Quase metade dos presos em flagrante em BH já cometeu outros crimes

Maioria das passagens anteriores é por roubo, furto ou tráfico de drogas, segundo pesquisa conduzida por profissionais da UFMG

Ação da PM em Belo Horizonte: abordagens que terminam com prisões em flagrante encontram reincidentes em quase metade dos casos, segundo pesquisa do Crisp, vinculado à UFMG - Foto: Polícia Militar/DivulgaçãoPraticamente a metade dos presos em flagrante em Belo Horizonte já cometeu algum crime anterior, sobretudo, roubo, furto ou tráfico de drogas.
É o que mostra a pesquisa “Audiências de custódia em BH: um panorama”, elaborada pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Durante sete meses, as pesquisadoras Ludmila Ribeiro, Sara Prado e Yolanda Maia acompanharam 825 audiências na capital e apuraram que 49% das pessoas tinham prontuário policial.

Audiências de custódia são aquelas em que, por lei, o preso em flagrante precisa ser encaminhado à presença de um juiz, em até 24 horas, para que o magistrado decida se ele aguardará o julgamento numa instituição penal ou em liberdade. Em 45,8% dos casos pesquisados, a liberdade foi concedida, contudo, muitas vezes vinculada a uma ou mais condicionantes cautelares, como o pagamento de fiança.

Um dos objetivos do estudo foi analisar o perfil dos presos que aguardaram o julgamento em liberdade e o daqueles que ficaram encarcerados. Mas as estatísticas não devem ser analisadas friamente. Os números mostram onde o poder público precisa investir em programas sociais e econômicos para a formação de cidadãos de bem. Também quais crimes necessitam de maior atenção das forças policiais.

Em nota, a Polícia Militar informou que “a redução da reincidência criminal perpassa por políticas integradas de retirada dos infratores do mundo do crime e (que é preciso) investimentos num sistema penal efetivo e numa rede de ressocialização capaz de resgatar a cidadania de quem estiver em conflito com lei”.

“Informações como sexo, cor, idade, escolaridade, estado civil, moradia e ocupação importam no sentido de verificar qual a posição do indivíduo no estrato social e qual o tratamento dado a ele pelos operadores da Justiça”, disse Ludmila, coordenadora da pesquisa. O trabalho de campo foi de setembro de 2015 a março de 2016, sendo a análise dos dados concluída recentemente.

De acordo com Yolanda, 30,8% dos presos nas 825 audiências foram acusados de roubo.
Outros 19,6%, de furto. O tráfico de drogas foi a terceira tipificação que mais gerou flagrantes em BH, com percentual de 17,7%. O crime de receptação respondeu por 9,4% dos casos. Ainda ocorreram porte ilegal de arma (5,8%), corrupção de menores (5,1%), infração ao Código Brasileiro de Trânsito (3,6%) e Maria da Penha (1,5%).

- Foto: Arte/EM
TRABALHO
Chama atenção o fato de a maioria dos custodiados (53,5%) terem uma ocupação. Já 31,4% disseram ser desocupados. Outros 6,8% declararam ser estudantes, enquanto 6,5% afirmaram não ter profissão definida. O trabalho, na visão de alguns operadores do direito, destacam as pesquisadoras, seria a única forma de deixar uma carreira de cometimento de delitos.

“Para os operadores do direito, a baixa escolaridade perpetua a pobreza, uma vez que poucas oportunidades de inserção no mercado de trabalho surgirão e o mais comum será essas pessoas ocuparem postos de trabalho informais ou pouco valorizados, o que pode empurrá-las novamente para uma vida de cometimento de crimes. Nesse cenário, os operadores transformam a análise da legalidade da prisão em flagrante e a possibilidade de sua substituição por uma medida cautelar em um mecanismo jurídico de diferenciação de trabalhadores e bandidos”, escreveram as pesquisadoras no relatório final.

A análise delas vai além: “Seguindo a lógica da cidadania regulada, que tem na carteira de trabalho o seu principal operador, somente os presos que comprovaram o seu registro conseguiram sair sem qualquer suspeição, sem a restrição de sua liberdade pela imposição da tornozeleira eletrônica”.

SEM SAÍDA A liberdade provisória por meio do pagamento de fiança é outra medida cautelar. Mas, dependendo de artimanhas, também pode ser uma brecha para que o magistrado a conceda sabendo que o custodiado continuará detido por não ter condições de efetuar o pagamento estipulado.

“Era comum verificar que a fiança era arbitrada com intuito de manter o réu na prisão, uma vez que o desejo do juiz era converter o flagrante em preventiva, mas a inexistência de requisitos para tal o impedia. Assim, era estipulado um valor de fiança que sabidamente o preso não tinha condições de pagar, o que o faria ficar detido até que um habeas corpus fosse concedido”, revelou o relatório.

Em apenas 1,7% dos casos, a liberdade provisória foi decretada sem qualquer condicionalidade e somente 0,6% de flagrantes, ou cinco dos 825 casos acompanhados, foram relaxados em função de alguma situação que os invalidava.

Polícia defende debate


A Polícia Militar de Minas Gerais defende um debate com vários setores da sociedade, inclusive o cidadão comum, para que a reincidência criminal deixe de ser um dos grandes problemas enfrentados pela corporação. Em nota, a PM informou o que boa parte da população já testemunhou e que o levantamento das pesquisadoras do Crisp constatou: “Muitos infratores são conduzidos mais de uma vez por crimes violentos”. A corporação reforçou que “todo policial militar segue firme na sua missão preventiva de realizar o policiamento ostensivo e ainda na realização de repressão qualificada, identificando e conduzindo quem cometer crimes”. A nota informou ainda que o “compromisso com a segurança pública, assumido junto à comunidade, renova-se diariamente, mesmo com as dificuldades que o fenômeno da criminalidade apresenta”..