Vetor de doenças como a dengue, a zika e a chikungunya, o mosquito também pode transmitir em ambientes urbanos a febre amarela, que neste ano foi causa comprovada de 151 óbitos no estado, com outros 54 ainda sob investigação. O primeiro morador de BH a morrer devido à virose foi um economista aposentado do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), de 79 anos, que, apesar de vacinado, se contaminou em viagem ao Mato Grosso.
A morte explica a ofensiva ontem no bairro da Zona Sul, que é padrão em BH após a confirmação de casos do tipo, com aplicação de fumacê e vistoria contra focos do mosquito nas casas ao redor daquela em que o diagnóstico foi confirmado. Segundo a família, o aposentado tinha um histórico de problemas cardíacos, mas era imunizado contra a doença, já tendo tomado quatro doses da vacina. Conforme investigação epidemiológica, o paciente participou de um retiro espiritual em uma gruta na Serra do Roncador, em Mato Grosso, região de circulação do vírus da febre amarela. O médico infectologista Carlos Starling, que acompanhou o caso, destaca que, apesar de a vacina ser excelente e garantir altos níveis de proteção, existem exceções, principalmente entre a população idosa.
De acordo com a Secretaria de Estado de Saúde, o paciente retornou da viagem realizada ao Mato Grosso em 7 de maio, e no dia 10 apresentou os primeiros sintomas. Foi internado no dia 12, no Hospital Life Center, na Região Centro-Sul da capital, e faleceu dia 17.
Ainda segundo a pasta, o histórico vacinal do paciente está em investigação, embora a Secretaria Municipal de Saúde tenha informado que a família não apresentou o cartão de vacina durante as visitas de equipes da vigilância epidemiológica à residência. Como o caso é de contágio fora de Minas Gerais, a morte não é contabilizada nos números de transmissão dentro do estado.
Ontem, a Prefeitura de BH realizou ações para prevenção da febre amarela na área em torno da residência do paciente, agindo em duas frentes para eliminar o mosquito Aedes aegypti: mais cedo, por volta das 7h, nove funcionários da Gerência de Zoonoses aplicaram 15 litros de ultra-baixo volume (UBV), conhecido popularmente como fumacê, em um raio de 12 quarteirões, totalizando 130 imóveis. Um pouco mais tarde, outro grupo de funcionários divididos entre agentes de combate a endemias e enfermeiros visitou casas para vistoriar possíveis focos do mosquito e também conferir cartões de vacina dos moradores.
Em uma das casas foram encontradas larvas na piscina. Como os moradores estavam fora, a funcionária do imóvel foi orientada a combater os focos. Outra moradia visitada foi a do aposentado acometido pela febre amarela, que também já tinha sido aberta para aplicação de fumacê. A viúva do economista preferiu não se identificar e disse que o marido era adepto de uma filosofia que busca um conhecimento espiritual superior. A Serra do Roncador, onde ele se contaminou, é descrita como um lugar com características geológicas especiais, que conferem, segundo os seguidores, uma energia favorável às práticas espirituais, o que motivou a viagem.
De acordo com a mulher do aposentado, havia um certo temor, por ser um local de mata, com a possibilidade de transmissão da febre amarela. “Ele era um homem muito urbano. Chegou a desistir, marcar e remarcar a viagem. Mas, como já se considerava imunizado, acabou indo”, contou a viúva. A viagem inicialmente duraria 12 dias, mas acabou reduzida para apenas quatro, sendo que o aposentado passou dois dias viajando e outros dois no local.
Dois dias após chegar a BH, com algumas picadas de mosquito pelo corpo, teve febre alta. No hospital, foi identificada queda de plaquetas e ele foi orientado a se hidratar bastante. Porém, exames apontaram redução na função hepática, que motivaram internação no CTI. Foram cinco dias até a morte, com problemas não só no fígado, mas também nos rins e falência múltipla dos órgãos. “Não é fácil perder uma pessoa numa circunstância dessas, mas que sirva de alerta para quem tem as vacinas vencidas”, diz a mulher do aposentado, que disse já ter sido informada pela Fundação Ezequiel Dias (Funed) de que o caso é de febre amarela.
Durante a visita dos agentes da PBH, ela informou que está com a vacina pendente e que sua médica já indicou a imunização, porque tem mais de 60 anos. Outra que também vai procurar o posto de saúde é a filha do casal, que não é vacinada.
Vacina é eficiente, mas há exceções
O médico infectologista Carlos Starling, que acompanhou o caso do economista aposentado que morreu por febre amarela no Bairro Belvedere, em Belo Horizonte, apesar de ter sido vacinado, disse que já teve acesso a um exame preliminar que deu positivo para a doença. Aliado à evolução clínica do paciente, ele informa que foi possível obter a confirmação do diagnóstico.
Porém, Starling lembra que ainda vai acompanhar a investigação epidemiológica, que inclui, por exemplo, as informações sobre a vacinação. Ele destaca que a vacina é muito importante e confere níveis muito altos de proteção, mas existem exceções. “A vacina é excelente.
A Secretaria Municipal de Saúde de BH informou que dois moradores da capital contraíram febre amarela fora do município. Não há infecções registradas na cidade e atualmente não há paciente internado com a doença na capital. Considerando uma única dose da vacina, que é o cenário preconizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) para garantir a proteção, praticamente toda a população de BH está imunizada, segundo a pasta, que contabiliza 670 mil doses do imunizante aplicadas só em 2017. Antes do surto, o Ministério da Saúde considerava necessárias duas doses, mas durante o aparecimento dos casos acabou seguindo uma diretriz da OMS.
Ainda segundo a secretaria, ações de pulverização de UBV já beneficiaram mais de 12 mil imóveis na capital. Além do Bairro Belvedere, outra área que recebeu a aplicação recentemente foi a área de abrangência do Centro de Saúde Santos Anjos, dentro de uma programação de rotina da Zoonoses da Regional Noroeste. Neste caso, não há relação com a febre amarela, segundo a pasta.
Para reforçar as ações de vacinação, a PBH manteve em funcionamento, entre fevereiro e abril, cinco postos extras de vacinação, com horário ampliado. Houve também abertura de unidades de saúde em fins de semana, exclusivamente, para vacinação. “A PBH ainda instalou telas impregnadas com inseticidas nas UPAs Venda Nova, Pampulha, Oeste, Leste e Barreiro e nos hospitais Eduardo de Menezes e João Paulo II, ambos da Rede Fhemig”, afirma, em nota, a pasta. A secretaria não forneceu informações sobre o histórico vacinal do aposentado que morreu no Belvedere.
Palavra de especialista
Carlos Starling - infectologista
Atenção deve ser permanente
“Esse é um caso de um paciente que veio de fora e ficou pouco tempo em casa antes de ser hospitalizado e falecer. Portanto, a chance de transmissão é pequena. Por outro lado, há uma situação de maior controle com o aumento da cobertura vacinal alcançada por Belo Horizonte. Mas o momento é de ficar atento. A prefeitura já deu início a uma ação para prevenir a transmissão da doença, com aplicação de fumacê e identificação de possíveis focos. Mas esse trabalho precisa ser sistemático, durante todo o ano e em toda a cidade. Uma ação não pode vir sozinha e essas são medidas também importantíssimas para a prevenção das outras doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti – zika, dengue e chikungunya. Ou seja, não dá para baixar a guarda em hipótese alguma”.