futebol, ele segue em frente em busca do sonho de ser um grande jogador, se dedicando ao esporte numa escola especializada. Ele ainda considera a leitura algo importante. E o pai, sempre presente, não perde o foco: “Com leitura eles estão sempre desenvolvendo. Continuo com o mesmo orgulho dos meus filhos”.

Com 16 anos, Sandro Dias e Fernanda Fonseca participaram do projeto aos 11: gosto pela leitura permanece - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS
Ação para presentear livros


Fazer a criança ter um livro para chamar de seu e, a partir disso, mudar a própria história. Acreditando nessa transformação por meio das letras, uma empresa mineira lançou recentemente uma plataforma digital inédita e inovadora para ajudar a minimizar os efeitos do que considera ser o maior problema social do país: a educação precária. Por meio do projeto 1book4life (Um livro para a vida), pessoas comuns, empresas e investidores sociais são estimulados a presentear com livros estudantes carentes de diversas partes do Brasil. No processo, têm a oportunidade de acompanhar, permanentemente, o trajeto das obras e os resultados da iniciativa.

Pesquisa divulgada pelo Instituto Pró-Livro (IPL) no ano passado mostra que a leitura é um hábito de 56% da população brasileira. Para ser considerado um leitor, pela metodologia do estudo, é necessário ter lido ao menos um livro três meses anteriores ao levantamento. O percentual de leitores variou pouco em relação aos dois últimos estudos feitos: 55% em 2007, e 50% em 2011. Em média, os entrevistados disseram ter lido 2,54 livros no intervalo de tempo pesquisado, sendo 1,06 do começo ao fim. Entre os que têm o hábito da leitura, a média é de 4,54 obras no período, com 1,91 inteira.

O programa convida escolas públicas dos municípios brasileiros com indicadores sociais, geográficos e educacionais (menores índices de desenvolvimento da educação básica, o Ideb) mais críticos para ingressar. São 6.310 instituições de ensino já cadastradas, com 2,3 milhões de alunos. Como numa grande história de transformação, a ideia é mudar vidas. Todos os alunos da escola atendida recebem livros de presente. Presentes de verdade, com direito a embrulho especial. Cada um ganha dois livros diferentes e é estimulado a trocá-los com seus colegas para, dessa forma, ter um grande acervo compartilhado. Os livros são dos alunos, que os levam para casa. A ideia é que o hábito da leitura alcance irmãos, pais, amigos, vizinhos, mudando a história de uma comunidade inteira.

Em Minas Gerais, estão na lista instituições de 17 cidades, sendo duas delas da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Betim e Ribeirão das Neves. “Ter livros em casa, pais que leem, ser exposto ao fato de a família tratar a leitura com naturalidade é muito marcante no momento em que o aluno é dono do livro. Hoje, ele é dono do livro na escola, onde lê livros de formação e não de literatura, que são os que induzem à leitura e, consequentemente, ao aprendizado”, afirma o diretor do Instituto do Gesto Bom, responsável pelo 1Book4Life, Mário Herkenhoff Coelho.

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