A palavra que mais define a reunião é acolhimento. Na sala da igreja, lotada com mais de 50 pessoas em uma noite de quarta-feira de maio, todos podem ser o que são e trocar experiências próprias ou no trato com familiares, relacionadas às diferenças na vivência da sexualidade. Durante o encontro, quem compartilhou ideias foi a advogada Aurora Ramalho, mãe da transgênero Raphaela, que também apareceu no fim para conversar com os participantes, arrancando calorosos aplausos de quem a ouvia.
Aurora disse que teve de conviver com uma criança triste por 13 anos, por não haver espaço para que ela assumisse seu gênero. Antes mesmo da chegada da menina que nasceu em corpo de menino, a mãe já enfrentava dificuldade para fazer o batismo por ser mãe solteira. No relato, disse ter sido uma alegria o dia em que a filha falou sobre o assunto, para poder finalmente ajudá-la.
O tom da conversa é de total abertura. Não há assuntos proibidos, e todos são sempre permeados pela ótica da religião. “Deus não disse para a gente que você tem que amar o próximo ‘desde que’...”, destacou Aurora. Raphaela também expôs um pouco do sofrimento e do bullying que viveu na infância, além de levantar uma questão dos dias atuais: a transfobia. De acordo com ela, o preconceito contra os que mudam de gênero parte até mesmo dos próprios homossexuais.
O psiquiatra e psicanalista José Del Faro Filho, que também fez palestra sobre as características da sexualidade humana, disse que a homofobia e a transfobia são fruto do machismo e da aversão ao feminino. “O homem sublima e massacra o que é feminino, porque a primeira identidade dele é feminina”, explica, abordando teorias da psicanálise.
CONVIVÊNCIA Em meio à explanação, um homem sentado à direita aproveita a presença do profissional e, dizendo ser a questão de um terceiro, perguntou como ajudar os pais a aceitar os filhos gays: “Eu aprendi a conviver com isso, mas quando é na sua casa, você se vê totalmente sem chão”. O médico responde que a primeira coisa a fazer é deixar claro o amor pelo filho. “Não sei se é você, ou seja quem for, diga ao filho que, quando se sentir preparado para falar, vai encontrar uma pessoa que o acolha. Aceitar é com o tempo”, resumiu.
Em tempos de redes sociais em alta, a reunião do dia 24 de maio foi transmitida ao vivo pelo Instagram da paróquia. E veio de lá uma das perguntas: “Como ajudar aqueles pais que dizem que ser gay é coisa do demônio?”. De novo quem respondeu foi o psiquiatra. “Diga a esse pai que é coisa de Deus ter direito ao amor e à liberdade. Demônio é o mal que fazemos ao próximo quando somos preconceituosos”, disse.
Encorajado pela pergunta que veio de fora, outro presente citou trechos bíblicos segundo os quais as relações entre pessoas do mesmo sexo seriam “paixões vergonhosas” e motivo de “torpeza”.
"Dom de Deus para a humanidade"
Não existe uma explicação religiosa para a homossexualidade. Para o padre Marcus Aurélio Mareano, vigário paroquial e assessor da Pastoral da Diversidade Sexual, trata-se de uma característica ou de um dom. “Não é pecado. Deus quer que as pessoas sejam como ele as criou. A gente pode ver os homossexuais e transexuais como um dom de Deus para a humanidade, que enriquece nossa maneira de ser”, explica.
Para o vigário, que chegou ao Santuário São Judas Tadeu quase junto com a pastoral, o grupo se tornou especial “por acolher pessoas que antes não tinham acolhida explícita da Igreja”. Ele comemora o sucesso da iniciativa, que vem atraindo mais pessoas ao longo das reuniões. “Talvez o número não seja tão alto ainda porque só temos um ano, mas considero muito o fato de as pessoas que antes tinham dificuldade de se aproximar da Igreja por não se sentir incluídas agora serem participantes. Elas também vão mudando da imagem que tinham da Igreja, que antes pensavam ser fechada, retrógrada e moralizante.”
O vigário diz que, aos poucos, as pessoas vão se abrindo e combatendo o preconceito pelo conhecimento. Mais do que os próprios homossexuais, o grupo reúne familiares, que muitas vezes têm dificuldade de aceitar a situação dentro de casa.
Questionado sobre um assunto ainda polêmico na Igreja Católica, o casamento gay, padre Marcus também demonstra abertura. “Na Europa já ocorre, é comum casais fazerem cerimônia civil e ir para a igreja para a religiosa, que não é o sacramento do matrimônio, porque não existe ainda. Não sei se o papa Francisco estará vivo para ver, mas acredito que vá chegar a esse ponto”, diz.
No Brasil, o primeiro casamento homoafetivo foi celebrado em Alagoas, em janeiro de 2015, pelo bispo católico dom Fernando Pugliese, da Diocese de Maceió, integrante da Igreja Católica Brasileira, dissidente da Apostólica Romana, que na ocasião se manifestou contra a celebração. Em abril de 2016, o Vaticano divulgou o documento “Alegria do amor”, no qual registrou que a Igreja não deve discriminar os homossexuais, mas que o casamento entre pessoas do mesmo sexo não está no “desenho de Deus”.
Em Belo Horizonte, padre Marcus diz que o arcebispo metropolitano dom Walmor Oliveira apoia a Pastoral da Diversidade Sexual, “está contente com o processo” e “incentiva” o Santuário São Judas Tadeu a ter coragem para continuar. O Estado de Minas não conseguiu ouvir o líder religioso, que estava em um retiro com bispos de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Onde ir
Quem quiser participar da Pastoral da Diversidade Sexual pode procurar a Secretaria do Santuário São Judas Tadeu. Segundo a coordenadora, Camila da Silva Santos e Souza, qualquer um pode comparecer. “A pastoral se reúne sempre nos horários divulgados na igreja e quem tiver interesse em algum acompanhamento espiritual, o padre Marcus faz essa parte”, diz. O próximo encontro será no dia 21. A missa organizada pelo grupo ocorre no terceiro domingo de cada mês, às 20h. A pastoral também anuncia que prepara um retiro, com um dia inteiro dedicado a reflexões e orações, em 8 de julho. O santuário fica no Bairro da Graça, na Região Nordeste de BH. Os telefones da secretaria são (31) 2526-4648 ou (31) 2526-4164. .