Os aterros da região metropolitana que recebem de Belo Horizonte resíduos da construção civil contaminados por lixo doméstico e outros poluentes ameaçam também mananciais importantes, como o Rio das Velhas, o segundo maior afluente da Bacia do São Francisco em volume de água – e onde foram investidos somente pela Copasa cerca de R$ 1,6 bilhão em despoluição desde o início dos anos 2000. Em Santa Luzia e em Sabará, atividades irregulares de transportadores de caçambas e donos de aterros trazem ainda mais degradação ao curso d’água já atacado pela poluição doméstica e industrial da Grande BH.
Em dois empreendimentos nesses municípios, a equipe do Estado de Minas flagrou o ingresso clandestino de entulho contaminado com restos de poda e lixo. Movimentada pelos caminhões de 17 empresas, a dinâmica frenética de despejo sem qualquer critério, muitas vezes na calada da noite e usando de ameaças para calar a vizinhança, vai engolindo aos poucos o Velhas e outros cursos d’água.
Numa das curvas do rio, no Bairro Borges, em Sabará, um desastre ambiental causado pela máfia dos depósitos irregulares de entulho só desperta impunidade e incentiva que mais material seja jogado irregularmente. Parte da estrutura de um aterro desativado desmoronou, há dois anos, roubando uma faixa de 8.700 metros quadrados do curso d’água, reduzindo sua calha a menos da metade da largura original, que no trecho passou de 52 metros para 23 metros. Mas, mesmo com o fechamento desse empreendimento, a falta de fiscalização permitiu que detritos diversos continuassem a ser empilhados nas margens, tornando o rio mais raso e comprimido.
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“Daqui da minha casa consigo ouvir o barulho, à noite, dos caminhões despejando as caçambas. É aquela quebradeira de ladrilhos e de outros materiais e o barulho daquilo caindo dentro da água”, conta um morador do Bairro Capitão Eduardo, que fica em Belo Horizonte, do outro lado da margem, de onde assiste a esse assoreamento desenfreado sem conseguir resposta das autoridades ambientais. “Já denunciei na Prefeitura de BH e disseram que tinha de ser em Sabará. Denunciei ao meio ambiente (Polícia Ambiental), mas não pegaram ninguém”, afirma. Um dos prejuízos imediatos da situação é que, como o rio tem ficado mais estreito, nas chuvas as águas estão engolindo e destruindo áreas na margem belo-horizontina.
RISCO E OMISSÃO
Vizinhos do espaço dizem ser ameaçados pelos caçambeiros que jogam o entulho diretamente no rio. “Uma vez, o caçambeiro me viu filmando e ficou me ameaçando. A gente não tem coragem de mexer com esse povo, porque avisamos à polícia e eles não fazem nada”, disse o dono de uma empresa nas proximidades.
No terreno ao lado, onde há várias casas e caminhões, o entulho também foi se acumulando até aterrar uma grande área do rio. A reportagem procurou a dona do espaço, que não se identificou, mas indicou o filho para prestar esclarecimentos. O homem chegou dirigindo um caminhão e se identificou apenas como Fábio. Limitou-se a dizer que não poderia falar nada sobre a situação, pois teria sido “instruído” a não fazer isso. “Você já viu uma draga que tem ali do outro lado do Rio das Velhas? Pois é, aquela draga funciona o dia inteiro e quando vem a chuva o rio acaba desmoronando os barrancos do meu terreno. Se eu não jogar terra na beira aqui, como é que vai ficar o meu terreno? O rio vai comer ele todo? Os órgãos ambientais não me dão licença de aterrar e aí fica complicado”, disse, admitindo assim que a atividade é clandestina.
Química ameaça recarga do lençol
A área de recarga de aquíferos e de lençóis freáticos que abastece o Rio das Velhas pode ser contaminada por vários depósitos que recebem resíduos químicos e orgânicos descartados irregularmente junto ao entulho, sem que a fiscalização impeça. Em Santa Luzia, a pouco mais de 100 metros de distância da margem do Rio das Velhas, um aterro que só poderia receber resíduos sólidos de tipo A, ou seja, materiais como restos de tijolos, blocos, telhas, placas de revestimento e argamassa, tem recebido pneus, latas de tinta, poda, restos de brinquedos plásticos, móveis e todo tipo de detrito que pode contaminar as águas subterrâneas.
