Para o religioso, a pobreza da região acaba favorecendo o tráfico e o aumento do consumo de crack. “Em função da pobreza e da fragilidade financeira da região, a disputa de territórios entre os donos das bocas de fumo é muito grande”, afirma Joel Pereira. Atualmente, a unidade que dirige mantém 17 internos, dos quais 15 tentam se livrar do vício do subproduto da cocaína. “Não cobramos dessas pessoas. O nosso trabalho é cristão, feito por amor ao próximo”, afirma Joel Pereira.
E são muitos os que precisam desse tipo de socorro. Mais do que a capacidade de quem quer socorrê-los.
A situação representa um martírio não apenas para ele, mas também para sua família. A mãe do usuário de crack, a auxiliar de serviços gerais Lucineia (nome fictício), afirma que, para comprar a droga, Daniel passou a roubar objetos dentro de casa. Ela mesmo o denunciou à polícia por duas vezes. Em nenhuma delas o rapaz chegou a ser detido. “A polícia disse que iria procurar por ele na rua. Depois, disseram que não encontraram e ficou por isso mesmo”, relatou Lucineia, que é viúva e sobrevive com um salário-mínimo.
Na batalha para ver o filho livre da pedra ao mesmo tempo em que luta para sustentar a família, ela conta que Daniel já chegou a levar para a “boca de fumo” para trocar por droga até brinquedo de um filho dele, de 6 anos, criado pela avó. “Ele só não levou a geladeira e o sofá porque não aguenta carregar na cabeça”, conta. Coisas menores, porém, viraram fumaça nas mãos do rapaz, incluindo cinco telefones celulares, três aparelhos de DVD, dois ventiladores e até roupas de cama.
A inspiração de quem venceu
É possível vencer o crack? “Claro que sim.
O ex-dependente de crack disse que só melhorou de vida a partir do momento em que, há seis anos, foi encaminhado para tratamento na comunidade terapêutica Casa de Israel, entidade assistencial localizada na zona rural de Montes Claros, que sobrevive de doações. Depois de conseguir se libertar do vício em nove meses de tratamento, Alex decidiu continuar no centro de recuperação ajudando outras pessoas. “Fiquei lá durante quatro anos, cinco meses e 20 dias”, descreve.
Hoje, além de trabalhar, Alex leva uma vida tranquila, longe das drogas.
A equipe de reportagem do Estado de Minas permaneceu uma manhã na comunidade terapêutica Casa de Israel, onde Alex conseguiu se reabilitar. A entidade, localizada no km 16 na BR-365 (estrada Montes Claros/Pirapora), mantém atualmente 11 internos, dos quais nove tentam se libertar do crack. Além de medicação, acompanhamento psicológico e atividades religiosas, eles contam com laborterapia, com atividades em uma horta.
O responsável pelo projeto social, Luciano Quintino, explica que a internação na comunidade terapêutica se destina a pessoas que buscam o tratamento por vontade própria. A entidade não tem fins lucrativos e sobrevive exclusivamente de doações. Mas, diante da demanda cada vez maior, devido ao aumento do consumo de crack, as comunidades terapêuticas enfrentam dificuldades, afirma. “Infelizmente, não temos apoio do poder público.”
Palavra de especialista
Robson Sávio dos Reis, integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O desafio da segregação
“Há uma epidemia de crack no Brasil, essa, lamentavelmente, é a verdade. É uma droga barata, de fácil aquisição e acesso. Causa uma imensa dependência. Não é causa de problemas ou da violência nas cidades, mas é uma consequência de uma sociedade excludente, violenta, injusta e desigual, que não consegue tratar de forma digna nem as pessoas que ela mesmo considera ‘normais’, menos ainda quem ela faz questão de ignorar e segregar. Por isso, trata-se de um problema de ordem social e política, que deve ser tratado como questão de saúde pública e assistência social, e não como problema policial.”
Epidemia de fim incerto
O Estado de Minas mostrou em sua edição de ontem que o crack se tornou um desafio de fim imprevisível na capital, onde chegou há 21 anos, quando o sistema de saúde registrou os primeiros casos de uso da droga. A rede de acolhimento e tratamento, que tem dado resposta positiva dentro da sua capacidade, ainda está distante de se mostrar como solução. Do total de atendimentos por dependência química, metade está relacionada a drogas e a outra metade ao álcool. Na fatia que representa o consumo de entorpecentes, o crack é responsável por 20%. Minas Gerais tem 853 municípios, mas apenas 60 Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (Caps-AD), especializados nesse tipo de atenção. Por outro lado, projeto em BH usa experiência de ex-dependentes para ajudar usuários a vencer o vício.