Há quem insira lacres no medidor para diminuir o consumo de energia. Outros puxam a fiação elétrica diretamente do poste ou furtam a luz do vizinho. Independentemente da tática, as medidas são consideradas criminosas. “A sociedade acredita que somente as camadas desfavorecidas praticam este tipo de delito, mas a fraude ocorre em todas as camadas sociais, inclusive na classe média alta.
Os infratores podem responder por crime previsto no artigo 155 do Código Penal, que prevê multas e pena de um a oito anos de reclusão, além da obrigação de ressarcimento de toda a energia furtada e não faturada em até 36 meses, de forma retroativa. A população pode denunciar irregularidades pelo telefone 116.
O prejuízo acaba pesando no bolso do consumidor honesto. “A perda é rateada entre a Cemig Distribuição e todos os consumidores adimplentes, diminuindo os ganhos da distribuidora e encarecendo a tarifa para aqueles que usam a energia de maneira honesta”, disse Marco Antônio. Ainda segundo o gerente, a tarifa dos consumidores mineiros poderia ser até 5% mais barata se não houvesse ligações irregulares e clandestinas na área de concessão da empresa.
Para coibir esta ação, a empresa vem desenvolvendo desde agosto operações para identificar consumidores fraudulentos. “A Cemig acompanha o consumo de mais de 8 milhões de clientes em todo o estado e, além de fazer a rotina diária de inspeções através dessa avaliação de consumo, estamos fazendo mutirões em 774 municípios de Minas Gerais”, afirma. A cada 15 dias, um bairro em Minas Gerais é alvo da operação.
Em agosto, por exemplo, a empresa fez um mutirão no Edifício JK, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, onde foram identificados 95 casos de suspeitas de irregularidade em equipamentos e medições e realizados 130 cortes de energia de moradores em inadimplência. Em setembro, a companhia fez inspeções em dois pontos bastante frequentados por belo-horizontinos: o primeiro mutirão teve foco em bares e restaurantes do Bairro de Lourdes, onde foram encontradas fraudes em cinco estabelecimentos, e no Edifício Maletta, ambos na Região Centro-Sul, onde foram identificados 62 casos suspeitos de irregularidade em equipamentos de medição.
Também a badalada região cercada por bares e restaurantes da Avenida Alberto Cintra, no Bairro União, na Região Nordeste, e o Bairro Belvedere, na Centro-Sul, foram alvos de inspeção. Até abril foram contabilizados 45 mil processos de cálculos de irregularidades (medidores que comprovadamente tinham problemas) devido às inspeções em unidades consumidoras, número 63% maior em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2017, até maio já haviam sido realizadas 23.064 inspeções em unidades consumidoras com suspeitas de irregularidades. A próxima parada é o Hipercentro da capital mineira.
Para o cientista social Robson Sávio, integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, práticas como a de fraudes na conta de luz refletem um problema de educação de segmentos entre os brasileiros. “Nossa educação é totalmente individualista, pois estimula as pessoas a ‘se darem bem’, independentemente de princípios éticos. Isso tem a ver com a ideia distorcida da distinção dos termos ‘público’ e ‘privado’.
EM RESUMO
R$ 300 milhões
é o prejuízo anual da Cemig com ligações irregulares
5%
mais barata poderia ser a conta se não houvesse furto de energia
63%
maior o total de irregularidades até abril, comparado com o mesmo período de 2016
Ligação clandestina vira um risco
Apesar de aparentemente não apresentar um perigo visível, a eletricidade exige cuidados para evitar acidentes que podem deixar sequelas graves. Segundo a Cemig, as ligações irregulares e clandestinas representam a segunda maior causa de mortes com eletricidade no Brasil, atrás apenas de acidentes fatais na construção civil e manutenção predial.
“Toda vez que uma pessoa não habilitada faz qualquer tipo de conexão na rede elétrica, ela corre um risco muito grande. Ela pode tomar um choque e sofrer consequências graves. Desde queimaduras a problemas cardíacos, que podem levar à morte em segundos. É sempre muito perigoso. Um erro que pode ser fatal.”, diz Rodney Rezende, professor do Departamento de Engenharia Eletrônica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O especialista explica que alterar o medidor, mais conhecido como relógio, pode causar curto circuito e até provocar um incêndio. Ele observa que esse tipo de golpe muitas vezes é realizado com a intervenção de “especialistas” contratados para tal fim.
Além do risco de causar graves acidentes, as ligações irregulares podem provocar danos aos equipamentos elétricos e queda na qualidade da energia devido às constantes interrupções no sistema. Isso se explica pela sobrecarga gerada a partir do consumo irregular.
QUESTÃO SOCIAL Diferentemente das “ligações irregulares” – aquelas em que medidores de consumo de energia são alterados – também há as “ligações clandestinas”. Visível em postes energizados, a prática é muito comum em aglomerados e na periferia das grandes cidades. Assim como os “gatos” da região nobre, também são considerados atos ilegais. Porém, a questão desafia a Cemig de forma diferente. “Trata-se de um problema social e precisamos da parceria com o poder público para reverter esse quadro e regulamentar a área”, detalha Marco Antônio. Estima-se que mais de 100 mil famílias usem ligações clandestinas no estado, sendo que 80 mil estão na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Mexer em postes de alta-tensão pode ser tão ou mais perigoso que alterar os medidores em casa. Agrava o problema o fato de pessoas manusearem fios em uma grande altura. “Além do choque, a pessoa pode cair e se machucar”, lembra Marco Antônio. Para evitar tal problema, o gerente explica ser necessária a regulamentação do serviço, com a parceria da PBH, o torná-lo o espaço “Área Especial de Interesse Social”. Com isso, pode-se fazer a manutenção dos postes e tornar os moradores regulares.
Já para auxiliar estes moradores de baixa renda, a Cemig criou o projeto “Energia Cidadã”, que possibilita a substituição de equipamentos de alto consumo, como lâmpadas, geladeiras e chuveiros por outros mais eficientes e econômicos. “O objetivo é reduzir o consumo e a demanda de energia nas casas dos consumidores de baixa renda”, afirma o gerente. Além disso, equipes orientam os consumidores sobre o uso eficiente e seguro da energia elétrica..