Uma história de paciência, confiança na Justiça e desejo de preservar os bens culturais e religiosos da comunidade. Os moradores de Rio Espera, na Zona da Mata, não desanimam de ter de volta, nos altares, a imagem de Cristo da Paciência ou Nosso Senhor da Paciência, atribuída a Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1737-1814) e em poder de um colecionador de obras de arte de São Paulo (SP). O cumprimento, agora, de uma decisão judicial de 2010 aumenta as esperanças da população, já que a peça sacra esteve, por dois dias, para perícia, na sede da superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em Belo Horizonte.
“Não perdemos a esperança, mas haja paciência, viu?!”, diz o jornalista e defensor do patrimônio cultural da região, Fabrício Miranda. Filho da terra, Fabrício conta que a imagem pertencia à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, já demolida. “Queremos recuperar o Cristo da Paciência para que ele fique ao lado de nossa Pietá”, afirma o jornalista, citando a padroeira do município e lembrando que muitos católicos conterrâneos, que não se conformavam com a perda do objeto de fé, morreram com a tristeza de não tê-la de volta.
Com orgulho, Fabrício conta que Aleijadinho se refugiou durante longo tempo no antigo Arraial de Nossa Senhora da Piedade da Boa Esperança de Espera, onde teria também esculpido a imagem da padroeira. “Daqui foram vendidos muitos objetos sacros do século 18 e seria muito bom que o Cristo da Paciência retornasse”, afirma.
Com a perícia, acrescenta Fabrício, o dia de retorno parece mais próximo, embora a peça esteja novamente em São Paulo, com o colecionador. “Já esperamos demais”, resume. Ele localizou um documento de 1796 que aponta a doação de “um tanto de ouro pra execução e obra de Bom Jesus”. Em outro texto, está firmado o “compromisso dos moradores de Rio Espera para confecção das imagens do Cristo da Paciência, Senhora da Piedade e do Divino Espírito Santo”.
O sumiço do objeto sacro tem a seguinte explicação: durante a construção da atual matriz de Rio Espera, e mesmo depois do seu término, a peça teria ficado sob a guarda de uma família da cidade, que, mais tarde, por medida de segurança, a devolveu ao pároco local, que a depositou na Casa Paroquial. Depois da devolução, a notícia é de que ela teria sido trocada, por volta de 1970, por um veículo da marca Mercedes-Benz. Em data não esclarecida, um colecionador que pertencia aos quadros de uma construtora mineira tentou adquirir, na cidade, esculturas sacras, em especial a imagem da padroeira, Nossa Senhora da Piedade.
PERITOS A perícia realizada no mês passado, na sede do Iphan, teve a presença do colecionador Renato de Almeida Whitaker, engenheiro civil, que veio de São Paulo trazendo a imagem do Cristo da Paciência, dentro de um “aparato de segurança especial”, conforme contou uma fonte ouvida pelo Estado de Minas. Os acertos foram feitos em dezembro, na Justiça Federal, em BH, durante uma reunião com a presença de especialistas do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG), Iphan, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), advogados das partes e técnicos judiciários em perícia.
Segundo um dos peritos, cada instituição já está desenvolvendo um trabalho específico, de forma a esclarecer a origem da peça do século 18. “Estamos fazendo vários testes, pesquisas e levantamentos históricos”, afirmou uma das pessoas especializadas em restauração e história da arte colonial. A partir do laudo é que a Justiça terá elementos para dar o veredito quanto à origem e procedência da peça, objeto de ação civil pública do Ministério Público de Minas Gerais, via Promotoria Estadual de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais e Ministério Público Federal.
Na reunião de dezembro, ficou decidido, conforme documento da Justiça Federal, que a comissão e os assistentes técnicos se encontrariam em 15 de fevereiro e depois no dia 16, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na Região Central. “Ficou ajustado que o réu Renato Whitaker entregará a peça Cristo da Paciência em 13 de março de 2017, pela manhã, na Casa do Conde (sede da superintendência do Iphan em BH), e retirará a peça no dia 17 de março, às 16h”, diz o documento.
