Restauração do Museu Mineiro revela pinturas feitas sobre reboco

Obras parietais, feitas diretamente nas paredes, foram encontradas sob sete camadas de tinta e podem ser do mesmo artista que decorou o Palácio da Liberdade

Gustavo Werneck
Especialista aplica produto sobre ornamentos como parte do trabalho de restauro - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
Uma descoberta no Museu Mineiro, no Circuito Praça da Liberdade, em Belo Horizonte, entusiasma a direção da instituição, encanta restauradores e se torna mais um atrativo para os visitantes que chegam ao casarão erguido na época de construção da capital. Bem na entrada do equipamento cultural da Avenida João Pinheiro foram encontradas sob sete camadas de tinta, a última delas na cor preta, um conjunto de pinturais parietais – feitas diretamente nas paredes, sobre o reboco, que podem ser de autoria do mesmo artista que trabalhou no Palácio da Liberdade, o alemão Frederico Steckel (1834-1921). “São figuras aladas, folhas de acanto e outras ornamentações, ocupando cerca de 40% das paredes”, informa a superintendente de Museus da Secretaria de Estado da Cultura, Andréa de Magalhães Matos.


Há um mês, especialistas do Grupo Oficina de Restauro, de BH, iniciaram os serviços de recuperação nessa área do museu, que completa 35 anos, com término previsto para a próxima semana. Tudo começou com a prospecção na parede pintada de preto, e, após a intervenção, a equipe descobriu várias camadas de marrom, de massa e outros materiais e cores diferentes. Na tarde de ontem, usando uma seringa, Fernanda Alves Guerra fazia a consolidação do suporte com produtos específicos e mostrava partes escondidas, ao longo do tempo, sob a moldura de madeira das portas. No cômodo ao lado, que era preto e agora exibe um tom pêssego, dando mais leveza ao ambiente, não houve registro desses trabalhos, tão em moda na BH do início do século 20.

A obra no museu começou há quatro anos, quando o acervo de pinturas da Sala das Sessões foi transferido para o térreo do prédio em estilo eclético, que abriga coleção com 17 tipologias, 3,5 mil peças, das quais 600 em exposição. Os recursos para a atual etapa (R$ 250 mil), incluindo a iluminação especial do hall, são viabilizados com patrocínio da Cemig, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, sendo proponente a Associação dos Amigos do Museu Mineiro. “Estamos muito animados com a obra e temos recebido muitos artistas interessados em apresentar propostas para futuras exposições”, diz Andréa.

DINÂMICA Na tarde de ontem, várias especialistas trabalhavam no restauro do museu, que, durante as obras, tem acompanhamento técnico do pessoal da casa e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG).

À frente do Grupo Oficina de Restauro está Maria Regina Reis Ramos, mais conhecida como Marregis. Na Sala das Colunas, com acervo barroco e obras de escultores do século 18 em Minas, a exemplo dos mestres Piranga, Sabará e Barão de Cocais, a superintendente mostra o piso de tábuas corridas original, que já foi raspado e recebeu sinteco fosco. “Estava muito degradado”, afirma.

Já na Sala das Sessões, que está vazia, foi feita também a recuperação do piso, com substituição de tábuas e das esquadrias das janelas. O teto receberá um lustre para realçar a beleza do forro e do ambiente que abrigará grandes obras de arte, como o quadro A má notícia, datado de 1897 e de autoria do mineiro Belmiro de Almeida (1858-1935). Andréa explica que todo o trabalho de restauro do casarão, incluindo as salas das Sessões, das Colunas e de miniexposições, será concluído em novembro, o que não impede a visitação pública. Atualmente, são 18 mil pessoas por ano, número que cresceu 45% de 2015 para o ano passado.

