Mariana – Mesmo tendo sido soterrada por 50 centímetros de lama há um ano e meio, a água cristalina que vertia dos pés de uma colina de Paracatu de Baixo, em Mariana, resistiu à compactação e superou seu confinamento. Voltou a brotar no terreno desolado dessa cidade devastada pelos rejeitos de minério de ferro que foram despejados com o rompimento da Barragem do Fundão, em 5 de novembro de 2015. Não surge mais no mesmo local, até porque esse desapareceu, mas a cerca de 10 metros abaixo, perto da parede de uma habitação em ruínas no povoado fantasma.
No fundo do buraco, a água translúcida aflora borbulhando, expelindo uma fina areia branca do subsolo enquanto ganha a superfície e forma um córrego. Esse curso valente escorre na direção do Rio Gualaxo do Norte, talhando o caminho pelo solo endurecido, pavimentado pelo minério. Da mata ciliar que a envolvia não restou mais nada, nem da floresta que acompanhava suas margens.
A tragédia ambiental que devastou essa nascente é semelhante à de outras 200 contabilizadas pelo Ibama e que também foram arrebatadas pelos 50 milhões de metros cúbicos de lama e minério de ferro despejados com o rompimento da barragem da mineradora Samarco.
A recuperação de nascentes como essa, sepultada pela avalanche de rejeitos que matou 19 pessoas, parece algo distante, mas não é a única solução para curar os rios mais devastados pelo desastre, que são o Gualaxo do Norte, o do Carmo e o Doce. Ações para regenerar as Áreas de Preservação Permanentes (APPs), ampliar a produção de água e melhorar a qualidade do líquido que chega de tributários não atingidos têm sido planejadas pelo estado dentro do Programa de Regularização Ambiental (PRA), que se segue à adesão dos produtores ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) – o registro de todas os espaços de conservação e produção dentro de terrenos mineiros.
A fragilidade ambiental dessa região, após o rompimento da barragem, levou o governo de Minas Gerais a priorizar a implementação do PRA nas APPs da Bacia do Rio Doce. “Serão prioritários aqueles lugares críticos, atingidos pela barragem da Samarco ou nessa área de influência. Uma área pequena da região já vem sendo utilizada para testes de recuperação pela Emater, sendo que a Fundação Renova (formada pela Samarco após acordo com o poder público para gerenciar os trabalhos de recuperação e compensação do desastre) contratou a Emater para estudos de recuperação”, afirma o gerente de Reserva Legal do IEF, Gustavo Luiz Godoi de Faria Fernandes.
Reflorestamento
Canalizados pelos vales da Bacia do Rio Doce, os milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de minério de ferro liberados após o rompimento da Barragem do Fundão atingiram com tamanha energia a vegetação que se opunha à sua passagem que destruíram tudo numa área de 2 mil hectares – seis vezes o Parque das Mangabeiras, em Belo Horizonte, ou nove vezes o Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Dessa área, o impacto em APPs, como matas ciliares, florestas em nascentes e vegetação das encostas, conseguiu dizimar 600 hectares de mata atlântica.
De acordo com o engenheiro agrônomo especialista em programas socioambientais da Fundação Renova Leonardo Ferreira, ao longo dos 100 quilômetros mais severamente atingidos, entre a Barragem do Fundão e o Reservatório de Candonga, a forma mais adequada de recuperar o que foi perdido é fortalecer as atividades ligadas à produção agrícola e o apoio para que os produtores se cadastrem no CAR. “Em vez de iniciarmos um trabalho concebido do nada, enxergamos no CAR a oportunidade de se ter um mapeamento que indica as áreas produtivas e de preservação”, afirma.
Outros parâmetros que norteiam a recuperação das APPs, tanto pelo estado quanto pela Fundação Renova, são instrumentos utilizados pela Emater e a Embrapa, como o Indicador de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA) e o Plano de Adequação Socioeconômico e Ambiental (Pasea). “Estamos fortalecendo esses instrumentos já existentes, porque consideramos que assim atingiremos individualmente as necessidades de cada propriedade”, disse. Outro indicador que será considerado para o resultado final é o Zonamento Ambiental e Produtivo (ZAP), que leva em conta as microbacias – ou regiões produtivas. “Esses parâmetros terão potencial de apontar onde é melhor que se desenvolva atividades rurais como a fabricação de queijos, mel, frutas, entre outros”, indica Ferreira.
Segundo a fundação, atualmente 90% das 215 propriedades atingidas já concluíram o CAR. Emergencialmente, foi feita a revegetação de 800 hectares com espécies de crescimento rápido, que ajudam a fixar os rejeitos fora dos rios, como o feijão-guandu e o sorgo. Atualmente, vêm sendo realizados trabalhos de recuperação com técnicas de bioengenharia das margens e calhas atingidas nos 100 primeiros quilômetros.
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O que são o CAR e o PRA
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) é um registro público eletrônico e obrigatório para todos os imóveis rurais, que foi criado pela Lei 12.651/2012 (Novo Código Florestal) com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais referentes às áreas de preservação permanente (APPs), de uso restrito, de reserva legal, de remanescentes de florestas e demais formas de vegetação nativa, e das áreas consolidadas, compondo base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. A segunda fase é a validação dos dados e a terceira a fiscalização e os programas de incentivo à regularização como o Programa de Regularização Ambiental (PRA).