Acidente com ônibus clandestino que matou 11 em Salinas expõe fiscalização precária

Desastre com ônibus clandestino que matou 11 pessoas no Norte de Minas revela que falta de fiscalização e brechas legais, além de veículos e motoristas em condições duvidosas, abrem caminho para mais acidentes e vítimas

Luiz Ribeiro Guilherme Paranaiba
Uma combinação de fatores favorece o esquema de transporte clandestino rodoviário de passageiros que dia após dia corta as estradas de Minas Gerais, e ajuda a entender ao menos boa parte das circunstâncias por trás do macabro acidente que matou 11 pessoas e deixou 20 feridas na manhã de ontem, em uma curva da BR-251 próximo à cidade de Salinas, no Norte de Minas.
As brechas da lei que garantem liminares a empresas irregulares, o déficit de servidores nas instituições responsáveis por fiscalizar o setor e a carga tributária elevada – que influi na disparidade de preços entre companhias legalizadas e ilegais – são apenas alguns exemplos.


O acidente em Salinas envolveu um coletivo clandestino que partiu de São Paulo com destino a Euclides da Cunha (BA). A suspeita da Polícia Rodoviária Federal (PRF) é que o condutor tenha cochilado ao volante. O veículo passou reto na curva e, em alta velocidade, tombou duas vezes. O tacógrafo revelou que o coletivo estava a 120 km/h quando se acidentou. A violência do desastre em alta velocidade fez com que dezenas de passageiros fosse atirados para fora do veículo. Muitos corpos ficaram mutilados e outros ficaram presos sob a carcaça do ônibus, em uma cena que chocou os primeiros socorristas.


O motorista, identificado apenas como Maurício, sobreviveu e fugiu do local. Ele Saiu de São Paulo com a missão de dirigir quase 2,3 mil quilômetros.

A viagem tinha previsão de durar em torno de 28 horas. O coletivo havia percorrido aproximadamente 1,2 mil quilômetros quando passou reto na curva, tendo passado, até chegar ao Norte de Minas, em frente a postos de fiscalização. Porém, a falta de servidores para a fiscalização e outras brechas favoráveis aos “genéricos”, como são apelidados os carros do transporte irregular de passageiros, abriram caminho para a tragédia.


E outras tendem a acontecer, pois não há previsão de mudanças desse cenário a curto prazo. Com isso, veículos precários, sem vistoria e com manutenção deficiente, condutores sem qualificação, treinamento ou descanso continuarão cortando as estradas do estado com maior malha viária do país. E se envolvendo em acidentes.

INVESTIGAÇÃO Segundo o delegado Renato Nunes Henrique, da Polícia Civil no Norte de Minas, o motorista que causou o acidente responderá a inquérito por homicídio culposo (não intencional) e lesão corporal. Mas poderá, dependendo das investigações, ser indiciado por homicídio doloso (com intenção de matar). “Como condutor, ele tem que saber que não pode entrar numa curva a 120 km por hora”, afirmou.


A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), uma das responsáveis pela fiscalização de ônibus como o que se acidentou em Salinas, admitiu que o quadro de servidores está longe do ideal. “A ANTT tem 990 servidores de carreira (58,1% do total estabelecido na lei de criação). Em maio de 2016, a agência encaminhou solicitação ao Ministério do Planejamento para concurso com 704 vagas. Mas, por causa de diretrizes governamentais que remetem à suspensão de autorizações de concursos públicos para 2016 e 2017, a solicitação foi indeferida”, informou o órgão governamental.


O inspetor Aristides Júnior, chefe do Núcleo de Comunicação Social da Polícia Rodoviária Federal, informou que a fiscalização sobre esse tipo de irregularidade não é uma operação fácil de realizar, embora assegure a existência de trabalhos rotineiros nos postos da corporação. A primeira dificuldade é o fato de a abordagem aos “genéricos” só poder ser feita em postos da PRF, devido à falta de infraestrutura necessária para alocar passageiros nos demais pontos das estradas.


A segunda dificuldade, na avaliação do representante da PRF, é a necessidade de paralisar o restante do trabalho policial, caso ocorra um flagrante, por se tratar de uma espécie de ocorrência considerada complexa. “O ideal seria combater o transporte clandestino antes do começo da viagem. É uma situação que acaba sendo transferida para as polícias rodoviárias (federal e estaduais).

O problema é que não há equipe de fiscalização para estar em todos os lugares. Outra dificuldade é que os infratores fazem rotas alternativas para fugir da fiscalização”, afirmou o policial.


Foi o que ocorreu com o ônibus que se acidentou ontem, segundo os primeiros levantamentos da Polícia Civil. Para fugir das vistorias, o coletivo deixou São Paulo e teria entrado no Triângulo Mineiro. De lá, seguiu em rotas alternativas até o Norte de Minas, onde deveria prosseguir até a BR-116, a Rio-Bahia.

O inspetor da PRF acrescentou que a corporação tem um convênio com a ANTT para fiscalizar os ônibus que fazem transporte interestadual e internacional de passageiros, mas no caso do transporte intermunicipal não tem autonomia para fiscalizar, sozinha, os coletivos que rodam entre cidades mineiras. Nesse caso, o convênio firmado com o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem (DEER) serve para que o parceiro estadual use os postos da corporação para fazer a fiscalização. “Podemos parar os ônibus para eles fiscalizarem, mas não podemos fazer a fiscalização por nossa conta”, disse Aristides Júnior.

Segundo o DEER, de 1º de janeiro a 15 de junho de 2017, 1.233 veículos flagrados no transporte clandestino de passageiros foram multados em Minas. Destes, 170 foram apreendidos. A estatística, contudo, leva em conta todos os veículos: ônibus, vans, automóveis e até motocicletas. Já a ANTT apreendeu 24 veículos no estado do início do ano a 16 de junho.
- Foto: Arte EM

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