Instituição que completa 35 anos fica em casarão que já teve múltiplos usos e está fortemente ligada à história de Belo Horizonte - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
ARTE E HISTÓRIA Neste ano, quando se completam 35 anos de fundação, o Museu Mineiro, vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, mantém a tradição de preservar, pesquisar e difundir a cultura das Gerais. No casarão, de múltiplas serventias – residência de secretários de governo no início de BH, Senado e, nas décadas de 1960 a 1981, Pagadoria do estado, moradores e visitantes fazem uma viagem sensorial ao caminhar por ambientes distintos e admirar imagens, oratórios e prataria, a maioria originária da coleção Geraldo Parreiras, adquirida pelo estado em 1978.

Na Sala das Colunas, causa impacto o pórtico de madeira trabalhada, com anjos, que pertenceu a uma igreja do interior, já demolida. Nas vitrines, é de encher os olhos as imagens de Santana Mestra, São José de Botas, Nossa Senhora da Conceição e outros santos. Num espaço próximo estão as seis telas de autoria de Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), expoente do Barroco. O nome Sala das Sessões, diz Andréa, faz referência ao antigo Senado mineiro.

O olhar curioso do visitante vai encontrar muitas preciosidades no museu. Na Sala do Arquivo Público, uma peça chama logo a atenção pelo simbolismo. Trata-se da colher de pedreiro que assentou a primeira pedra da construção da Cidade de Minas, nome anterior de Belo Horizonte. A ferramenta, com inscrição datada de 7 de setembro de 1895, tem lâmina de ouro e prata e cabo de madeira.
Na sala, há ainda uma série de peças, como uma tela de dom Pedro I (1798-1834), brasão da família real, armas, um pequeno canhão, moedas, o livro contando a festa do Triunfo Eucarístico – realizada em Ouro Preto em 21de maio de 1733 e considerada pelos estudiosos uma das mais ricas e belas do Brasil colonial –, um relógio pertencente a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), e outros objetos que contam parte da história de Minas.

A história do Museu Mineiro tem como primeira referência o ano de 1895, quando, pela Lei 126, foi criado o Arquivo Público Mineiro. O segundo artigo da lei discorre sobre a intenção de instalação do equipamento cultural do estado, composto por acervo representativo da história e da arte mineiras, conforme pesquisa da instituição. Posteriormente, em 1910, foi juridicamente consolidado, abrangendo as seções de história natural, etnografia e antiguidades históricas. O projeto se firmou apenas décadas depois, quando o Decreto 18.606/1977 autorizou a implantação do Museu Mineiro e determinou sua desvinculação do Arquivo Público Mineiro.

Molduras podem ter sido obra do alemão Frederico Steckel (1834-1921) - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
Museu Mineiro

Avenida João Pinheiro, 342 – Bairro Funcionários, Região Centro-Sul de Belo Horizonte

Aberto às terças, quartas e sextas, das 10h às 19h; às quintas, das 12h às 21h; e sábados e domingos, das 12h às 19h

Telefones: (31) 3269-1103 e 1106 (visitas de grupos devem ser marcadas com antecedência)

Entrada franca

 

Linha do tempo

 

1895
O acervo do Museu Mineiro começa a ser constituído com a criação, em Ouro Preto, do Arquivo Público Mineiro

 

1910
Lei 528, de 20 de setembro, autoriza a formação de coleções de objetos para composição do futuro museu

 

1977
Decreto 18.606 determina a implantação do Museu Mineiro e o desvincula do Arquivo Público

 

1978
Museu recebe 187 peças de arte sacra (séculos 18 e 19) da coleção Geraldo Parreiras, adquirida naquele ano pelo governo do estado

 

1982
O museu é inaugurado em 10 de maio e passa a funcionar no prédio do antigo Senado Mineiro

 

1984
Em abril, o museu passa a ser vinculado à recém-criada Secretaria de Estado da Cultura

 

2002
Término do processo de revitalização do Museu Mineiro, iniciado em 1999, que culminou na abertura da exposição Colecionismo mineiro

 

2012
Em 18 de janeiro, o Museu Mineiro é reaberto, com espaço multiuso e novo sistema elétrico, projeto luminotécnico, pintura e museografia

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