Desrespeito em cruzamento onde imprudência matou jovem não parou com tragédia

Reportagem do EM voltou à Rua Estoril, no Bairro São Francisco, em BH, e constatou uma manobra irregular a cada três minutos

João Henrique do Vale Mirna de Moura

Manobra proibida se repete exatamente no mesmo ponto onde adolescente de 16 anos acabou atropelado: táxi ultrapassa ônibus em área de faixa contínua e em um cruzamento - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS

Em apenas três dias, a imprudência no trânsito provocou as mortes de dois jovens em Belo Horizonte, chamando a atenção para abusos, imprudência e desrespeito às leis, frequentes nas ruas da capital. A primeira vítima foi o adolescente Paulo Augusto Dalmazio Fonseca, de 16 anos, morto na sexta-feira pelo Gol dirigido pela estudante de direito Dênis Couto Batista, de 28, que fazia uma ultrapassagem proibida na Rua Estoril, no Bairro São Francisco, Região da Pampulha. Na noite de domingo, Gil Júlio de Souza, de 32, que fugia da polícia, matou um homem e feriu duas pessoas depois de subir na contramão um dos viadutos do Complexo da Lagoinha, ligação com o Centro da capital. Além das infrações que tiraram vidas de inocentes, os dois casos têm outra característica em comum: os dois responsáveis pelas tragédias já estão de volta às ruas.

 

                    Justiça concede alvará de soltura a motorista que matou jovem no ponto de ônibus

 

E infrações como as que eles cometeram estão longe de ser casos isolados, como comprovou ontem o Estado de Minas. De volta ao local da tragédia no Bairro São Francisco, a equipe de reportagem testemunhou a média de uma manobra irregular a cada três minutos no Rua Estoril, onde moradores denunciam falta de fiscalização e de sinalização para pedestres, estacionamento em locais proibidos e fiscalização precária, tudo somado à imprudência e à má educação no trânsito.

Ultrapassagens irregulares como a que provocou a morte do adolescente se repetem durante todo o dia na Rua Estoril, esquina com a Rua Beira Alta, ligação entre a Rua Boaventura e a Avenida Antônio Carlos. Em 45 minutos, a equipe do EM flagrou 14 manobras perigosas, feitas pelos condutores de um táxi, uma ambulância, um caminhão, seis carros e quatro motocicletas. Todas ocorreram pela impaciência do motorista para aguardar o veículo da frente.

O movimento da Rua Estoril é intenso e, a cada veículo de grande porte que parava em um dos pontos, os “apressadinhos” não se inibiam em ultrapassá-lo, apesar da faixa contínua que proíbe a manobra. Foram os poucos segundos que seriam economizados nesse tipo de infração que custaram a vida do estudante Paulo Dalmazio Fonseca.

O motorista que o atropelou, Dênis Couto Batista, ultrapassava vários veículos, ignorando não só a faixa amarela, como a área de cruzamento. Seu Gol, na contramão, colidiu com um EcoSport que fazia conversão permitida à esquerda. Sem controle, o carro de Dênis invadiu a calçada, onde o adolescente esperava carona para ir à escola. Quando os primeiros socorristas  atenderam o jovem, ele já estava inconsciente e com sangramento na cabeça. Ao chegar, um médico do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) constatou a morte.

“No horário em que ocorreu o acidente, a rua é sempre um caos. O movimento é intenso e as filas de carro alcançam a rua de cima. Só este ano, vi pelo menos 10 acidentes aqui”, disse Noel Martins, de 62 anos, que mora há 40 na via onde ocorreu a tragédia. “Aqui não poderia ser mão dupla, a rua é muito estreita para a quantidade de carros e ônibus que passam”, disse Martins, que pretende se reunir com vizinhos para cobrar providências. Segundo agentes da BHTrans ouvidos pelo EM no dia do desastre, a solução para o perigo seria transformar a Rua Estoril em mão única. Porém, a Rua Alcobaça, uma das opções para o fluxo em direção contrária, não tem saída, por encontrar o Córrego São Francisco, barreira natural para a continuidade da via.

Além do desrespeito, contribuem para a insegurança na Rua Estoril a calçada estreita e a dificuldade para atravessar a via, já que faltam sinais de trânsito e faixas de pedestres. “Fiquei três meses em cadeira de rodas. Na época, levava meia hora para conseguir atravessar. Não é a primeira vez que alguém morre aqui.
Eu mesma quase fui vítima”, disse uma das moradoras, que vive há 26 anos na rua, mas prefere não se identificar. Ela também denuncia o número de carros estacionados irregularmente, o que contribui para obrigar condutores a invadir a contramão. Enquanto a equipe do EM esteve no local, dois carros e uma van dificultavam o fluxo de tráfego.

Depois da morte do estudante, a BHTrans informou que vai implantar na via placa de velocidade máxima de 40 km/h e sinalização no asfalto, com a legenda “Devagar – 40 km/h”, além de revitalizar as placas que proíbem estacionar. Sobre o acidente da última sexta-feira, a empresa municipal ressaltou que ocorreu por desrespeito às leis de trânsito pelo motorista.

Carros estacionados ajudam a tornar caótico o tráfego na Rua Estoril - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A PRESS
LIBERDADE
O universitário de direito Dênis Couto Batista, responsável pela manobra que resultou na morte de Paulo Fonseca, recebeu liberdade provisória ainda no domingo, um dia depois do sepultamento de sua vítima. Dênis havia sido preso na sexta-feira, horas depois do desastre, e deixou a cadeia depois de ganhar direito a liberdade provisória sem pagamento de fiança.

O delegado de plantão da Polícia Civil considerou o caso como homicídio culposo (não intencional), com agravante de o atropelamento ter ocorrido sobre o passeio. O Ministério Público pediu a conversão da prisão em flagrante para preventiva. Porém, o juiz que analisou o processo decidiu pela soltura de Dênis, conforme pedido da defesa. Entre os argumentos usados pelo magistrado está o que o motorista é réu primário. “Constato que o autuado é primário, está cursando o 7º período do curso de direito e possui residência fixa, se comprometendo a comparecer a todos os atos processuais”, escreveu o magistrado em sua decisão.

IMPUNIDADE Segundo o consultor de trânsito Alfredo Peris, que já ocupou a direção do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), várias questões precisam ser aprimoradas para que de fato se reduza a violência no trânsito. “A começar pelos casos em que as punições não são cumpridas e o motorista responsável por um acidente fatal não fica preso, muitas vezes pagando multa com cesta básica.
O processo de suspensão do direito de dirigir também é demorado, portanto esse condutor continuará dirigindo”, comenta Alfredo.

Outra questão levantada pelo consultor é a falta de repasse do dinheiro arrecadado em multas no trânsito para ações educativas que visam ao aumento da segurança. “A União, os estados e municípios estão aplicando essas verbas em outras áreas, que não a educativa, desviando para o aumento da pavimentação e obras públicas. É preciso que haja mais campanhas em bares, escolas, locais públicos,  para reverter esse o quadro de mortes que só aumenta”, diz Alfredo.

*Estagiária sob supervisão do  editor André Garcia

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