Epidemia fora de controle em Belo Horizonte, onde a rede de atenção aos usuários é reconhecidamente insuficiente, o crack, que deixou há muito de ser problema das capitais, já não se restringe às maiores cidades do interior e se alastra por pequenos municípios, inclusive na zona rural.
Nesses lugares, a venda e o consumo da pedra proliferam à sombra da menor repressão policial e fazem dependentes que contam com uma estrutura ainda menor na saúde pública, menos apoio de entidades assistenciais do terceiro setor e capacidade inferior das famílias e do próprio poder público para enfrentar um drama para o qual nem as grandes economias do país têm resposta. A realidade cobra um preço ainda mais caro em regiões como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, onde o flagelo do consumo da droga se soma ao desemprego, à pobreza e à seca, desafios históricos dessas regiões.
A pedra vem encontrando terreno fértil para prosperar em especial em municípios da região que contam com plantios em projetos de irrigação, como Janaúba e Jaíba. Um avanço que se revela em situações como a do trabalhador rural Fabrício (nome fictício), de 37 anos, que tenta se libertar do vício em uma comunidade terapêutica em Montes Claros. Ele teve o primeiro contato com drogas aos 16 anos. Começou usando maconha e passou para cocaína. Com 24 conheceu o crack e a dependência saiu do controle. Natural de Janaúba, onde vivia na área urbana, ele relata que trabalhava em colheitas de banana e passou a intercalar o consumo com o serviço nos perímetros irrigados da região. “No começo eu trabalhava durante o dia e fumava à noite”, conta o lavrador, revelando que conhece outros colegas de lavoura que também se tornaram dependentes.
Para conseguir se manter no emprego, Fabrício conseguiu disfarçar o vício durante certo tempo. Mas conta que foi ficando cada vez mais dominado pela droga. “O crack é muito envolvente. Dá muita sensação de prazer na hora do uso e a pessoa não quer parar mais”, relata o trabalhador rural, revelando que chegou a fumar 60 pedras do entorpecente em três dias. Nessa altura já não era mais possível disfarçar. “Acabei perdendo oportunidades de emprego. As pessoas não confiavam mais no meu trabalho”, conta. Sem serviço, ele se afundou mais e mais no vício. “Passei a carregar as coisas de dentro de casa e a roubar para comprar pedra. Cheguei a ser preso por roubo e fiquei 30 dias trancado”, relata.
O trabalhador rural conta que em 2012 foi encaminhado para o centro de recuperação em Montes Claros. Após nove meses de tratamento, saiu “limpo”. No entanto, ao retornar a Janaúba teve uma recaída. Há dois meses Fabrício chegou à comunidade terapêutica onde está atualmente. Afirma que está conseguindo viver longe do crack e se mostra confiante em conseguir se livrar da dependência, graças à força de vontade e à fé. “Busco sempre Deus. Sem a presença de Deus a gente não consegue largar o vício”, afirma.
Irrigação faz girar negócios e drogas
Jaíba, cidade de 33,5 mil habitantes, que sedia o projeto de irrigação de mesmo nome, é uma das cidades do Norte de Minas onde a criminalidade mais avançou nos últimos anos. Junto dela, cresceu o consumo de drogas, incluindo o crack. Policiais que atuam no município revelam que, mesmo sem números oficiais, é possível constatar o aumento do consumo da pedra, pela concentração de usuários em terrenos vagos e também em locais próximos às barrancas do Rio Verde Grande, que corta área urbana.
O sargento Fábio Fernandes da Silva, que trabalha com o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proed), da Polícia Militar em Jaíba, confirma o crescimento do uso de crack no município e revela que a droga chegou à zona rural e aos núcleos urbanos do projeto local de irrigação. Para ele, o próprio empreendimento, o maior perímetro irrigado em área contínua da América Latina, contribui para a invasão da droga. “Por causa do projeto, a cidade tem um grande movimento de pessoas que chegam de outros lugares. Isso favorece a venda e o consumo de drogas”, disse o militar.
