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Estado de Minas

Garota de 15 anos esbanja força de vontade em aniversário no CTI da Santa Casa

'O tratamento vai dar certo', apostou Brenda Cunha Silva, que é portadora de doença autoimune rara, antes de dançar com o pai em sua festa organizada por funcionários do hospital


postado em 16/05/2017 06:00 / atualizado em 16/05/2017 07:31

Brenda dança com o pai, Sérgio Nunes da Silva, temeroso quanto à crise da instituição, onde a filha se trata: 'Se perdermos uma instituição dessas, como vamos fazer?'(foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)
Brenda dança com o pai, Sérgio Nunes da Silva, temeroso quanto à crise da instituição, onde a filha se trata: 'Se perdermos uma instituição dessas, como vamos fazer?' (foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)
Foi ao som de O lago dos cisnes, de Tchaikovsky, vestido na cor azul tiffany e maquiagem valorizando o sorriso de felicidade que a menina de cabelo cacheado entrou no salão para comemorar seus 15 anos. Soprou as velinhas, dançou a valsa com o pai e fez um agradecimento comovido, com as lágrimas borrando levemente o rímel.

O sonho de ser debutante estaria completo não fosse por um único detalhe: a festa de aniversário, na tarde de ontem, ocorreu numa sala do Centro de Tratamento Intensivo (CTI) da Santa Casa, em Belo Horizonte. Brenda Soares da Cunha Silva tem uma doença autoimune muito rara – neuromielite óptica –, que ataca o sistema nervoso central e já a levou à internação, desde 2014, 14 vezes. Para fazer a alegria da garota, funcionários da instituição de saúde cantaram parabéns, decoraram o espaço com o tema Cinderela e se uniram em muitas selfies.


O clima era de expectativa para ver a entrada triunfal da menina, que chegou à sala numa cadeira de rodas e depois se levantou para receber o abraço dos pais Sérgio Alexandre Nunes da Silva, barbeiro e cabeleireiro, e Shirlene Soares da Cunha Silva, cabeleireira, residentes em Contagem, na Grande BH. A fim de garantir o sucesso da festa surpresa para a menina, que cativou a equipe médica pela simpatia, os funcionários conseguiram doação de lojas, sem deixar de lado o carinho em forma de balões azuis e brancos, mesa com salgadinhos e painel com a carruagem e desenho de Cinderela. “Minha filha completa 15 anos, mas ainda é muito menina. Gosta demais dos desenhos da Disney”, contou a mãe.

Antes da comemoração, Sérgio Alexandre disse que a doença se manifestou em abril de 2014, quando Brenda perdeu a visão direita. Depois foi a vez da esquerda, mas com recuperação dos dois olhos. Na sequência, vieram surtos diferentes, até ser acometida a face e paralisação do lado direito. Um dos momentos mais emocionantes da tarde foi quando o pai colocou no dedo da filha um anel. “Estou melhorando. Jesus abençoe a vida de todos vocês. Estou fazendo o tratamento e vai dar certo”, disse a menina, levantado a mão e fazendo uma pequena mesura antes de dançar com o pai.

A menina é 'produzida' para sua tarde de Cinderela no hospital, onde foi internada 14 vezes desde 2014, quando a doença foi diagnosticada(foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)
A menina é 'produzida' para sua tarde de Cinderela no hospital, onde foi internada 14 vezes desde 2014, quando a doença foi diagnosticada (foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)

ANEL DO SONHO A festa no décimo andar do prédio, na região hospitalar de BH, foi mantida no maior sigilo e, ao ser “produzida” pela maquiadora profissional Lívia Souza, as enfermeiras despistaram, dizendo que ela apareceria num vídeo da Santa Casa – mal sabendo ela que, ao entrar no ambiente, veria um monte de máquinas fotográficas e celulares apontados na sua direção. Feliz da vida, embora emocionado, Sérgio Alexandre recordou que, quando a menina completou 9 anos, manifestou o desejo de ganhar um anel aos 15. Ele adiantou que haverá uma festa no dia 27, em Contagem, para tornar real o maior desejo da debutante Brenda, que tem um irmão de 16, Mateus, presente à festa com a família. A comemoração do aniversário da menina, conforme a assessoria de comunicação, faz parte da “humanização no atendimento” da Santa Casa.

Sérgio, que também é bispo da Igreja Batista e tem uma banda de música gospel, da qual Brenda é vocalista, explicou que atualmente mora na casa de amigos, na capital, para acompanhar de perto o tratamento da filha: “Temos muita fé em Deus. Ela não se queixa, não reclama de nada, nem teve depressão. Seu maior desejo é ser jornalista”. Diante da crise que assola a Santa Casa, carente de recursos e obrigada a fechar 450 leitos, o pai explicou que fica com o coração apertado. E perguntou: Se perdermos uma instituição dessas, como vamos fazer?” A mãe lembrou que a família não teria condições de arcar com o tratamento, pois cinco dias ficaram em R$ 25 mil.

