Passava das 21h de quarta-feira quando o som seco da sirene alertou a equipe do tanatopraxista Edwilson Camilo que, em alguns minutos, todos deveriam estar a postos para preparar mais um cadáver. Nas próximas horas, em uma ampla sala de azulejos brancos na Santa Casa de Belo Horizonte, duas mesas de metal e um forte cheiro de produtos químicos, a equipe se dedicaria a trocar todo o sangue do corpo por um fluido arterial, higienizar e maquiar o falecido – um procedimento de retardamento da decomposição chamado de tanatopraxia.
Em contraposição ao aspecto sério e introspectivo da profissão, Edwilson sorri com facilidade e demonstra enorme devoção pelo que faz. Depois de executar o trabalho, me conduz com orgulho até diante de um caixão para exibir o trabalho em uma senhora com a qual jamais trocou um olhar em vida. “Olha como ela ficou com semblante tranquilo”, comenta, enquanto ajeita as flores para tapar as marcas de um tratamento severo no crânio. “Ela não estava bem quando chegou, mas olha agora, que lindo que ficou. É um trabalho artístico”, conta, orgulhoso.
A tanatopraxia – em referência a Thánatos, o deus da morte na mitologia grega – foi desenvolvida em países como França, Itália e Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e chegou ao Brasil nos anos 1980, sendo Belo Horizonte uma das cidades pioneiras. Durante o processo, o sangue é substituído por um fluido arterial à base de formol, álcool, glicerina e outros componentes. Através de uma incisão de três a quatro centímetros na região cervical ou femoral, o fluido é injetado no corpo com a ajuda de uma bomba que faz às vezes de coração. A solução entra pela artéria e expulsa o sangue vermelho e escuro pela veia jugular.
“O sangue é rico em oxigênio, mas depois do óbito, resta apenas o gás carbônico, que deixa a pessoa com coloração cianótica, aquela aparência roxa. O fluído devolve a coloração da pele, trazendo a dignidade que a pessoa teve em vida para os últimos momentos diante dos familiares e amigos”, conta José Eustáquio Pereira Barbosa, técnico em anatomia e necropsia, professor do curso de tanatopraxia da Santa Casa.
A técnica é uma evolução no processo de tratamento do corpo executado principalmente por funerárias da capital – no interior ainda há desqualificação de mão de obra e falta de equipamentos adequados. Antigamente, como não havia troca de fluidos, os corpos ganhavam aspecto cianótico (por causa do gás carbônico) ou ficavam muito pálido, já que muitas vezes era apenas retirado o sangue, sem a injeção de outro líquido. A tanatopraxia mantém a cor mais próxima do indivíduo em vida.
DEVOÇÃO A profissão de tanatopraxista, embora ainda enfrente a resistência de alguns e a curiosidade de outros tantos, tem atraído cada vez mais pessoas pelas oportunidades no mercado de trabalho. O curso, único em Belo Horizonte, oferecido pela Santa Casa, teve de mudar a frequência de trimestral para mensal. O salário médio no Brasil, segundo a Pesquisa Salarial da Catho, é de R$ 1.250. Mas, segundo profissionais da área, os vencimentos podem variar entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil, dependendo do porte da funerária.
Sem emprego e um tostão no bolso, Edwilson tinha 18 anos quando passou em frente a uma funerária e decidiu pedir emprego. Foi trabalhar com ornamentação, mas logo se especializou, estudou tanatopraxia, e, desde então, se dedica de corpo e alma à profissão. “Já trabalhei em escritório, em vários ambientes. Não troco o tanatório por nenhum outro emprego que tive”, afirma. “Meus amigos brincam comigo: ‘Nossa, você é frio, não tem coração’. É o contrário, pois eu preparo o corpo com muito amor. A profissão me fez mudar muito e viver a vida mais alegre. Por que a gente vai terminar onde? Todos na mesa de tanato…”
Aspectos éticos da profissão
Fabiane Yemanjá, de 19 anos, arrancou gargalhadas dos companheiros de classe ao ser questionada por que havia se matriculado em um curso de tanatopraxia. “Minha mãe mandou”, rebateu a estudante, recém-aprovada na faculdade de enfermagem. Fabiane e outros 19 alunos, de diferentes idades, cidades e formações, demonstravam grande interesse e empolgação a cada slide exibido pelo professor, que variava desde ensinamentos básicos de proteção individual a imagens do dia a dia de um instituto médico legal (IML).
“Quando minha mãe me matriculou, porque sabia que poderia me ajudar na enfermagem, tive pesadelos com sangue e nem dormi. Fiquei preocupada em entrar em depressão, mas depois de dois dias de aula já estou dormindo em cinco minutos”, conta Fabiana, destacando a importância de compreender a profissão antes de julgá-la.
O conteúdo do curso, oferecido em Belo Horizonte pela Santa Casa, engloba aspectos teóricos e práticos. O curso dura uma semana, além de quatro aulas de estágio supervisionado, e custa R$ 2.422, parcelado em cinco vezes. “É um público heterogêneo que nos procura, pessoas que já trabalham em funerárias, técnicos de enfermagem até profissionais que querem mudar de área em busca de nova ocupação ou aumento salarial”, explica o professor Rogério Araújo Filho.
É o caso de Mauro Dias Costa, ajudante de caminhão e garçom. “Um amigo fez o curso e, em menos de dois meses conseguiu emprego. Nunca me incomodei em ver pessoas mortas. Estou compreendendo e gostando”, conta. Rogério destaca também que muitos alunos se matriculam no curso por curiosidade. “E muita gente vem pela curiosidade, mas atentamos muito para os aspectos éticos da profissão, do respeito aos corpos. Logo nas primeiras aulas, as pessoas já passam a ter uma nova visão deste trabalho.”