Os caminhões de caçambas chegam ao empreendimento, que tem cerca de 10 hectares e onde o material é usado com a finalidade de aterro. Mais uma vez a triagem não serve para garantir que apenas o que é correto seja aterrado. Somente separa materiais mais valiosos, como peças de metal, para a reciclagem. Sem uma triagem mais criteriosa, todo o material contaminante acaba sendo coberto por destroços e terra limpa. O encarregado que foi encontrado na portaria do empreendimento e que se identificou apenas como Adílson acabou admitindo a falta de critério na separação: “A gente não recebe lixo, não. Mas se vier coisa no meio do entulho fica difícil de saber e de separar”.
O Estado de Minas procurou o proprietário da área, chamado Daniel Marques, que se declarou surpreso com as informações, pois disse que o empreendimento está arrendado para outra firma administrar, enquanto aterra a área para a futura construção de um condomínio industrial. “Tenho um acordo com a empresa e segundo ele nem caçambas poderiam ingressar no espaço, pois isso pode inviabilizar a obra futura. Menos ainda material contaminado. Vou convocar uma reunião urgente para resolver essa situação, pois tenho um contrato com responsabilidades e multas previstas”, afirmou.
Prefeituras e estado prometem fiscalizar
A Prefeitura de Vespasiano por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Serviços Urbanos, informou que o aterro visitado na cidade pelo EM está em desconformidade com a licença ambiental. A Polícia Militar de Meio Ambiente já esteve no local e a fiscalização do município notificou o proprietário. Foi dado um prazo de 10 dias, contados a partir de 18 de maio, para que sejam feitas adequações. Caso isso não ocorra a licença será caçada.
De acordo com a Prefeitura de Contagem, o aterro do Bairro São Sebastião tem autorização para receber todo tipo de material, desde que faça triagem, sendo que o lixo ou resíduo orgânico tem de ser separado e depositado em aterro sanitário. “A permanência desses resíduos por mais tempo do que o permitido pode resultar em sanções. Foi feita uma fiscalização no local em 19 de abril e não foram encontradas irregularidades.”
Ainda segundo o município, há duas condicionantes que o empreendedor precisa cumprir: apresentação de laudo do Corpo de Bombeiros e alvará de localização e licenciamento atualizado. “No entanto, em 25 de abril o empreendedor entrou com pedido de prorrogação do prazo por mais 30 dias para apresentação dos documentos, o que foi concedido”, acrescentou. A prefeitura afirma que nova fiscalização será feita no aterro e que, caso sejam constatadas irregularidades, serão lavrados autos de infração e o empreendimento pode ser fechado. Também foi solicitado que a empresa apresente um laudo que ateste a capacidade de recebimento de mais material inerte.
A Prefeitura de Ibirité informou que os dois aterros visitados pelo EM na cidade estão licenciados, mas que nova vistoria será realizada nesta semana. “A Secretaria Municipal de Meio Ambiente também tem procurado trabalhar em conjunto com a Polícia do Meio Ambiente e a promotoria da área para minimizar esses impactos ambientais”, informou.
No caso de Sabará, a prefeitura informou que vai fiscalizar os aterros, inclusive com auxílio da PM ambiental. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável se comprometeu a vistoriar as situações denunciadas pelo EM.
A Secretaria Municipal Adjunta de Fiscalização de Belo Horizonte esclarece que, para coibir a prática de deposição clandestina de resíduos de grandes volumes são realizadas “blitzes punitivas e educativas, inclusive nos finais de semana, nos grandes corredores viários da cidade, abordando transportadores de resíduos, como caminhões e carroças”. Durante a abordagem, o fiscal verifica se o veículo e a empresa têm autorização da PBH, o tipo de resíduo que está transportando, se está devidamente coberto por lona e se o veículo está no trajeto de destino do despejo. Em caso de descumprimento, o veículo e a empresa são autuados.
Até o fechamento desta edição, a Prefeitura de Santa Luzia, onde também há aterros irregulares, não se manifestou sobre a situação.