Jornal Estado de Minas

Explosão de camelôs nas ruas do Centro de BH traz de volta situação vivenciada há 15 anos

Presença dos ambulantes no Hipercentro atualmente segue caminho que culminou com a região tomada pelos camelôs há 15 anos - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESSCaixotes de papelão, caixas de plástico, armações de madeira, suportes de metal, bancas e outros improvisos montados para a exposição de produtos ao ar livre nas calçadas do Centro de Belo Horizonte indicam o tamanho do desafio a ser cumprido na capital mineira.

Passados 55 dias do anúncio da prefeitura para reorganizar a região e retirar os camelôs, especialistas aguardam as ações do poder municipal e dizem que, se nada for feito, em breve a cidade pode ter as vias públicas tomadas pelo comércio informal, revivendo um cenário extinto no início dos anos 2000, quando quase 3 mil ambulantes ocupavam ruas e avenidas da área central.

Agora, com cerca de 800 pessoas na mesma situação, BH se depara com outro perfil de vendedores ilegais. Se há 14 anos os clandestinos eram “profissionais”, hoje, a antiga ocupação ficou para trás no momento da baixa na carteira de trabalho. A administração municipal avisa que está em busca de solução pacífica para o problema, incluindo ajuda para instalar os interessados em feiras e shoppings populares.

Comparadas com o momento atual, imagens do Estado de Minas do início dos anos 2000 – momento em que o comércio clandestino chegou ao auge – mostram que a situação já não é tão diferente. Especialistas e integrantes da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) acreditam que o momento anterior foi muito complicado e é pior do que o de hoje, mas concordam que o caminho é o mesmo para atingir uma situação que no início do século afastava a população do Hipercentro de BH.

Os camelôs foram retirados das ruas da capital entre 2002 e 2003. Foi um ano de negociações com as lideranças, conforme relembra a secretária Municipal de Serviços Urbanos, Maria Caldas, que na época já integrava os quadros da Prefeitura de BH. O martelo foi batido durante a Conferência Municipal de Política Urbana 2001/2002, quando foi discutido o Código de Posturas da cidade e feito o acordo: os ambulantes iriam para shoppings populares, desde que os centros comerciais fossem dentro de área de bastante fluxo de pessoas.
“Criamos medidas para viabilizar esses locais, alguns públicos, outros privados, e houve licitação. Todos saíram, poucas foram as resistências, e é isso que queremos agora também”, diz. “Esse projeto não é de natureza higienista. Queremos resgatar o espaço público, mas entendemos que o que ocorre é de natureza social e precisamos ter uma solução para isso.”

Um dos pontos muito cobiçados pelos camelôs no início dos anos 2000 era a Rua dos Carijós, desde a Praça Sete até a Avenida Paraná. Hoje é fácil constatar que via continua sendo um ponto de atração para os ambulantes. No meio das calçadas, criando um obstáculo para a circulação de pedestres, é possível observar bancas vendendo produtos diversos. Em vias próximas, a situação é bem semelhante.
Bancas nas esquinas, caixotes de papelão um ao lado do outro e filas de obstáculos usados para expor os produtos, assim como cartazes e faixas anunciando os preços ocupam o espaço destinado ao deslocamento de quem está a pé.

Prefeitura de BH prometeu uma solução para a questão dos vendedores ambulantes abrindo mais vagas em shoppings populares - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESS
Promessa

Em 27 de março, a Secretaria de Serviços Urbanos de BH anunciou uma força-tarefa para o Hipercentro, que inclui mais segurança na praças da rodoviária, da Estação e Sete, reforma e construção de banheiros públicos, amparo à população de rua e ocupação de espaços vazios. Além desses pontos, também está prevista a solução para os camelôs, que passa por ações educativas, abertura de postos de trabalho em shoppings populares e fiscalização diária, das 8h às 20h, inclusive com o uso da força, se necessário. Para o caso específico dos ambulantes, a PBH prometeu resultados em 60 dias, mas estendeu para 90 a pedido do Ministério Público. Agora, resta pouco mais de um mês do prazo anunciado.

A arquiteta e urbanista Cláudia Pires, conselheira do Instituto dos Arquitetos do Brasil em Minas Gerais (IAB/MG), destaca que o aumento constante da ocupação do espaço público pelos ambulantes tem relação com a degradação e a falta de manutenção no Hipercentro, aliadas à falta de fiscalização. “Essa crescente ocupação tem potencial para criar uma situação igual ou pior do que no início da década”, afirma. A especialista acredita que não é a simples remoção para shoppings populares que vai resolver o problema. “É preciso investir em desenvolvimento econômico que dê condições ao vendedor de se manter, porque senão ele vende aquele ponto e volta ao mercado informal quando é surpreendido por uma pressão econômica. O empreendedorismo não se faz só com a pessoa, mas também com a política pública”, afirma.

