Devastação do Rio das Velhas mostra como é difícil recuperar áreas de preservação na Grande BH

Especialistas contam com o Cadastro Ambiental Rural para tentar salvar APPs na região metropolitana, mas terão que vencer os desmatamentos históricos, invasões e a poluição do manancial

Mateus Parreiras

A mata ciliar que protegia a curva do Rio das Velhas dos sedimentos que a chuva carrega foi destocada em menos de um ano e se tornou uma praça de repouso para o gado.
Em 189 metros do leito do curso d’água que já foi o mais vigoroso afluente do Rio São Francisco, dá para ver 123 pneus submersos ou sobre a lâmina d’água.

Nas margens altas, plantações de bananas e hortas nos quintais de casas invasoras substituíram a área de proteção permanente (APP) e vão sendo engolidas pelo desbarrancamento e a erosão. A devastação que sofre o Rio das Velhas com desmatamento, invasões, lixo e esgoto é um resumo da grande dificuldade que se tem em regenerar as áreas de preservação em regiões metropolitanas, mesmo sendo esse o mais importante manancial de abastecimento local.

De acordo com o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH-Velhas), além da especulação imobiliária, da grande fragmentação de terrenos, degradação acelerada e descontinuidade de áreas florestais, um dos maiores desafios para se recompor a parte dos 270 mil hectares de APPs descritas nas inscrições do Cadastro Ambiental Rural (CAR) em áreas de grandes cidades é reverter o desmatamento histórico trazido pela ocupação dessas áreas.

“O CAR será com certeza uma forma importante de informações para a recomposição ambiental. Ainda que difícil, já que cada propriedade vai ter de recuperar áreas historicamente danificadas, se houver incentivos, talvez de bancos públicos, essa importante tarefa seja mais viável”, afirma o presidente do CBH-Velhas, Marcus Vinícius Polignano. “Nossos rios padecem pelo desmatamento e perda das matas ciliares e o Comitê conta com esse instrumento (CAR) para um processo de recuperação”, salienta Polignano. O Código Florestal (Lei 12.651/2012) considera as APPs como um espaço protegido, coberto ou não por vegetação nativa, “com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico (genético) de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.

A mancha urbana de cidades como Belo horizonte e sua região metropolitana é tão densa que entre as edificações da capital mineira, Contagem, Betim, Ibirité, Santa Luzia e Lagoa Santa não se imagina que ainda haja áreas verdes que preservem rios, espécies vegetais e animais.
“A Grande BH, em sua área rural, é basicamente composta por chacreamentos, sítios de lazer, propriedades com produção de hortifrutigranjeiros e leite. O principal desafio para recompor as APPs é o desconhecimento da legislação ambiental e os custos para recomposição das áreas”, considera a coordenadora da Assessoria de Meio Ambiente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais (Faemg), Ana Paula Mello.

Lixo em trecho do Rio das Velhas, proveniente de casas invasoras que substituíram APP - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESS
OCUPAÇÕES
O desafio de recompor as APPs em áreas urbanas é complexo especialmente devido às ocupações irregulares, avalia a presidente da Comissão Estadual de Direito Ambiental da OAB/MG, Cintia Ribeiro de Freitas. “Muitas das vezes não há como voltar ao estado anterior à ocupação por motivos os mais diversos, mas especialmente sociais. Nesses casos, temos como caminhos a regularização fundiária, já permitida pela Lei do Programa Minha Casa Minha Vida (Lei nº 11.977/09), ou a menor restrição ao direito de construir em lei municipal de uso e ocupação do solo”, afirma.

Por outro lado, há legislações urbanísticas municipais que entram em conflito com o Código Florestal, principalmente sobre as Áreas de Preservação Permanentes, gerando insegurança jurídica e, por consequência, judicialização de qual norma será aplicável. “O maior desafio na questão ambiental é, e sempre será, o grande número de normas, o excesso de burocracia, a falta de estrutura estatal e a ausência de continuidade dos projetos desenvolvidos a longo prazo, que são sempre paralisados em razão da mudança dos gestores políticos. É preciso avançar e deixar de lado os objetivos de privatizar os lucros e socializar os prejuízos”, destaca a presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/MG.

EXTREMOS No caso do Rio das Velhas, a grande extensão percorrida pelo manancial de sua nascente, em Outro Preto, até a foz, no Rio São Francisco, em Várzea da Palma, no Norte de Minas, o expõe a diferentes realidades, do extremo urbanismo a extensas áreas vazias. “Dentro da bacia temos biomas diferentes. No alto Velhas, em Nova Lima, Ouro Preto e Rio Acima, temos predomínio de mata atlântica, que foi extremamente depredada”, conta o presidente do CBH-Velhas. “Saindo da Grande BH para Curvelo e Lassance, no Norte de Minas, temos o cerrado, que foi muito utilizado na região das Gerais. Alimentou o gado e o desmatamento para essas criações extensivas, o que empobreceu muito a vegetação”, afirma Polignano.

O Rio das Velhas foi alvo de inúmeras ações de revitalização e despoluição, como a Meta 2010 e a Meta 2014, que deveriam garantir o retorno dos peixes e possibilitar a natação nas suas águas, contudo, tal objetivo não foi atingido, mesmo com a construção de estações de tratamento de esgoto (ETE) nos tributários mais poluídos, que são os ribeirões do Onça e Arrudas, na Grande BH. “Temos ainda um rio sofrido. O Projeto Manuelzão de despoluição do Velhas trabalhou muito nisso, as prefeituras têm trabalhado gradualmente, continuamos ainda nessa luta e é importante para o estado. Certamente ainda temos degradação ocorrendo, sobretudo de indústrias, do setor minerário e esgotos domésticos.
A crise hídrica e o menor aporte de água para a bacia só agravaram essa situação”, disse o presidente do CBH-Velhas.

Hora de ação


A devastação nas áreas de preservação permanente (APPs) de Minas e a necessidade de ação imediata vem sendo abordada em série publicada pelo Estado de Minas desde a edição de domingo. A primeira reportagem mostrou que, enquanto essas áreas são mapeadas por meio do Cadastro Ambiental Rural (CAR) para dar início à recuperação, florestas continuam sendo cortadas ilegalmente. A edição de ontem abordou a destruição das APPs do Vale do Rio Doce com o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, que fez com que as ações de recomposição desses espaços em Minas Gerais sejam priorizados na região. O EM mostrou que as nascentes que poderão voltar a garantir a vitalidade dos rios atingidos carecem de ações urgentes para a água continuar a chegar nos mananciais devastados.
.