Um grito de alerta sobre o Arrudas

Intervenção com dois atores e montes de lixo suspensos em rede acima do ribeirão que corta BH denuncia agressão representada pelo curso d'água que virou esgoto a céu aberto

Guilherme Paranaiba


Pessoas que passaram pela Avenida dos Andradas na manhã de ontem levaram um susto ao se deparar com dois atores e um monte de lixo pendurados em uma rede na passarela da Estação Santa Tereza do metrô, na Região Leste de Belo Horizonte, sobre o Ribeirão Arrudas.
A intervenção artística, batizada de Dilúvio MA , faz parte da programação da 20ª edição do Palco Giratório, festival que leva espetáculos teatrais às ruas e também a espaços fechados de todo o Brasil, com programação gratuita. Neste ano, Belo Horizonte e outras sete cidades mineiras recebem as atrações.

A curadora do festival em Minas, Carol Fescina, explica que a obra Dilúvio MA, da Ecopoética de Porto Alegre (RS), pela primeira vez saiu do Rio Grande do Sul e o resultado esperado foi alcançado, pois a intervenção deixou as pessoas muito impressionadas. “Os artistas mostram uma relação muito forte com o meio ambiente. O objetivo é chamar a atenção para a necessidade de cuidar desse ambiente. E a obra está em cima do Ribeirão Arrudas, um lugar por onde a gente passa diariamente sem olhar, mas que é um esgoto a céu aberto”, afirma a curadora.

Carol também conta que a performance dos artistas dentro da rede é totalmente desacelerada, representando um contraponto ao ritmo acerelado da cidade em sua rotina. “Não houve uma pessoa que estivesse fazendo caminhada pela pista da Avenida dos Andradas que não diminuísse o ritmo para observar a intervenção”, disse ela. A encenação começou às 7h e foi desmontada às 10h.
Os espetáculos previstos na programação do Palco Giratório vão até domingo na capital. Depois, serão apresentados também em Araxá, Poços de Caldas, Uberaba, Uberlândia, Montes Claros, Contagem e Almenara. Informações sobre os eventos podem ser obtidas em www.sescmg.com.br/palcogiratorio.

CONTAMINAÇÃO Pelo leito do Arrudas, sai de Belo Horizonte a pior e mais vergonhosa contribuição para o Rio das Velhas. Na forma de uma água escura, contaminada principalmente por esgoto e lixo, o ribeirão que corta a capital mineira de Oeste a Leste foi considerado pelas medições do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) o mais poluído tributário do Alto Rio das Velhas, um obstáculo químico e biológico à vida no cursa d’água.

De acordo com a avaliação do Igam no Resumo Executivo da Qualidade das Águas Superficiais de Minas Gerais de 2016, lançado em março, o Arrudas apresenta próximo à sua foz no Rio das Velhas um Índice de Qualidade das Águas (IQA) de conceito “muito ruim”, o que pode “ser associado, além dos lançamentos de esgotos domésticos de Belo Horizonte e Sabará, também aos efluentes de indústrias metalúrgicas, siderúrgicas, químicas e têxteis”.

O monitoramento do Igam identificou na foz do Arrudas e também nos ribeirões do Onça e Isidoro os efeitos crônicos e agudos da eutrofização, que é o processo de superpopulação das águas por microorganismos, o que leva a uma queda acentuada da disponibilidade de oxigênio, inibindo a proliferação dos peixes e da vida aquática. Mais uma vez, o resumo aponta esse desequilíbrio como resultado “dos lançamentos de esgotos domésticos e efluentes industriais dos diversificados polos industriais presentes nos municípios de Belo Horizonte, Sabará, Contagem, Baldim e Santa Luzia”.

TRATAMENTO A Copasa informou, por meio de nota, que é responsável somente pelo monitoramento da qualidade da água de mananciais usados para o abastecimento público, o que não é o caso do Arrudas. Acrescentou que a redução da carga orgânica lançada no ribeirão é feita por meio da coleta, interceptação e tratamento do esgoto na Estação de Tratamento Arrudas. A unidade tem capacidade para processar 3.375 litros de esgoto por segundo, o que, segundo a companhia, é suficiente para atender a população de Contagem e BH nos próximos 30 anos.

Atualmente, são tratados 2.200 litros por segundo, o que corresponde a 90% de todo o esgoto gerado na bacia. “A coleta e o tratamento de 100% do efluente só será possível a partir de intervenções em fundos de vale pelas prefeituras de Contagem e Belo Horizonte, para viabilizar a execução de obras de infraestrutura de saneamento”, afirma o texto. Além disso, é necessária a interligação dos imóveis que têm rede disponível na rua, mas que não estão conectados aos serviços de esgotamento sanitário. “Em ação conjunta com as prefeituras, a Copasa vem desenvolvendo o Programa Caça-Esgoto em vários bairros e regiões, com o objetivo de identificar e eliminar os lançamentos indevidos nos cursos d’água e nas galerias pluviais”, conclui a nota.

A Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap) foi procurada para comentar a situação do Arrudas, mas até o fechamento desta edição não retornou. A Prefeitura de BH informou que o assunto só pode ser tratado com a autarquia, e que a resposta será dada hoje. A Prefeitura de Contagem também informou que só hoje se pronunciará sobre o assunto. (Com Mateus Parreiras)
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