Há 13 anos, bancas tomavam conta da Rua dos Carijós - Foto: Jair Amaral/EM/D.A PRESS - 15/03/2004
PROBLEMAS À VISTA

O também arquiteto e urbanista Sérgio Myssior, integrante do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Minas Gerais (CAU/MG), defende o uso de instrumentos previstos na legislação urbanística da cidade para incentivar a ocupação de imóveis ociosos, de forma que eles se tornem viáveis e atrativos do ponto de vista financeiro para os ambulantes trabalharem.
Ele aponta que a fragilização na gestão do espaço público cria um ambiente propício à presença dos comerciantes clandestinos em qualquer lugar. “A impressão que tenho é de que estamos em vias de ter os mesmos problemas que já experimentamos há duas décadas, se nada for feito em pouco tempo”, afirma.

Para o vice-presidente da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcos Inecco, a fiscalização é a ferramenta que precisa ser usada de forma ostensiva para se fazer cumprir a lei no que diz respeito ao Código de Posturas da capital, que estabelece os usos corretos de ruas e calçadas da cidade. Ele lembra que o momento vivido no início da década passada, anterior à transferência dos camelôs para os shoppings populares, é muito pior do que o de hoje, pois o descontrole que tomava conta de todo o Hipercentro atraiu a marginalidade, aumentando os índices de criminalidade e gerando insegurança para a população, que se afastou do comércio legal. “De 2012 a 2014 tivemos novamente políticas permissivas de ocupação das calçadas, que começaram com os hippies, índios e artesãos, e criaram uma quebra da regra que abriu a porta para todos. Entendo que não estamos em um momento tão agudo, mas o caminho é o mesmo: estamos seguindo para uma cidade totalmente tomada”, afirma Inecco.

Formalizar ilegais é o grande desafio

A Prefeitura de Belo Horizonte está promovendo o segundo levantamento sobre a quantidade de camelôs no Hipercentro. A estimativa é de que sejam pouco mais de 800. A primeira pesquisa, na qual foram identificados 785, apontou que um quarto são mulheres, 63% têm entre 18 e 45 anos e só 14% têm outa fonte de renda, que é o Bolsa Família. Mais da metade têm formação ou profissão, 70% manifestaram interesse em fazer um curso profissionalizante, 85% declararam que deixariam de ser ambulantes para se instalar em um shopping popular e 75% têm carteira de trabalho, que estava assinada até pouco tempo atrás. A maior motivação para ir para as ruas, segundo 81% deles, é a falta de emprego. Poucos (apenas 15%) tiveram experiência em shoppings populares.

“Já tínhamos a intenção de abrir uma série de oportunidades, mas poderemos casá-las melhor com os prazos que foram ampliados, para não fazer uma ação só repressiva”, afirma a secretária Municipal de Políticas Urbanas, Maria Caldas.
Ela acrescenta que, por não terem na vida de ambulante a atividade original, camelôs atuais não têm organização ou representação e, por isso, o diálogo é mais delicado. “Quem tem tradição de rua tem questões muito distintas desse grupo”, diz.

A PBH deve abrir, por meio de edital, 700 vagas para cursos gratuitos de capacitação (formação profissional, empreendedorismo e capacitação para comércio). Estuda também a hipótese de levá-los para feiras e shoppings populares. O município pretende estabelecer um teto de pagamento do aluguel por parte dos ambulantes, mas nenhum valor ainda está definido. E há a intenção de chamar a iniciativa privada para participar da realocação de trabalhadores. “O desenho será delicado, porque boa parte dessas pessoas vende um produto que é difícil de sustentar formalmente – como balas, água ou  frutas – e complicado de agregar para estar num shopping. Estamos buscando soluções ajustadas a cada perfil”, ressalta Maria Caldas.


Memória
Um tempo em que o pedestre não tinha vez


Até o início dos anos 2000, caminhar pelo Hipercentro de BH era quase uma aventura. Em tempos de chuva, então, impossível saber se o mais importante era se desviar das sombrinhas ou das barracas dos camelôs. Simplesmente não havia espaço. Tanto tumulto facilitava a ação de assaltantes.
Com a proximidade do Natal, o número de ambulantes parecia se multiplicar, com uma barraca colada à outra. Sem contar a incrível força no gogó para chamar os clientes. Alguns trabalhavam no improviso, com panos estendidos no chão. Volta e meia havia um tumulto e alguém correndo desesperadamente dos fiscais da prefeitura. Se dava tempo de juntar tudo, carregavam a mercadoria. Se não, a corrida levava apenas o semblante triste de quem acabara de perder tudo. Havia as mais diversas opções: brinquedos, eletrônicos, roupas, calçados, bolsas e outros acessórios da moda. E lá estavam os camelôs, oferecendo as mais variadas cores e mdoelos, a preços módicos. Claro, tudo falsificado. Depois que deixaram as ruas, a cidade ganhou nova paisagem. E pôde ser redescoberta e retomada por todos os cidadãos.

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