Uma rotina de agressões físicas e verbais, ameaças com armas de fogo, roubos, furtos e arrombamentos. Cenas que estão se intensificando dentro de unidades de saúde de Belo Horizonte, conforme denúncia feita ontem por servidores municipais durante mobilização em frente à secretaria municipal da área.
O Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel) decidiu dar mais tempo ao prefeito, na expectativa de que pelo menos a recontratação de porteiros seja autorizada. “As portas dos centros de saúde estão, literalmente, abertas. Eles ajudavam a conduzir o fluxo dos atendimentos e a conter violência e agressões”, afirma a diretora de Saúde do Sindibel, Ângela de Assis.
Outra dirigente sindical, Isabel Cristina da Cruz, diz que a violência se estende também às unidades de pronto-atendimento (UPAs). “Na UPA Oeste, onde trabalho, roubaram o carro de uma médica e o celular da gerente dentro da sala dela, porque não tem porteiro nem guarda. Com os problemas em hospitais como a Santa Casa, as unidades estão ficando lotadas e os pacientes acham que a culpa é do trabalhador. Estamos vivendo o caos, somos ameaçados de morte todos os dias”, relata.
Servidora da área administrativa do Centro de Saúde São Francisco, no bairro homônimo, na Pampulha, Lourdes Diana afirma que a unidade, inaugurada há um ano apenas, já colecionou 10 boletins de ocorrência. “De duas a três vezes que me ligaram de madrugada por causa de arrombamento, fui ver o que ocorria. Isso não é tarefa de funcionário, muito menos abrir e fechar a unidade. Não é mais possível trabalhar assim”, conta, emocionada.
O secretário-geral do Sindicato dos Médicos, André Cristiano dos Santos, diz que o momento é de estabelecer prioridades. “Segurança é fundamental para os trabalhadores e para os pacientes. Estamos fazendo denúncia ao Ministério Público e discutindo a questão com a prefeitura em diversos fóruns. Esperamos uma resposta”, diz. “Nosso medo é que acabe morrendo um funcionário ou um usuário numa unidade de saúde por causa da violência. Será preciso esperar isso ocorrer para se tomar uma atitude?”, questiona.
O secretário Jackson Machado Pinto informou que houve redução na quantidade de ocorrências de janeiro a abril, na comparação com o mesmo período do ano passado, mas não revelou os números. Na opinião do secretário, a diminuição se deve à melhora no atendimento e na distribuição de medicamentos. Dados do Sindibel, no entanto, mostram um quadro oposto: enquanto em 2016 foram registrados quatro casos de violência, nos primeiros meses deste ano já foram 33.
O secretário informou que o impacto da folha de pagamento dos porteiros das unidades de saúde nos cofres municipais é de R$ 16 milhões. “Ou põe porteiro ou médico. Vai ter que demitir enfermeiro, técnico em enfermagem, assistente social, psicólogo, dentista se contratar porteiro”, avisa. Segundo ele, essa decisão cabe exclusivamente ao prefeito. “A Guarda não tem mais a função de defesa patrimonial, então, é preciso conversar com a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e Patrimonial”, diz.
O gestor informou três aspectos discutidos com a categoria. O primeiro é a conscientização das pessoas de que precisam da unidade próxima e devem zelar por ela. O segundo é a instalação de câmeras nos centros de saúde. “Além de ter um custo maior, não garantem a segurança e podem ser levadas”, afirma. O terceiro é o corte de pessoal: “Para contratar segurança particular teria que demitir funcionário. O seguro que temos cobre eventuais arrombamentos”.
Depoimento
Paula Nascimento, médica que foi ameaçada segunda-feira passada durante atendimento no Centro de Saúde Padre Tiago, no Bairro São José
“Por volta das 7h20, meu consultório foi invadido por um homem, que exigia atendimento para seu filho de 10 anos. Ele disse: ‘Agora’. O tamanho desse ‘agora’ não cabe aqui: faltam-lhe o grito, o ódio, o cuspe e o soco na mesa com os quais foi urrado na minha frente. Completou: ‘Depois sou eu’. Disse que seria atendido, pois tinha um revólver. Atirou em cima da mesa o cartão de vacinas da criança. Escarrou e cuspiu no consultório e no corredor. Gritou, esbravejou, exigiu e ameaçou. Não posso dizer que eu os tenha atendimento. Prescrevi sob coação. Pensei em perguntar qualquer coisa àquela criança, saber como estava, o que ela tinha. Mas não me era possível ser médica: eu precisava sobreviver. O homem me disse que não viria no horário de atendimento da equipe, que ‘só os bobos esperam’. Disse que eu estava ‘tirando a favela’, que o ‘funcionário da recepção recebe dois R$ 2 mil tranquilo e que vai botá-lo para para correr’. Ponderei com o paciente que ele é quem estava ‘tirando a favela’ por passar na frente de todo mundo. Fiz a receita que eles queriam e rezei para que fossem embora.”