O cenário de guerra em plena Praça Sete no primeiro dia útil depois do fim do prazo dado a camelôs para deixarem ruas e avenidas do Hipercentro de Belo Horizonte mostra que a retirada poderá ser mais dura do que se imaginava. Apesar de projeto da Prefeitura de BH (PBH) para realocá-los em shoppings e feiras, parte da categoria está resistente e exige solução imediata. Ontem, a administração municipal lançou operação ostensiva. Sem brecha para montar bancas, caixas, armações e demais expedientes para exposição de mercadorias, os camelôs reagiram, fechando o trânsito do coração da cidade, colocando fogo em caixotes e gritando palavras contra o prefeito Alexandre Kalil (PHS). Em resposta, a Polícia Militar soltou bombas de gás lacrimogênio e disparou spray de pimenta contra os manifestantes. No início da noite, houve novo protesto. Pelo menos 14 pessoas foram presas.
A ação da PBH começou cedo, com a presença de 400 agentes, entre guardas municipais, fiscais e policiais militares ocupando as ruas mais visadas pelos camelôs e também fazendo rondas nas demais vias do Hipercentro. O ponto base da operação foi montado na esquina da Rua dos Carijós com a Rua São Paulo, onde os ambulantes começaram a se juntar depois das 9h para definir o que fariam mediante a repressão. Fiscais conversaram e tentaram orientar sobre a proibição da atividade, prometendo apreender mercadorias caso os ambulantes insistissem em montar as bancas. Duas horas depois, o grupo fechou a Praça Sete, pôs fogo em pedaços de madeira e bloqueou o trânsito. Após negociação com a PM, o tráfego foi liberado, mas a confusão começou no quarteirão fechado da Rua dos Carijós. Uma mulher foi atingida por um tiro de borracha e a PM soltou bombas de efeito moral e gás lacrimogênio para dispersar os camelôs. O vidro de uma viatura da PM foi quebrado e uma chave de fenda apreendida pela Guarda Municipal. Novamente a Praça Sete foi fechada.
A ambulante Cheila Cristina Ribeiro de Almeida, de 25 anos, ficou revoltada com a situação. “Tem muito ladrão aí que está batendo a mão no peito das pessoas e roubando cordão, abrindo bolsa no meio da rua, roubando celular. E camelô não, camelô está aqui trabalhando, fazendo o serviço honestamente. Então, é um absurdo a gente chegar pra trabalhar e não poder”, afirmou Cheila. Neiva Pimentel, de 51, que há 28 atua como ambulante, diz que a categoria tem conhecimento de que o Código de Posturas da capital mineira proíbe a ocupação das ruas e calçadas sem autorização, mas pediu compreensão da prefeitura. “A gente gostaria de ter um lugar que fosse permitido trabalhar de forma organizada, como a Praça da Rodoviária, por exemplo. Alguém precisa nos ouvir”, afirma.
SUBSÍDIOS Enquanto a categoria protestava no Centro, a secretária municipal de Serviços Urbanos, Maria Caldas, anunciava em entrevista coletiva que a operação estará diariamente nas ruas e avenidas do Hipercentro impedindo a montagem das bancas dos camelôs, com apreensão das mercadorias se necessário. Ela adiantou que em 21 de julho será feito um sorteio com as primeiras vagas para os camelôs em shoppings populares privados. Eles vão ocupar espaços como se estivessem em uma feira, não tendo boxes inicialmente. Num segundo momento, a prefeitura espera que os vereadores aprovem o projeto de subsídio dos aluguéis.
“Eles (shopping) assinariam como se fosse um contrato com o poder público que garante que a prefeitura alugue essas vagas por cinco anos para um programa de inserção produtiva. Se o camelô ali na frente não quiser ou encontrar outra opção, essa vaga volta para a prefeitura, que coloca novamente uma pessoa em situação similar no shopping”, diz Maria Caldas. Inicialmente, os camelôs pagariam R$ 30 mensais para ocupar os espaços no formato de feiras nos shoppings privados. Ao fim do subsídio, eles pagariam R$ 800, valor que é mais baixo do que a média de R$ 1,2 mil cobrada hoje por aluguel e condomínio. Além disso, a PBH também vai abrir 55 vagas no Shopping Caetés e pretende ampliar a oferta em mais 100.
A aposta da PBH é qualificar esses trabalhadores para que eles tenham condições de tocar seus negócios, diferentemente do que aconteceu em 2004, quando, depois do fim da parceria, os valores subiram muito. Ir para shoppings populares agrada os ambulantes, mas eles temem não conseguir pagar o aluguel depois. Outros consideram que a alocação em centros comerciais ou feiras deveria ser imediata.