Além das palestras em escolas, realizadas por intermédio do Proerd, o sargento Fábio Fernandes adota uma estratégia para tentar retirar crianças e jovens do caminho do crack e de outras drogas com a ajuda do esporte. Ele criou e coordena uma escolinha de futebol, que reúne crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Segundo o sargento, mais de 200 alunos participam atualmente das atividades.
Maioria da população de rua é dependente
Cidade polo do Norte de Minas, Montes Claros, com seus 394 mil habitantes, vê o consumo de crack nas ruas avançar “de forma assustadora”, como define o próprio diretor de atenção da Secretaria de Saúde do município, Bruno Pinheiro de Carvalho. Segundo ele, não há um levantamento oficial sobre o consumo da droga na cidade, mas um dado dá indício da dimensão do problema: a prefeitura tem um cadastro de 600 moradores de rua, dos quais 70% são dependentes da pedra. Além disso, dos cerca de 1 mil cadastrados no único Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e Drogas (Caps-AD), 60% são dependentes do entorpecente.
Segundo Bruno Carvalho, o crack apareceu no município em meados da década de 1990 e de para lá cá se transformou em uma situação extremamente preocupante. Até porque o índice de recaídas de usuários em tratamento é de espantosos 60%. O diretor frisa que contribuiu para o avanço da droga o fato de Montes Claros ser uma cidade que recebe grande número de migrantes dos vizinhos menores do Norte de Minas.
Ele acrescenta que o serviço municipal de saúde aborda e atende os dependentes de crack e outras drogas por intermédio da “busca ativa”, o chamado Consultório na Rua, integrado por equipe multidisciplinar, que inclui médico e outros profissionais. Mas afirma que os dependentes, em sua grande maioria, preferem permanecer nas ruas e evitam comparecer às unidades de saúde e de apoio, como o CAPS-AD, afastando-se também de suas famílias. “Eles se isolam do mundo e buscam a droga como refúgio”, disse o diretor, que mesmo assim reconhece que apenas um CAPS-AD em Montes Claros é insuficiente para atender à demanda.
Nesses lugares, a venda e o consumo da pedra proliferam à sombra da menor repressão policial e fazem dependentes que contam com uma estrutura ainda menor na saúde pública, menos apoio de entidades assistenciais do terceiro setor e capacidade inferior das famílias e do próprio poder público para enfrentar um drama para o qual nem as grandes economias do país têm resposta. A realidade cobra um preço ainda mais caro em regiões como o Norte de Minas e o Vale do Jequitinhonha, onde o flagelo do consumo da droga se soma ao desemprego, à pobreza e à seca, desafios históricos dessas regiões.
A pedra vem encontrando terreno fértil para prosperar em especial em municípios da região que contam com plantios em projetos de irrigação, como Janaúba e Jaíba. Um avanço que se revela em situações como a do trabalhador rural Fabrício (nome fictício), de 37 anos, que tenta se libertar do vício em uma comunidade terapêutica em Montes Claros. Ele teve o primeiro contato com drogas aos 16 anos. Começou usando maconha e passou para cocaína. Com 24 conheceu o crack e a dependência saiu do controle. Natural de Janaúba, onde vivia na área urbana, ele relata que trabalhava em colheitas de banana e passou a intercalar o consumo com o serviço nos perímetros irrigados da região. “No começo eu trabalhava durante o dia e fumava à noite”, conta o lavrador, revelando que conhece outros colegas de lavoura que também se tornaram dependentes.
Para conseguir se manter no emprego, Fabrício conseguiu disfarçar o vício durante certo tempo. Mas conta que foi ficando cada vez mais dominado pela droga. “O crack é muito envolvente. Dá muita sensação de prazer na hora do uso e a pessoa não quer parar mais”, relata o trabalhador rural, revelando que chegou a fumar 60 pedras do entorpecente em três dias. Nessa altura já não era mais possível disfarçar. “Acabei perdendo oportunidades de emprego. As pessoas não confiavam mais no meu trabalho”, conta. Sem serviço, ele se afundou mais e mais no vício. “Passei a carregar as coisas de dentro de casa e a roubar para comprar pedra. Cheguei a ser preso por roubo e fiquei 30 dias trancado”, relata.
