Ator denuncia agressão por interpretar homossexual em peça de teatro

Durante uma partida de futebol entre conhecidos, homem xingou, deu socos e chutou um dos jogadores, que interpreta personagem gay em espetáculo

Junia Oliveira
Gerson Marques (D), em cena da peça 'Certos rapazes', que teria levado o agressor a confundir realidade e ficção e escancarando sua homofobia - Foto: Divulgação da produção
A que ponto chega o preconceito? Num caso ocorrido anteontem à noite na Região Metropolitana de Belo Horizonte, ele se traduz na intolerância. Tamanha, que levou um homem a escancar a homofobia ao “confundir” ficção com realidade, personagem com gente real. Durante uma partida de futebol entre conhecidos, xingou, deu socos e chutou um dos jogadores, por achar que ele é homossexual. A vítima é heterossexual  e interpreta um personagem gay numa peça de teatro em cartaz na capital. A atitude do agressor escancarou a homofobia, a conivência de pessoas capazes de presenciar atos de covardia sem nada fazer para interrompê-los, e como o desrespeito à identidade de gênero e orientação sexual está entranhada na ignorância.

 

“É aterrorizante, porque a gente não acredita como alguém acha que você é gay, vem para cima e te ataca agressiva e fisicamente”, relata o ator Gerson Marques, de 23 anos, um heterossexual que sentiu na pele o que até então estava retratando apenas na ficção. O futebol era sagrado às quartas-feiras e, até anteontem, nenhuma brincadeira de cunho preconceituoso jamais havia sido feita.

Gerson acredita que o agressor tenha visto numa rede social postagens sobre a peça Certos rapazes – o nosso amor a gente inventa, vídeos de entrevistas e depoimentos sobre o personagem Pedro Henrique. A peça, que tem ainda o ator Guilherme Neves, que dá vida a um outro Guilherme, conta a história de dois rapazes de vidas completamente diferentes, que se conhecem num aplicativo e têm um relacionamento. “Cheguei e essa pessoa começou a me chamar de veado, bicha.

Ignorei e continuei jogando bola. Ele estava lá para me provocar. Na cabeça dele, acha que sou gay. Durante o jogo, percebi que ele estava me marcando demais, com voadoras, empurrões, cotoveladas e fui me defendendo disso”, conta.

Ao receber uma voadora nas costas, que ainda lhe deixa o corpo dolorido, Gerson parou o lance. “Perguntei qual o problema dele com veado, se era homofóbico, se era machista, trazendo a discussão sobre o que ele estava falando, que era grave e imoral. Ele se sentiu ofendido por eu chamá-lo de homofóbico e machista. Começou a insinuar que eu estava encostando e relando nele, usando o futebol para me aproveitar”, acrescenta.

Depois de pôr em evidência a gravidade da situação, o ator preferiu continuar o diálogo, mas o homem começou as agressões físicas, lhe dando socos e chutes. A ação durou cerca de 15 minutos. “Ninguém se importou com a atitude dele nem separou. Estavam achando graça. Fui só me defendendo, pois não queria brigar com ele”, afirma. Ao conseguir se desvencilhar do rapaz, Gerson foi embora discretamente, aproveitando que o futebol havia sido retomado pela turma.

“Todo mundo estava conivente e sabia que ele estava me provocando, esperando apenas que eu revidasse para ir também para cima de mim. Sabia que estava em desvantagem. Eu consegui refletir sobre o que poderia ocorrer naquele momento e depois”, diz.

Segundo a vítima, o fato deu ainda mais força para seguir com a peça. “Quando fazemos o espetáculo, trazemos o máximo de verdade. Apesar de ficção, as pessoas se identificam, pois é o que a sociedade vive, o amor, a cumplicidade, os pesares, todos os preconceitos e opressões, homofobia e racismo. A peça é uma mensagem de amor, de cumplicidade, de que toda forma de amor vale a pena.”

O ator diz que a agressão leva a uma reflexão sobre a situação de milhares de pessoas no país. Dados divulgados no início do ano pelo Grupo Gay da Bahia mostram que o ano de 2016 foi o mais violento desde 1970 contra pessoas LGBTs: foram registradas 343 mortes. Os números fazem do Brasil o campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. “A luta é contra o preconceito, a homofobia, tudo. Numa sociedade tão evoluída e avançada, ainda há uma parte rasa que pensa baixo, que é muito ignorante”, diz.

“Todo dia alguém está morrendo por causa desse preconceito. Sentir isso na pela é uma forma de se sentir encorajado a lutar ainda mais por esse movimento, que é a liberdade de ser.”

 

SERVIÇO
Certos rapazes
o nosso amor a gente inventa

Local: Teatro Sesiminas (teatro de bolso). Rua Padre Marinho, 60, Santa Efigênia.
Sextas e sábados, às 21h, e domingos, às 19h
Ingressos: Posto do Sinparc ou pelo vaaoteatromg.com.br

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