Em contraposição ao aspecto sério e introspectivo da profissão, Edwilson sorri com facilidade e demonstra enorme devoção pelo que faz. Depois de executar o trabalho, me conduz com orgulho até diante de um caixão para exibir o trabalho em uma senhora com a qual jamais trocou um olhar em vida. “Olha como ela ficou com semblante tranquilo”, comenta, enquanto ajeita as flores para tapar as marcas de um tratamento severo no crânio. “Ela não estava bem quando chegou, mas olha agora, que lindo que ficou. É um trabalho artístico”, conta, orgulhoso.
A tanatopraxia – em referência a Thánatos, o deus da morte na mitologia grega – foi desenvolvida em países como França, Itália e Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial e chegou ao Brasil nos anos 1980, sendo Belo Horizonte uma das cidades pioneiras. Durante o processo, o sangue é substituído por um fluido arterial à base de formol, álcool, glicerina e outros componentes. Através de uma incisão de três a quatro centímetros na região cervical ou femoral, o fluido é injetado no corpo com a ajuda de uma bomba que faz às vezes de coração. A solução entra pela artéria e expulsa o sangue vermelho e escuro pela veia jugular.
“O sangue é rico em oxigênio, mas depois do óbito, resta apenas o gás carbônico, que deixa a pessoa com coloração cianótica, aquela aparência roxa. O fluído devolve a coloração da pele, trazendo a dignidade que a pessoa teve em vida para os últimos momentos diante dos familiares e amigos”, conta José Eustáquio Pereira Barbosa, técnico em anatomia e necropsia, professor do curso de tanatopraxia da Santa Casa.
A técnica é uma evolução no processo de tratamento do corpo executado principalmente por funerárias da capital – no interior ainda há desqualificação de mão de obra e falta de equipamentos adequados. Antigamente, como não havia troca de fluidos, os corpos ganhavam aspecto cianótico (por causa do gás carbônico) ou ficavam muito pálido, já que muitas vezes era apenas retirado o sangue, sem a injeção de outro líquido. A tanatopraxia mantém a cor mais próxima do indivíduo em vida.
DEVOÇÃO A profissão de tanatopraxista, embora ainda enfrente a resistência de alguns e a curiosidade de outros tantos, tem atraído cada vez mais pessoas pelas oportunidades no mercado de trabalho. O curso, único em Belo Horizonte, oferecido pela Santa Casa, teve de mudar a frequência de trimestral para mensal. O salário médio no Brasil, segundo a Pesquisa Salarial da Catho, é de R$ 1.250. Mas, segundo profissionais da área, os vencimentos podem variar entre R$ 2,5 mil e R$ 3,5 mil, dependendo do porte da funerária.
Sem emprego e um tostão no bolso, Edwilson tinha 18 anos quando passou em frente a uma funerária e decidiu pedir emprego. Foi trabalhar com ornamentação, mas logo se especializou, estudou tanatopraxia, e, desde então, se dedica de corpo e alma à profissão. “Já trabalhei em escritório, em vários ambientes. Não troco o tanatório por nenhum outro emprego que tive”, afirma. “Meus amigos brincam comigo: ‘Nossa, você é frio, não tem coração’. É o contrário, pois eu preparo o corpo com muito amor. A profissão me fez mudar muito e viver a vida mais alegre. Por que a gente vai terminar onde? Todos na mesa de tanato…”
Aspectos éticos da profissão
Fabiane Yemanjá, de 19 anos, arrancou gargalhadas dos companheiros de classe ao ser questionada por que havia se matriculado em um curso de tanatopraxia. “Minha mãe mandou”, rebateu a estudante, recém-aprovada na faculdade de enfermagem. Fabiane e outros 19 alunos, de diferentes idades, cidades e formações, demonstravam grande interesse e empolgação a cada slide exibido pelo professor, que variava desde ensinamentos básicos de proteção individual a imagens do dia a dia de um instituto médico legal (IML).
“Quando minha mãe me matriculou, porque sabia que poderia me ajudar na enfermagem, tive pesadelos com sangue e nem dormi. Fiquei preocupada em entrar em depressão, mas depois de dois dias de aula já estou dormindo em cinco minutos”, conta Fabiana, destacando a importância de compreender a profissão antes de julgá-la.
O conteúdo do curso, oferecido em Belo Horizonte pela Santa Casa, engloba aspectos teóricos e práticos. O curso dura uma semana, além de quatro aulas de estágio supervisionado, e custa R$ 2.422, parcelado em cinco vezes. “É um público heterogêneo que nos procura, pessoas que já trabalham em funerárias, técnicos de enfermagem até profissionais que querem mudar de área em busca de nova ocupação ou aumento salarial”, explica o professor Rogério Araújo Filho.
É o caso de Mauro Dias Costa, ajudante de caminhão e garçom. “Um amigo fez o curso e, em menos de dois meses conseguiu emprego. Nunca me incomodei em ver pessoas mortas. Estou compreendendo e gostando”, conta. Rogério destaca também que muitos alunos se matriculam no curso por curiosidade. “E muita gente vem pela curiosidade, mas atentamos muito para os aspectos éticos da profissão, do respeito aos corpos. Logo nas primeiras aulas, as pessoas já passam a ter uma nova visão deste trabalho.”
ATUALIZAÇÃO 29/5/2017 16h27: Em Belo Horizonte, além da Santa Casa, a UFMG também oferece o curso de tanatopraxia desde o fim de abril.