O trabalhador rural conta que em 2012 foi encaminhado para o centro de recuperação em Montes Claros. Após nove meses de tratamento, saiu “limpo”. No entanto, ao retornar a Janaúba teve uma recaída. Há dois meses Fabrício chegou à comunidade terapêutica onde está atualmente. Afirma que está conseguindo viver longe do crack e se mostra confiante em conseguir se livrar da dependência, graças à força de vontade e à fé. “Busco sempre Deus. Sem a presença de Deus a gente não consegue largar o vício”, afirma.
Irrigação faz girar negócios e drogas
Jaíba, cidade de 33,5 mil habitantes, que sedia o projeto de irrigação de mesmo nome, é uma das cidades do Norte de Minas onde a criminalidade mais avançou nos últimos anos. Junto dela, cresceu o consumo de drogas, incluindo o crack. Policiais que atuam no município revelam que, mesmo sem números oficiais, é possível constatar o aumento do consumo da pedra, pela concentração de usuários em terrenos vagos e também em locais próximos às barrancas do Rio Verde Grande, que corta área urbana.
O sargento Fábio Fernandes da Silva, que trabalha com o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proed), da Polícia Militar em Jaíba, confirma o crescimento do uso de crack no município e revela que a droga chegou à zona rural e aos núcleos urbanos do projeto local de irrigação. Para ele, o próprio empreendimento, o maior perímetro irrigado em área contínua da América Latina, contribui para a invasão da droga. “Por causa do projeto, a cidade tem um grande movimento de pessoas que chegam de outros lugares. Isso favorece a venda e o consumo de drogas”, disse o militar.
Além das palestras em escolas, realizadas por intermédio do Proerd, o sargento Fábio Fernandes adota uma estratégia para tentar retirar crianças e jovens do caminho do crack e de outras drogas com a ajuda do esporte. Ele criou e coordena uma escolinha de futebol, que reúne crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Segundo o sargento, mais de 200 alunos participam atualmente das atividades.
Maioria da população de rua é dependente
Cidade polo do Norte de Minas, Montes Claros, com seus 394 mil habitantes, vê o consumo de crack nas ruas avançar “de forma assustadora”, como define o próprio diretor de atenção da Secretaria de Saúde do município, Bruno Pinheiro de Carvalho. Segundo ele, não há um levantamento oficial sobre o consumo da droga na cidade, mas um dado dá indício da dimensão do problema: a prefeitura tem um cadastro de 600 moradores de rua, dos quais 70% são dependentes da pedra. Além disso, dos cerca de 1 mil cadastrados no único Centro de Apoio Psicossocial - Álcool e Drogas (Caps-AD), 60% são dependentes do entorpecente.
Segundo Bruno Carvalho, o crack apareceu no município em meados da década de 1990 e de para lá cá se transformou em uma situação extremamente preocupante. Até porque o índice de recaídas de usuários em tratamento é de espantosos 60%. O diretor frisa que contribuiu para o avanço da droga o fato de Montes Claros ser uma cidade que recebe grande número de migrantes dos vizinhos menores do Norte de Minas.
Ele acrescenta que o serviço municipal de saúde aborda e atende os dependentes de crack e outras drogas por intermédio da “busca ativa”, o chamado Consultório na Rua, integrado por equipe multidisciplinar, que inclui médico e outros profissionais. Mas afirma que os dependentes, em sua grande maioria, preferem permanecer nas ruas e evitam comparecer às unidades de saúde e de apoio, como o CAPS-AD, afastando-se também de suas famílias. “Eles se isolam do mundo e buscam a droga como refúgio”, disse o diretor, que mesmo assim reconhece que apenas um CAPS-AD em Montes Claros é insuficiente para atender à demanda.