Setenta anos, milhares de quilômetros e um vertiginoso avanço científico separam os dois eventos. Eles estão ligados, porém, por um precioso detalhe: as pesquisas sobre as distâncias intercontinentais, visando aperfeiçoar a tecnologia do lançamento de mísseis guiados, começaram a ser desenvolvidos em estudos como o feito na cidade norte-mineira, considerada então o melhor local para se observar o evento astronômico. É o que indicam documentos inéditos, há até pouco tempo classificados como secretos pelo governo dos Estados Unidos, cujo conteúdo o Estado de Minas teve acesso e revela com exclusividade a partir de hoje, na série “À sombra do eclipse”.
Do dia para a noite, a pacata cidade, em cuja sede viviam não mais que 4 mil pessoas, com ruas empoeiradas em que rodavam três Ford Bigode, se tornou uma espécie de Babel. Nela aterrissaram aviões militares, de onde desembarcaram toneladas de equipamentos, dezenas de cientistas de diversas nações e um batalhão de jornalistas falando diferentes línguas. O alvo de todos: o eclipse solar, depois que estudos científicos apontaram Bocaiuva como o melhor ponto de observação do fenômeno, não só pelas condições meteorológicas, mas também porque seria o local onde a observação seria possível por mais tempo.
Passadas sete décadas, agora se sabe que o governo dos EUA investiu nas observações do fenômeno em Bocaiuva e de outros eclipses solares com interesse militar.
Para isso, o estudioso fez pesquisas em Bocaiuva e também vasculhou centenas de documentos no Arquivo Nacional norte-americano, no estado de Maryland. Tavares lembra que os documentos sobre o uso de dados obtidos em estudos do eclipse para fins militares foram mantidos em sigilo por décadas pelo governo americano, sob o argumento de “proteção da segurança nacional” daquele país. Pela primeira vez, a existência desses documentos confidenciais é revelada em uma reportagem.
Gigantes no ar, segredos e Einsten
Entre temerosos e fascinados, cidadãos da pequena Bocaiuva viram entrar por suas ruas de terra, em meados da década de 1940, ainda um ano antes do eclipse solar, uma expedição de cerca de 80 pessoas, incluindo, além 16 renomados cientistas de seis instituições, um grupamento militar, com integrantes do Exército e da Força Aérea norte-americanos. A missão, organizada por duas instituições, a National Geographic Society (NGS) e o National Bureau of Standards (NBS), envolveu investimentos de milhões de dólares. Com eles, os americanos fizeram construir até um campo de pouso para permitir a chegada dos gigantescos aviões Douglas C-47, que traziam estudiosos e seus equipamentos, além de dezenas de fotógrafos e jornalistas brasileiros e estrangeiros, com presenças de equipes de importantes veículos de comunicação dos EUA, como a Revista National Geographic e a rede NBC.
Na bagagem, os americanos carregavam 75 toneladas de equipamentos e mantimentos. Ao desembarcar, melhoraram as condições das estradas e reformaram pontes para passagem dos seus jipes e caminhões, garantindo o acesso até a comunidade rural de Extrema, o melhor ponto para a observação do eclipse, distante 24 quilômetros da sede urbana. O local, até então inóspito, transformava-se repentinamente em um misto de grande acampamento científico e quartel-general de militares dos EUA, que chegavam com novidades como gerador de energia elétrica e purificadores de água. Com tanto interesse envolvido, há registros de que observações do eclipse também seriam usadas para testes com objetivo de comprovar aspectos da Teoria da Relatividade, do físico Albert Einstein.
Porém, em uma época em que a Guerra Fria ganhava corpo, os militares americanos demonstraram pouca ou nenhuma transparência sobre os reais motivos de tanto investimento nas pesquisas em solo e espaço aéreo brasileiros. A missão enviada a Bocaiuva foi liderada por Lyman Briggs, físico e um dos precursores do Projeto Manhattan, responsável pelo desenvolvimento da bomba atômica norte-americana. Apesar disso, na ocasião, oficialmente, nada foi informado a respeito do interesse militar da operação. De tão secreto, o assunto não era ventilado nem mesmo entre os integrantes da comunidade científica presentes na cidade mineira..