Cartão-postal de Belo Horizonte, protegido pelo patrimônio histórico e cenário por onde passam casais apaixonados, crianças brincando e amigos se divertindo, a Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, tem experimentado mudanças em sua rotina. No local conhecido por proporcionar o maior espetáculo de luzes da capital, durante o Natal, as noites têm sido sombrias, com falhas de iluminação que reforçam outros riscos e as queixas constantes de frequentadores.
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O acúmulo de problemas agravado pela escuridão é comprovado por quem acompanha rotineiramente a movimentação no lugar. De acordo com a arquiteta Vanessa Matos Mendes, de 36 anos, nos dois últimos anos a praça tem se transformado em cenário de descaso. “A situação está horrível. À noite fica tudo escuro. No início da manhã, quando trago meu filho para brincar, o espaço está cheio de lixo e não dá nem para tirá-lo do carrinho. Tem lixo de todo tipo e até cacos de vidro”, afirma Vanessa. Segundo ela, o problema passa também por falta de conscientização das pessoas e de mais rigor dos órgãos públicos para a limpeza após eventos, que são frequentes no local.
O servidor público Marcelo Silva Cardoso, de 27, e sua namorada, Rosiane Teixeira, de 26, vizinhos da praça, escolhem também a noite para frequentar o local e fazer caminhadas. “Há pessoas, principalmente depois das 20h30, que não cuidam do espaço público. O ambiente chega a ficar inseguro, com moradores de rua fazendo abordagens ríspidas aos visitantes. Há grupos agressivos, como o que dia desses hostilizou um deficiente visual que frequentemente está na praça, chamando-o de ceguinho”, relatou Marcelo. Rosiane chama a atenção para os pontos pouco iluminados da praça, em que há maior concentração de usuários de drogas, o que reforça a sensação de insegurança.
Gustavo Felipe Muthz, de 42, o deficiente visual citado pelo servidor público Marcelo, confirma o quadro hostil à noite. “Aqui já foi melhor. Mas vem sendo frequentado por pessoas que fazem do local ponto de consumo de drogas. As brigas têm sido constantes. Já fui roubado e alvo daqueles que vêm para cá com uma cultura de ódio. Pessoas maléficas”, contou Gustavo, personagem cotidiano da Praça da Liberdade. A questão da venda de droga citada por ele foi constatada pela equipe do Estado de Minas, abordada por dois jovens que ofereciam “balinhas”, gíria usada para drogas sintéticas como o ecstasy.
Para o médico Maurício Araújo, de 58, e sua mulher, a advogada Lílian, de 50, a caminhada à noite tem um horário limite na praça. “Até as 21h há certo clima de segurança. Depois disso, não arriscamos, pois temos relatos de que uma jovem foi agredida e roubada aqui”, explica Maurício. “A iluminação no entorno da praça, onde fica a pista para caminhar, deixa a desejar. Não tem como dizer que estamos seguros”, reforçou Lílian.
CONSTRANGIMENTO Henrique Furst, de 18, e a namorada Amanda Fontana, de 17, elegeram a Praça da Liberdade como cenário para a comemoração atrasada do Dia dos Namorados. Tiveram o cuidado de escolher um banco próximo ao coreto, uma das áreas mais bem iluminadas e movimentadas. “É raro virmos aqui, mas é um espaço agradável, pelos elementos arquitetônicos tradicionais da cidade”, disse Henrique, ao justificar a escolha do local. “Ah, quando ele sugeriu a praça, pensei: ‘Procurar o que lá?’. Mas, acompanhada, o ambiente até que é bem acolhedor. Só não venho aqui à noite sozinha de jeito nenhum”, afirmou Amanda, que mesmo estando em uma área bem iluminada não escapou do constrangimento de um rapaz fazendo de uma árvore próxima um mictório a céu aberto.
A professora Grazielle Pinho, de 35, junto com o marido Silvério, de 36, e os filhos Emanuel, de 6, e Samuel, de 4, não parecia preocupada em passear por um dos pontos escuros da Praça da Liberdade, no entorno da fonte principal, próximo à Rua Gonçalves Dias, onde foi denunciado o estupro de uma adolescente. “Com a praça cheia, com viaturas policiais, não vejo motivo para me preocupar. Mas deveria ter uma iluminação melhor. Em dias de pouco movimento, não me arriscaria a passar por aqui à noite”, assinala.
Mas há quem discorde e veja outras prioridades no espaço. O designer Vitor Adler, de 23, e sua namorada Dayane Bessa, de 19, dizem não se sentir inseguros à noite na praça. “Não vejo aqui um lugar perigoso, com risco de agressão e roubo. Existem cuidados com o meio ambiente, como o gramado, que são mais importantes que a iluminação”, sugere Dayane. “A penumbra próximo à fonte é um charme, um espaço que atrai os casais. O local escuro não é necessariamente uma área de risco. O morador de rua no espaço público não é um assaltante. É preciso cautela para não ver o que não existe, numa tentativa de higienizar o ambiente”, disse Adler.
Insegurança crescente
Para o presidente da Associação dos Amigos da Praça da Liberdade (Apralibe), Aroaldo de Macedo, desde que a sede do governo estadual e o comando da Polícia Militar deixaram de ser vizinhos da Praça da Liberdade, cartão-postal da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, há um quadro de insegurança crescente, com aumento da frequência de usuários de droga e criminosos. “À noite não tem como frequentar a praça com tranquilidade. É o principal espaço público da área central, que infelizmente sofre com degradação ambiental, com jardins servindo de moradias e bancos de camas daqueles que estão vivendo na praça. Temos lutado para reverter a situação, mas falta vontade política”, denunciou Macedo.
Em relação à escuridão criticada por usuários do espaço, a Prefeitura de Belo Horizonte informou em nota que “neste mês começa a parceria público-privada da iluminação pública, com previsão, inclusive, de atuação na Praça da Liberdade”. Com relação à questão da ocupação do espaço por moradores de rua, inclusive com a montagem de barracas, uma abordagem ao problema está prevista no plano de ação da administração para o hipercentro da capital, segundo a PBH.
O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) informou, por meio de nota, que restaurou 39 postes e trabalha em um projeto, em parceria com a Cemig, de revisão de paisagismo e manejo da praça – o que também implica a melhoria da iluminação. A execução desse projeto é de responsabilidade da mineradora Vale.
A assessoria da Vale informou que é responsável pela manutenção da iluminação na praça, seguindo o padrão original. Porém, não está autorizada instalar novos pontos de luz, com risco da descaracterização do patrimônio. A Cemig informou em nota que, de acordo com Resolução Normativa Aneel 414/2010, de 15 de setembro de 2010, a iluminação pública é de responsabilidade do município. No caso da Praça da Liberdade, a decisão de melhoria da iluminação na praça e seu entorno é da Prefeitura de BH com a anuência do Iepha, por ser uma área tombada.
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Proteção estadual
O conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça da Liberdade foi tombado em 2 de junho de 1977 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). A medida contempla os edifícios do centro cívico – o Palácio da Liberdade e antigas secretarias de estado –, e estende-se aos jardins, lagos, alamedas, fontes e monumentos da praça, bem como as fachadas de diversas edificações do seu entorno.