Após quatro anos, cicatrizes das manifestações contra a Copa em BH ainda deixam legado

Disputa de 2013, que hoje se repete na Rússia, deixou em BH memória de destruição e quebradeira, especialmente entre empresas da Avenida Antônio Carlos, perto do Mineirão

Mateus Parreiras
Faixas de aluga-se e portas fechadas tomaram o lugar de vários negócios em uma das avenidas mais movimentadas da cidade - Foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press

As palavras “Adeus Copa”, riscadas há quatro anos no portão enferrujado de uma antiga estamparia, são um dos poucos vestígios que restaram do movimento de depredações e protesto que transformou a Avenida Presidente Antônio Carlos, na Pampulha, em um campo de batalha entre manifestantes e forças de segurança pública durante a Copa das Confederações de 2013, em Belo Horizonte. Na Rússia, a edição atual da mesma competição transcorre sem qualquer protesto, mas na capital mineira, especialmente naquela área, os dizeres podem ser interpretados hoje como uma despedida de vários negócios que funcionavam em um dos mais movimentados corredores de tráfego da cidade, já que os confrontos e ataques ao comércio mudaram definitivamente a região.


Concessionárias de veículos atacadas e saqueadas deixaram os imóveis que ocupavam, dois comerciantes que foram alvos de vandalismo quebraram e se mudaram, desocupando as lojas, e o posto de combustíveis  que quase foi pelos ares quando suas bombas foram danificadas acabou tendo de mudar de dono, pois o da época não aguentou os custos dos protestos e o prejuízo que veio depois, com a saída de outros comerciantes que eram clientes do negócio. Entre os alvos aparentemente difusos dos protestos estavam a realização da Copa do Mundo no Brasil, o aumento das passagens de ônibus em BH, a insatisfação com a classe política, com a corrupção e com a crise econômica.


Uma das cenas mais marcantes da época ocorreu quando a empresária Ana Paula Rabelo Freitas, de 47 anos, implorou para que os vândalos que tinham invadido e estavam saqueando a estamparia da família fossem embora. Passadas as manifestações, ela preferiu deixar o imóvel e nenhum dos vizinhos sabe do seu paradeiro. “Logo depois que a Copa das Confederações acabou, ela foi embora. Foi uma ação muito violenta, com ela e a família correndo risco de vida. Nem todo mundo lida bem com isso”, conta o arquivista Márcio Teixeira, de 57 anos, que trabalha em  empresa vizinha à antiga estamparia.


As marcas do vandalismo ainda estão por lá, na pichação que foi riscada no portão de ferro e nas janelas estilhaçadas do segundo andar do imóvel. Na época, Ana Paula contou ao Estado de Minas como convenceu os saqueadores a ir embora.

“Já cheguei chorando, segurando os ladrões pelos ombros e implorando para que não roubassem nem destruíssem nada. Aquele é o nosso ganha-pão. Alguns se sensibilizaram, foram embora, outros fugiram levando monitores de computador e suprimentos do escritório. Foi então que meu filho chegou gritando, dizendo que a polícia estava chegando. Isso fez com que o resto se fosse. Já passei por tudo. Acho justas as manifestações, mas roubos e vandalismo não vão mudar o país”, disse.


Um pouco adiante, a concessionária da montadora coreana Kia também fechou as portas, deixando apenas um galpão vazio, com uma placa de aluga-se. Responsáveis pelo negócio informaram na época que tiveram
R$ 1 milhão em prejuízo. Em 26 de junho de 2013, enquanto Brasil e Uruguai se enfrentavam pela Copa das Confederações, as vidraças da empresa eram estilhaçadas, seus computadores, roubados e um caminhão, arrancado da garagem, depredado e incendiado. Outras três concessionárias atacadas também acabaram deixando a avenida, mesmo com o fim do evento esportivo. De acordo com o sindicato do setor, o prejuízo total foi da ordem de R$ 16 milhões em todas as lojas.

RESISTÊNCIA A única concessionária que resistiu, mesmo depois de ter sido praticamente destruída, foi a Hyundai Caoa. Por ficar perto do acesso ao Mineirão, a empresa foi praticamente demolida a pedradas, chutes e pauladas. O preparador e entregador de carros zero quilômetro Amilton Ferreira, de 43, é um dos que trabalhavam lá na época.

“Estava no jogo do Brasil. Quando desci a avenida e vi que a loja tinha sido destruída, senti uma tristeza enorme. Depois, imaginei que seria demitido, porque não tinha mais onde trabalhar”, lembra. Contudo, os funcionários da concessionária foram transferidos para outra unidade e um ano depois retornaram aos seus postos. “Acho que foi uma violência sem sentido, vandalismo mesmo. Passou tudo aquilo e o Brasil não mudou nada”, afirma.


Quem também viveu momentos de tensão foi a gerente do posto de gasolina entre a Avenida Antônio Carlos e a Rua Noraldino de Lima, Maria dos Anjos. “Na primeira manifestação nós nos trancamos na loja de conveniência. A multidão queria invadir a loja para se proteger do gás lacrimogêneo. Depois vieram os vândalos e a polícia fez uma barreira para impedir que quebrassem os vidros e entrassem. Foi muito pânico.

Nem sabíamos o que fazer, como reagir. Ficamos parados aqui dentro, enquanto quebravam o posto do lado de fora”, lembra.


Na manifestação seguinte, o posto foi cercado por tapumes, mas nem isso conseguiu deter os vândalos. Tudo foi danificado e até fogo tentaram atear às bombas de combustível, o que foi impedido pelos próprios manifestantes. “Depois daquilo, muito clientes, comerciantes e funcionários pararam de consumir no nosso posto, porque foram embora daqui. Isso ajudou a dar mais prejuízo e forçou o dono a vender”, conta a gerente.

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