Professora que dançou balé até oito meses de gestação volta à ativa com a filha de três meses

Para retornar à dança, Juliana Azoubel embalou a pequena Larissa em uma faixa junto ao corpo

Gustavo Werneck

Passos de confiança, amor à arte e gestos de afeto entrelaçados perto do coração.
Ao saber que estava grávida de Larissa, hoje com três meses, a professora de dança Juliana Azoubel ganhou da médica obstetra a poesia A bailarina, de Cecília Meireles (1901-1964), logo emoldurada e pendurada na parede de casa.

“Ela disse que seria menina, embora sem conhecer o sexo do bebê, pois ainda não tinha feito o ultrassom. Como sou da área, tinha tudo a ver comigo”, lembra a moradora do Bairro Cidade Nova, na Região Nordeste de Belo Horizonte, feliz da vida ao recitar a primeira estrofe: "Esta menina/tão pequenina/quer ser bailarina". Apaixonada pela dança, presente no seu universo desde os 6 anos de idade, Juliana, de 41, quer passar este sentimento para a filha, tanto que faz aulas de balé clássico com ela bem juntinho do corpo, embalada por uma faixa de malha chamada sling. "Não é canguru, não, pois não tem nenhum tipo de armação", conta.

Nascida em Olinda (PE) e certa de que a dança está na sua vida desde a barriga da mãe Inez, conforme ressalta bem-humorada, Juliana faz aulas duas vezes por semana no Harmonia Studio de Dança, perto de casa. Na tarde de ontem, não foi diferente e Larissa estava como manda o figurino: de sapatilhas de crochê com fitas de cetim cor-de-rosa, presente de uma vizinha e colega de balé, vestido na mesma cor e tiara com laço. Ao ver os repórteres, estranhou e caiu no choro – “é o sono da tarde chegando”, explicou a mãe –, mas bastou a professora Sarah Nogueira Lage ligar o som e pôr uma música clássica para a garota se acalmar e dormir como um anjo agarrada à cintura de Juliana.

Para proteger a filha, sempre aninhada nos braços, Juliana já tem a “manha” e, em questão de segundos, estica o sling nas costas, depois passa as pontas sobre os ombros, como se criasse asas, puxa outra parte até o ventre, para, então, trazer Larissa para bem perto do peito.
A menina nem se move. A última etapa é amarrar na frente e puxar a malha para cobrir as costas dela. “Fica tranquila e bem quentinha, em completa segurança. É também uma relação de confiança entre nós, como se ela fosse parte do meu corpo e gostaria que ela vivenciasse meu ofício.” Depois, é seguir as indicações da professora: Plié! Arabesque! Rise! Grand plié! Com elegância na barra de alongamento, coluna ereta e mantendo o sorriso, Juliana flexiona e estica as pernas, sobe em meia-ponta e eleva os braços.

Juliana conta que o desejo de fazer aulas de balé com a filha vem desde os primeiros meses de gestação: "Pensava em uma forma de ficar mais tempo com ela", diz - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS
CAMINHADA
O desejo de fazer aulas com a filha vem dos primeiros meses de gestação. “Pensava numa forma de ficar mais tempo com ela, já que fiz aulas até o oitavo mês. Afinal, minha vida é a dança”, conta a coreógrafa e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), casada com o professor de arqueologia da mesma instituição, Luís Cláudio Symansky. De início, Juliana começou a caminhar com o bebê, protegido pelo sling, na Avenida José Cândido da Silveira, no bairro, e depois, ao voltar para o Harmonia, como a criança com um mês, entrou no novo ritmo.

“Agora fico mais tempo na barra, cerca de 40 minutos. No caso de ir para o centro (da sala), também faço os movimentos do balé”, explica elevando os braços. Se Larissa acorda de repente e dá uma choradinha, ela acaricia as costas dela e volta tudo ao normal. “O que mais quero é ver minha filha feliz. Ela nasceu de parto normal e agora está em movimento. Pronto“, brinca a professora pontuando a frase com expressões pernambucanas e o sotaque inconfundível.

SEM MEDO Com a prática de tantos anos de balé clássico e danças populares e contemporâneas, Juliana, ainda em licença maternidade, não tem medo de fazer os movimentos do balé e aprimorar sua arte com a criança na cintura. “Está segura aqui.
Repito que é uma relação de confiança. Além de tudo, a música acalma, relaxa, sem falar nas batidas do coração da mãe.” Com a filha protegida por um sling, Juliana treina ao lado da professora Sarah Nogueira - Foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS

Na aula de balé clássico com oito alunas, a professora Sarah, casada com o bailarino Bruno Leonardo Coman Martins e mãe de Catarina, de 7, elogia a iniciativa de Juliana e revela nunca ter visto algo assim em 17 anos de profissão. “Lembro que tive uma professora, mãe de um menino, que pegava minha filha no colo durante as aulas, mas não dessa forma. Mãe e filha se entendem e isso vai fortalecendo a cumplicidade entre elas, o carinho”, observa Sarah. Ela acrescenta ter visto na internet pais com crianças maiores e outros ritmos que não o balé clássico.

Para Juliana, tudo está bem e ela aconselha outras mães a seguir o exemplo, desde que, claro, num clima de total segurança. “Acho que vamos ficar dançando juntas até ela ficar maiorzinha. Logo depois, vai para a aula de balé”. No fim da conversa, Larissa volta a choramingar e a mãe se lembra de outro verso de A bailarina: Não conhece nem lá nem si/mas fecha os olhos e sorri. Como disse a professora, mãe e filha se entendem – e, pelo visto, no amor, na dança e até na poesia, ainda mais na semana dedicada às mães.

A bailarina

Cecília Meireles

Esta menina
tão pequenina
quer ser bailarina.

Não conhece nem dó nem ré
mas sabe ficar na ponta do pé.

Não conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá.

Não conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.

Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar
e não fica tonta nem sai do lugar.

Põe no cabelo uma estrela
e um véu
e diz que caiu do céu.

Esta menina
Tão pequenina
quer ser bailarina.

Mas depois esquece todas
as danças,
e também quer dormir como as outras crianças..