Segundo o médico intensivista e coordenador do CTI, Cláudio Dornas, a neuromielite óptica é realmente uma doença rara, embora já tenha havido casos na Santa Casa, que tem leito específico para a doença. Explicou que pode haver um caso em cada 100 mil pessoas no mundo, embora esse número não seja exato. Ele disse que as causas são desconhecidas, mas pode surgir no início da juventude. “Se não houver rapidez no tratamento, pode haver sequelas”, disse.

Instituição pede socorro

Um abraço, um grito de socorro e muita união. Cerca de 5 mil pessoas, entre funcionários, voluntários, parentes de pacientes, parceiros de casas de acolhida e parlamentares participaram, no início da tarde de ontem, de uma manifestação em frente à Santa Casa de Belo Horizonte, na região hospitalar. Como objetivo, alertar autoridades federais, estaduais e municipais para a situação da instituição fundada há 118 e que vive momento crítico em sua história: já fechados 450 leitos ou 40% do total disponível.

“Estamos com um déficit mensal de R$ 4 milhões no caixa e só o governo de Minas nos deve R$ 23 milhões. Não temos mais como atender nenhum paciente que chegar aqui, o que seria um crime. Estamos chamando a atenção de todos os que dizem que a saúde é prioridade no Brasil”, disse o provedor da Santa Casa, Saulo Coelho. Para ele, o quadro se apresenta “insustentável e constrangedor”, pois há 10 anos não há correção na tabela dos recursos repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Está defasado, estamos sem os repasses do Fundo Municipal de Saúde. “Os médicos recebem R$ 10 por consulta e temos que complementar R$ 18”, explicou Saulo, que está há 17 anos no cargo e vê o hospital “agonizando”.

No sétimo andar do prédio da região hospitalar, os leitos estavam vazios. A exceção era a técnica em enfermagem Laís Gomes da Silva, de 27, residente em Betim, na Grande BH, que está grávida das gêmeas Ana Luíza e Sofia Vitória. “Estou com gravidez de alto risco, com o colo do útero dilatado. Esta é a segunda vez que estou internada aqui, mas, agora, muito triste, ainda mais por ser o mês das mães. Antes, havia muitas mulheres, fazíamos amizade. Fico chateada. Isso dói bastante”, disse Laís, que está com 31 semanas e três dias de gestação.

ABRAÇO SIMBÓLICO Eram 14h30, quando a multidão de branco desceu a Avenida Francisco Salles até a esquina com a Rua Álvares Maciel. Dali em diante, seguindo pela Rua Piauí, formou-se um imenso cordão, com cartazes, balões, corações no peito e frase alusiva ao momento de dificuldades: “Saúde em primeiro lugar”. No início da manifestação, da Avenida Brasil à Rua Ceará, o trânsito foi interrompido e só voltou ao normal com a chegada da BHTrans. O ato teve participação do Conselho Municipal de Saúde.

Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), via Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) informou que repassa para a Santa Casa, 24 horas após receber do Ministério da Saúde, recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde para o pagamento da produção feita pelo hospital, não havendo atraso por parte da PBH: “Os pagamentos estão em dia”. E mais: “O Ministério da Saúde (MS) fez uma correção de 163% em alguns programas como Samu e Estratégia Saúde da Família (ESF). Entretanto, este recurso não foi destinado, pelo MS para custeio de qualquer tipo de pagamento para os hospitais. O recurso já vem com destinação específica determinada pelo MS. Portanto não é possível, nem permitido que a SMSA remeta recursos adicionais para a Santa Casa neste sentido”. Finalmente, a PBH esclarece que “o problema da Santa Casa não é diferente de outros hospitais públicos do país, que também têm dificuldade com financiamento do SUS. E não cabe à SMSA fazer reajustes de tabela de hospitais. Isso é atribuição do Ministério da Saúde”.

Já a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES) informou que, em 2016, o estado transferiu para a Santa Casa mais de R$ 11,3 milhões ao hospital referentes ao Pro-Hosp. Em 2017, a SES vai transferir mais R$ 3.832.627,99 referentes à parcela do primeiro quadrimestre de 2017, podendo haver descontos conforme cumprimento de metas pela instituição de saúde. Portanto, não há atrasos em repasses para esse programa.

E mais: “Referente à Rede Cegonha, o valor mensal do incentivo é R$ 169.725,00. Estão pendentes as parcelas dos meses de novembro e dezembro de 2016, e janeiro e fevereiro deste ano”. Em relação ao Programa de Triagem Auditiva Neonatal, o pagamento é feito por produção, e a meta mensal da Santa Casa é de R$10.398,30, sendo a anual de R$ 124.779,60. Estão pendentes os pagamentos referentes aos meses de setembro (R$12.730,04), outubro (R$9.326,96), novembro (R$10.132,71) e dezembro (R$14.791,70).

Funcionários, voluntários, parentes de pacientes e parlamentares participaram de ato para chamar a atenção para o momento crítico da Santa Casa, que já fechou 450 leitos(foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)
Funcionários, voluntários, parentes de pacientes e parlamentares participaram de ato para chamar a atenção para o momento crítico da Santa Casa, que já fechou 450 leitos (foto: Leandro Couri/EM/D.A PRESS)


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