Há sete décadas, Bocaiuva, que então não passava de uma pacata cidade em cuja sede viviam apenas 4 mil pessoas, com ruas empoeiradas, sem água encanada e sem redes de esgoto, foi invadida por uma expedição americana integrada por militares e cientistas, com toneladas de equipamentos. O motivo, como revelou a série “À sombra do eclipse”, publicada pelo Estado de Minas na semana passada: estudos científicos apontaram o município norte-mineiro como melhor ponto de observação do fenômeno astronômico, não só pelas condições meteorológicas, mas também porque seria o local onde a observação seria possível por mais tempo.
Entre os principais interesses do Exército americano estavam estudos sobre distâncias intercontinentais, visando a aperfeiçoar a tecnologia do lançamento de mísseis teleguiados. A informação consta de documentos que foram mantidos por décadas em sigilo nos arquivos do governo dos EUA, cujas copias foram obtidas pelo professor Heráclio Tavares, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que desenvolveu pesquisa sobre o assunto em seu mestrado em história social.
A manhã que virou noite
Em 20 de maio de 1947, o céu escureceu às 9h34. Em Bocaiuva, lembram antigos moradores, galinhas foram para os poleiros e muita gente pensou que o mundo iria acabar.
Atraídos por tamanha movimentação, desembarcou na cidade um grande contingente de jornalistas estrangeiros, além de alguns dos nomes mais famosos da imprensa brasileira na época. Um deles foi Eron Domingues, “testemunha ocular da história”, da Rádio Nacional, que fez transmissão ao vivo durante o fenômeno, em cadeia com outras emissoras de rádio. Estiveram na cidade também profissionais como David Nasser e Hélio Fernandes, pela revista O Cruzeiro.
Hoje, no local do antigo acampamento da expedição americana, em Extrema, existem apenas ruínas das bases de concreto usadas para a instalação dos telescópios e outros equipamentos 70 anos atrás. A movimentação da invasão americana ficou guardada na memória de antigos moradores e entrou para sempre para a história de Bocaiuva, embora na cidade não tenham ficado muito mais que lembranças como herança do fenômeno. Como mostraram as reportagens do EM, no município ainda vivem comunidades totalmente à margem de avanços tecnológicos, onde falta até mesmo água potável e saneamento básico para a população.
COMEMORAÇÃO
De acordo com a programação divulgada pela Prefeitura de Bocaiuva, a comemoração dos 70 anos do eclipse total do Sol terá hoje mostra de fotos da época do fenômeno, parte do acervo do Memorial do Eclipse e do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico. Também está prevista exibição de documentário sobre o episódio, do arquivo da Cinemateca Nacional. A cidade assistirá ainda a uma exposição de modelos de aviões, helicópteros e drones e terá palestras sobre a prática de voo livre.
A série
O Estado de Minas publicou, entre os dias 15 e 17, a série “À sombra do eclipse”, que mostrou como a cidade de Bocaiuva foi invadida, em meados da década de 1940, por missão de cientistas, militares e jornalistas estrangeiros financiada pelo governo norte-americano. O objetivo declarado era fazer observações científicas sobre o eclipse total do Sol, em 1947, mas, na verdade, uma das principais metas foi desenvolver cálculos que direcionariam a tecnologia dos mísseis balísticos intercontinentais, como revelou a primeira reportagem, com base em documentos mantidos em sigilo por décadas pelo governo dos EUA e obtidos pelo pesquisador Heráclio Tavares, da UFRJ.
A segunda reportagem mostrou que a expedição não deixou herança para a cidade, onde comunidades inteiras vivem à beira da miséria, como nos primórdios do século passado, sem nem ao menos acesso a água tratada. A série foi encerrada pela reportagem que revela a segunda invasão da cidade norte-mineira, promovida pela lavoura do eucalipto. A monocultura é apontada como responsável pela extinção de nascentes e veredas no cerrado..