De acordo com a Jamille, ela passou o fim de semana com o marido, que mora na capital paulista, e embarcou para retornar a Belo Horizonte na noite de segunda-feira. Após quatro horas de viagem, o ônibus parou em Perdões e ela desceu com o bebê para lanchar. “Foi então que entrei no banheiro e uma moça deu a mão para a minha filha e começou a brincar. M.
Foi naquele momento, sustenta Jamille, que uma faxineira da lanchonete perguntou à outra mulher, que tem cerca de 30 anos: “Essa preta aí pegou sua filha?” “Foi quando todos questionaram se eu era mesmo mãe da criança”, afirma Jamille. Ela conta que a mulher que tentou sequestrar M. tinha em mãos uma certidão de nascimento de uma menina chamada Jéssica, que teria 1 ano e 8 meses. Nesse momento, relata, a mulher continuou a gritar que M. era filha dela e acusou Jamille de sequestradora. “A faxineira puxou M. do meu colo e a entregou para a mulher. Ela disse que M. jamais poderia ser minha filha porque ela é branca e eu sou negra”, afirmou. Segundo Jamille, outros três funcionários da lanchonete – duas mulheres e um homem – ajudaram a arrancá-la do seu colo. A mulher teria chegado a colocar a criança dentro do carro e a posicionado em uma cadeirinha de bebê.
“Eu fiquei muito apavorada e não sabia como provar o contrário.
O marido de Jamille, Roberto Edaes, de 25, diz que o caso expõe o racismo que há no país. "Infelizmente não será a primeira vez nem a última que ocorrerá esse tipo de situação.
Ele considera inclusive que as pessoas podem ter agido dessa forma porque se tratava de uma mulher. "Se fosse com um homem negro e a filha branca também haveria esse mesmo questionamento? Precisamos debater isso, precisamos ficar atentos”, completou.
ESTRUTURAL “A suspeita da maternidade é apenas um fragmento das recorrentes cenas de racismo e discriminação racial que ocorrem cotidianamente no Brasil. Os últimos censos apontam que os casamentos interraciais, por exemplo, entre negros (autodeclarados pretos e pardos) e brancos não são tão comuns quanto nos parece. Herança do racismo, negros e negras quando têm filhos e filhas fenotipicamente brancos são tratados como ‘cuidadores e cuidadoras’ dessas preciosidades”, afirma Aline Neves, militante negra, professora da Educação Básica e Pesquisadora do Programa Ações Afirmativas na UFMG. “Na escola, no restaurante, no parquinho, em inúmeros lugares, estará a mulher negra colocada em suspeita”, diz.
Para a especialista, o ocorrido com Jamille Edaes apresenta dois fragmentos de sofrimento para a mulher: o risco de se perder um filho e a ofensa racial, devido a difenreça genética entre amabas. "Não é difícil imaginar o medo de nome da vítima diante do risco de ter a filha roubada. Entre os dois corpos em luta pelo direito da criança, e a fragilidade do discurso de uma mulher negra, cuja filha não tem o mesmo fenótipo que o dela, está o racismo para definição da maternidade. Como pode uma mulher negra ter uma filha branca? O imaginário não nos permite aproximações, pois até mesmo a beleza é hierarquizada, os sentimentos são hierarquizados e tudo segue a favor desta mulher branca. A humilhação em ter que provar a que filha é sua, nome da vítima, é semelhante aqueles que têm seus filhos apartados de si pelo fato da vulnerabilidade, em especial em Belo Horizonte – mães órfãs."
Segundo o cientista-social Robson Sávio, integrante do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da Pontifícia Universidade Católica (PUC Minas) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é preciso uma investigação apurada, atenta aos perigos da rodovia. “É preciso analisar se trata-se de uma situação pontual ou se essa mulher que teria tentando sequestrar a criança faz parte de uma quadrilha. Outra opção é que ela tenha princípios fascistas, que acredite na supremacia branca e ache que tirar aquela criança de um berço negro seria um ‘favor’ para ela”, disse.
Ele pondera que as estradas se tornam locais propícios para esse tipo de crime, devido à falta de articulação entre policias. “Falta uma articulação entre as polícias Federal, estaduais e rodoviárias militares. Além do tráfico de pessoas, o de drogas e o de armas são constantes”, afirma. E mais: Todas as dificuldades enfrentadas pela vítima para conseguir registrar um boletim de ocorrência também desencorajam as pessoas a fazer o mesmo, comenta.