A primeira vila, cidade e diocese de Minas abre as portas, com toda reverência, de um dos seus templos barrocos mais importantes. Na próxima quinta-feira, moradores de Mariana, na Região Central, verão concluída a restauração dos elementos artísticos integrados da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, templo erguido pela mão escrava a partir de 1752, quando foi lançada a pedra fundamental. Trata-se da primeira obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas no município, que contemplou a recuperação do forro da capela-mor, altar-mor, oito retábulos colaterais, arco-cruzeiro e imagens.
“Trata-se de um trabalho muito importante, principalmente pela sintonia entre a equipe de profissionais, instituições envolvidas e a comunidade. Restauro de elementos artísticos é sempre uma intervenção delicada, tornando-se fundamental, portanto, vários olhares. Houve um diálogo intenso entre todos, e os moradores puderam acompanhar as ações”, diz a arquiteta Flora Passos, do escritório técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em Mariana. O serviço ficou a cargo do Instituto Cultural Flávio Gutierrez, com equipe coordenada pelo restaurador Adriano Ramos, e supervisão do Iphan e da prefeitura local.
Na cerimônia de término dos serviços – durante a obra não foram interrompidas as atividades religiosas – será dada a autorização para contratação da próxima etapa (obra civil) do templo, com investimentos de cerca de R$ 2 milhões. O trabalho, objeto de licitação da prefeitura, incluirá a restauração arquitetônica do edifício e a implantação do Museu Vieira Servas. Com o conjunto das ações no local, diz nota do Iphan, “o PAC Cidades Históricas, que abarca ainda outras 14 obras na cidade, contribui para o estímulo ao turismo na região, consolidando Mariana como referência para os estudos sobre a arte religiosa, seus artistas e o patrimônio cultural brasileiro como um todo”.
Executada pela Prefeitura de Mariana, com recursos de R$ 1,6 milhão do governo federal, a intervenção, cujo início foi mostrado pelo Estado de Minas em 28 de julho de 2016, valoriza a paisagem colonial e, no interior da igreja, que tem à frente o pároco Geraldo Barbosa, os altares esculpidos pelo português Francisco Vieira Servas (1720-1811) e o forro da capela-mor de autoria de Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), o Mestre Ataíde.
EXPOENTES DA ARTE
Quem chega à igreja, distante cinco minutos do Centro, não deixa de admirar os trabalhos em madeira de jacarandá, altares com trabalhos de talha e ouro e uma decoração suave de estilo rococó, coroada pela pintura da Assunção da Virgem no teto da capela-mor. De acordo com o Iphan, responsável pelo tombamento da construção, o conjunto de elementos artísticos que compõem a decoração interna tem lugar de destaque na arte religiosa de Minas Gerais dos séculos 18 e 19, principalmente pela participação de dois importantes artistas do período, que são Servas e o marianense Mestre Ataíde. O primeiro realizou toda a obra de talha do interior do templo entre os anos de 1770 e 1775, enquanto o segundo produziu a decoração pictórica anos mais tarde, entre 1823 e 1826.
Além dos trabalhos já conhecidos na Igreja, a equipe técnica descobriu pinturas de quase 200 anos nas paredes do altar lateral da Igreja, escondidas sob várias camadas de tinta. Os especialistas acreditam se tratar de uma obra do século 19, também de autoria do Mestre Ataíde ou de seu filho e ajudante Francisco de Assis Pacífico da Conceição.
DEGRADAÇÃO
No entanto, no início do ano passado, o cenário era desolador: a deterioração, ao longo do tempo, havia se tornado o principal responsável pelo retrato da igreja. Os técnicos mostraram os efeitos da infestação de cupins e outros insetos xilófagos, madeira envelhecida, perda de pintura, infiltração devido à água de chuvas e até ação humana. Um dos pontos mais degradados era o forro da capela-mor, com a pintura da Assunção de Nossa Senhora. Ela apresentava desprendimento da policromia, perda de madeira e outros danos que entristeciam os fiéis. Em entrevista, a professora aposentada Maria Raquel Cardoso Reis, vizinha do templo, se mostrava feliz com o início do restauro: “Esperamos mais de duas décadas por esse trabalho. A gente sempre tem algum receio de ela cair, porém a mão de Deus segura tudo.”
HISTÓRIA DO TEMPLO
Localizada na Praça do Rosário, a Igreja Nossa Senhora dos Pretos foi construída entre 1752 e 1758 por iniciativa das irmandades de São Benedito, de Santa Efigênia e do Rosário. Erguida em alvenaria, ela pertence à terceira fase do barroco mineiro, o estilo rococó. O templo foi construído em alvenaria de pedra. Os destaques internos vão para as obras do pintor Ataíde e do escultor e entalhador Servas.
ARTISTA PORTUGUÊS
Francisco Vieira Servas (1720-1811) – Nascido em Portugal, trabalhou como entalhador e escultor em madeira nas igrejas Nossa Senhora da Conceição, em Catas Altas; no Santuário do Senhor Bom Jesus do Matosinhos e de Nossa Senhora da Conceição, em Congonhas; e de Nossa Senhora do Rosário, de Mariana. Criou estilo próprio na concepção dos altares, com destaque para um elemento denominado arbaleta (arremate sinuoso)
GÊNIO MINEIRO
Manuel da Costa Ataíde (1762-1830), o Mestre Ataíde, nasceu em Mariana.
SAIBA MAIS
Mariana tem 15 ações do Pac
Mariana é uma das oito cidades mineiras a receber obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas, que contempla 15 ações no município, totalizando investimento de R$ 67,2 milhões. Além da Igreja do Rosário, também está em execução o restauro da Catedral da Sé (foto) de Nossa Senhora da Assunção. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o PAC Cidades Históricas está presente em 44 cidades de 20 estados brasileiros, totalizando R$ 1,6 bilhão em investimentos em 424 ações. As ações decorrem da linha exclusiva do programa, criado em 2013 para atender aos sítios históricos urbanos protegidos, proporcionando a revitalização das cidades históricas, a restauração dos monumentos e a promoção do patrimônio cultural, com foco no desenvolvimento econômico e social e no suporte às cadeias produtivas locais..