E mais: “A superintendente do Iphan, Célia Corsino, será a depositária da peça Cristo da Paciência durante o período de 13 a 17 de março de 2017, até as 16h (…) No final de março ou início de abril de 2017, a comissão se reunirá para realização do laudo pericial, estimando inicialmente a necessidade de prazo mínimo de 30 dias”. Na tarde de ontem, o EM procurou o colecionador Renato Whitaker, pelo telefone, mas uma pessoa que atendeu ao telefone informou que ele não estava em casa. Disse que o repórter poderia ligar no celular, mas o telefone não atendeu.
A titular da Promotoria Estadual de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico/MG, informou ontem que MPE está acompanhando o caso, juntamente com o MPF. “Foi determinada realização de perícia e o MPE determinou o acompanhamento da diligência por um membro de seu corpo técnico. Aguardamos os peritos nomeados pelo juiz apresentarem resposta aos quesitos oficiais e nos dar vista ao processo para apresentarmos nossas respostas. Em seguida, o processo terá regular tramitação. Ainda não há previsão de data para finalização.” O Iphan e o MPF informaram que não vão se manifestar sobre o processo, que já está na esfera da Justiça Federal.
DIREITO CANÔNICO
Conforme o direito canônico, as peças pertencentes a igrejas, capelas e outros setores da Igreja jamais podem ser retiradas. São bens inalienáveis, portanto, intransferíveis, a não ser com autorização do papa. Conforme especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, se houve venda provavelmente foi ilícita e feita de maneira clandestina, pois não existe, a respeito do Cristo da Paciência de Rio Espera, qualquer autorização do Vaticano.
Em setembro de 2010, numa decisão considerada pelas autoridades do patrimônio como “sem precedentes na história de Minas”, a Justiça Federal determinou, em ação dos ministérios públicos Federal (MPF) e Estadual (MPE), que a peça fosse entregue para perícia até 30 de outubro daquele ano, assim como um grande acervo então nas mãos de herdeiros de um empresário mineiro que, de acordo com as investigações, pertenceria a igrejas, capelas, mosteiros e outras instituições religiosas do estado. Na sua decisão, o então juiz da 10ª Vara Federal Fabiano Verli determinou que os responsáveis prestassem esclarecimentos sobre a origem e procedência de todas as peças. Conforme as apurações feitas desde 2004 pelo MPF e MPE, havia “verdadeiras preciosidades em questão: a imagem de Bom Jesus da Paciência ou Cristo da Paciência, da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera, na Zona da Mata, em poder de Whitaker”. Em setembro de 2010, o Estado de Minas anunciava decisão do Iphan de expor 28 peças encontradas com colecionadores que seriam periciadas para descobrir sua origem
“Não perdemos a esperança, mas haja paciência, viu?!”, diz o jornalista e defensor do patrimônio cultural da região, Fabrício Miranda. Filho da terra, Fabrício conta que a imagem pertencia à Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, já demolida. “Queremos recuperar o Cristo da Paciência para que ele fique ao lado de nossa Pietá”, afirma o jornalista, citando a padroeira do município e lembrando que muitos católicos conterrâneos, que não se conformavam com a perda do objeto de fé, morreram com a tristeza de não tê-la de volta.
Com orgulho, Fabrício conta que Aleijadinho se refugiou durante longo tempo no antigo Arraial de Nossa Senhora da Piedade da Boa Esperança de Espera, onde teria também esculpido a imagem da padroeira. “Daqui foram vendidos muitos objetos sacros do século 18 e seria muito bom que o Cristo da Paciência retornasse”, afirma.
Com a perícia, acrescenta Fabrício, o dia de retorno parece mais próximo, embora a peça esteja novamente em São Paulo, com o colecionador. “Já esperamos demais”, resume. Ele localizou um documento de 1796 que aponta a doação de “um tanto de ouro pra execução e obra de Bom Jesus”. Em outro texto, está firmado o “compromisso dos moradores de Rio Espera para confecção das imagens do Cristo da Paciência, Senhora da Piedade e do Divino Espírito Santo”.
O sumiço do objeto sacro tem a seguinte explicação: durante a construção da atual matriz de Rio Espera, e mesmo depois do seu término, a peça teria ficado sob a guarda de uma família da cidade, que, mais tarde, por medida de segurança, a devolveu ao pároco local, que a depositou na Casa Paroquial. Depois da devolução, a notícia é de que ela teria sido trocada, por volta de 1970, por um veículo da marca Mercedes-Benz. Em data não esclarecida, um colecionador que pertencia aos quadros de uma construtora mineira tentou adquirir, na cidade, esculturas sacras, em especial a imagem da padroeira, Nossa Senhora da Piedade.