Correria e loja fechada no coração da capital
Praça Sete vazia, lojas fechadas, correria. Ontem, no auge do confronto entre camelôs e a Polícia Militar, quem pôde se escondeu nas portarias de prédios comerciais e hotéis. Na Galeria do Ouvidor, pessoas se amontoavam atrás das grades. O coração da cidade e o canteiro central da Avenida Afonso Pena, entre Amazonas e Tupinambás, foram tomados por homens da elite da Polícia Militar. Até mesmo o caminhão blindado da corporação se posicionou estrategicamente próximo ao Pirulito, sendo usado para jogar água e dispersar manifestantes.
Por volta das 14h, a Avenida Afonso Pena foi reaberta ao trânsito e os pedestres retomaram as ruas. Lojas e bancos da Praça Sete e entorno foram abrindo as portas aos poucos. No início da noite, houve novo momento de tensão. As pessoas detidas foram encaminhadas para a Central de Flagrantes da Polícia Civil (Ceflan). Onze foram presas por incitação à violência e três por danos. “Foram 11 presos devidamente detectados pelas câmeras do Olho Vivo”, afirmou o chefe da sala de imprensa da PM, major Flávio Santiago.
Um grupo de camelôs desceu a Rua dos Tamoios, em direção ao corredor do Move na Avenida Paraná, fechando as portas dos comércios. Houve corre-corre. A PM soltou bomba de efeito moral para conter a ação dos manifestantes. Em reunião com militares e lideranças do movimento, ficou acertado que não haveria vandalismo. Os ambulantes seguiram para a porta da PBH, gritando palavras de ordem.
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria Municipal de Serviços Urbanos informou que não comentaria o confronto entre camelôs e PM.
Entenda o caso
» A Prefeitura de BH está fazendo valer o Código de Posturas e iniciou a fiscalização, coibindo a presença de camelôs nas ruas do Hipercentro. Só podem ficar no local artesãos, deficientes e hippies, que têm liminar para expor seus produtos em locais específicos.
» Em troca, a administração municipal promete subsidiar, durante cinco anos, os custos de vendedores ambulantes em shoppings populares privados, por meio de um projeto enviado à Câmara Municipal, da seguinte forma: o subsídio começa com os ambulantes pagando apenas R$ 30 mensalmente e ocupando espaços com a configuração de feiras livres dentro dos shoppings.
» O valor pago pelos camelôs cresce com a passagem do tempo, progressivamente. Depois dos cinco anos, os ambulantes pagariam, a partir do sexto ano, R$ 800.
» A diferença, segundo a PBH, é que eles já terão passado por cursos profissionalizantes que permitirão a eles uma organização melhor para dar conta de tocarem seus negócios. As primeiras 700 vagas em cursos dessa natureza estarão disponíveis para início das capacitações
em setembro.
» Enquanto o projeto não é aprovado, a PBH propõe ainda que os ambulantes trabalhem em bancas de shoppings populares parceiros, ao custo de
R$ 1 por dia, pelo período de quatro meses. O credenciamento dos centros comerciais interessados já foi publicado no Diário Oficial do Município (DOM).
» A PBH promete também abrir imediatamente 55 vagas no Shopping Caetés, administrado pelo município, ao custo fixo mensal de R$ 300, valor que será controlado pela prefeitura e não terá variação. Outras 100 vagas serão abertas em um segundo momento e dependem de obras no local para serem disponibilizadas.
» Outras 2 mil posições de trabalho serão abertas em feiras livres e regionais, principalmente para a venda de comida e artesanato.
Na década passada, houve conflitos pontuais
Entre os anos de 2003 e 2005, foram retirados 2.371 camelôs do Hipercentro e do Barro Preto. A saída dos ambulantes das ruas foi gradativa, à medida que os shoppings populares ficavam prontos, e levou em consideração a região onde atuavam. Enquanto os novos lugares não ficavam disponíveis, eles puderam continuar a trabalhar nos espaços públicos. Os primeiros contemplados foram os vendedores que atuavam na região da Rua Oiapoque, instalados no shopping homônimo, em 4 de agosto de 2003. Em seguida, os camelôs das ruas Tamoios, Curitiba e Avenida Paraná e entorno foram levados para o Shopping Tupinambás, na esquina com Rua Rio Grande do Sul. Na sequência, foi a vez dos shoppings Xavantes e Caetés. As ações foram feitas em cumprimento ao Código de Posturas, que entrou em vigor em 2003: o artigo 116 estabelece que qualquer atividade em logradouro público deve estar previamente licenciada pelo município e o artigo 118 proíbe o comércio de camelôs e toreros em via pública. A retirada e a manutenção das ruas livres de camelôs foi feita pelos fiscais da Prefeitura, com o apoio da Polícia Militar. Houve conflitos pontuais.