PERITOS A perícia realizada no mês passado, na sede do Iphan, teve a presença do colecionador Renato de Almeida Whitaker, engenheiro civil, que veio de São Paulo trazendo a imagem do Cristo da Paciência, dentro de um “aparato de segurança especial”, conforme contou uma fonte ouvida pelo Estado de Minas. Os acertos foram feitos em dezembro, na Justiça Federal, em BH, durante uma reunião com a presença de especialistas do Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor/UFMG), Iphan, Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), advogados das partes e técnicos judiciários em perícia.
Segundo um dos peritos, cada instituição já está desenvolvendo um trabalho específico, de forma a esclarecer a origem da peça do século 18. “Estamos fazendo vários testes, pesquisas e levantamentos históricos”, afirmou uma das pessoas especializadas em restauração e história da arte colonial. A partir do laudo é que a Justiça terá elementos para dar o veredito quanto à origem e procedência da peça, objeto de ação civil pública do Ministério Público de Minas Gerais, via Promotoria Estadual de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais e Ministério Público Federal.
Na reunião de dezembro, ficou decidido, conforme documento da Justiça Federal, que a comissão e os assistentes técnicos se encontrariam em 15 de fevereiro e depois no dia 16, no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na Região Central. “Ficou ajustado que o réu Renato Whitaker entregará a peça Cristo da Paciência em 13 de março de 2017, pela manhã, na Casa do Conde (sede da superintendência do Iphan em BH), e retirará a peça no dia 17 de março, às 16h”, diz o documento.
E mais: “A superintendente do Iphan, Célia Corsino, será a depositária da peça Cristo da Paciência durante o período de 13 a 17 de março de 2017, até as 16h (…) No final de março ou início de abril de 2017, a comissão se reunirá para realização do laudo pericial, estimando inicialmente a necessidade de prazo mínimo de 30 dias”. Na tarde de ontem, o EM procurou o colecionador Renato Whitaker, pelo telefone, mas uma pessoa que atendeu ao telefone informou que ele não estava em casa. Disse que o repórter poderia ligar no celular, mas o telefone não atendeu.
A titular da Promotoria Estadual de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico/MG, informou ontem que MPE está acompanhando o caso, juntamente com o MPF. “Foi determinada realização de perícia e o MPE determinou o acompanhamento da diligência por um membro de seu corpo técnico. Aguardamos os peritos nomeados pelo juiz apresentarem resposta aos quesitos oficiais e nos dar vista ao processo para apresentarmos nossas respostas. Em seguida, o processo terá regular tramitação. Ainda não há previsão de data para finalização.” O Iphan e o MPF informaram que não vão se manifestar sobre o processo, que já está na esfera da Justiça Federal.
DIREITO CANÔNICO
Conforme o direito canônico, as peças pertencentes a igrejas, capelas e outros setores da Igreja jamais podem ser retiradas. São bens inalienáveis, portanto, intransferíveis, a não ser com autorização do papa. Conforme especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, se houve venda provavelmente foi ilícita e feita de maneira clandestina, pois não existe, a respeito do Cristo da Paciência de Rio Espera, qualquer autorização do Vaticano.
MEMÓRIA SEM PRECEDENTES
Em setembro de 2010, numa decisão considerada pelas autoridades do patrimônio como “sem precedentes na história de Minas”, a Justiça Federal determinou, em ação dos ministérios públicos Federal (MPF) e Estadual (MPE), que a peça fosse entregue para perícia até 30 de outubro daquele ano, assim como um grande acervo então nas mãos de herdeiros de um empresário mineiro que, de acordo com as investigações, pertenceria a igrejas, capelas, mosteiros e outras instituições religiosas do estado. Na sua decisão, o então juiz da 10ª Vara Federal Fabiano Verli determinou que os responsáveis prestassem esclarecimentos sobre a origem e procedência de todas as peças. Conforme as apurações feitas desde 2004 pelo MPF e MPE, havia “verdadeiras preciosidades em questão: a imagem de Bom Jesus da Paciência ou Cristo da Paciência, da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, de Rio Espera, na Zona da Mata, em poder de Whitaker”. Em setembro de 2010, o Estado de Minas anunciava decisão do Iphan de expor 28 peças encontradas com colecionadores que seriam periciadas para descobrir sua origem