Se para alguns o inverno significa aconchego, roupas da estação e elegância, para outros é sinônimo de um drama que se agrava a cada noite de temperaturas tão baixas quanto as últimas em Belo Horizonte, que esta semana bateu recorde de frio entre as capitais. Enquanto políticas para lidar com a situação dos 4.353 moradores de rua da capital mineira ainda estão sendo gestadas pela prefeitura, nas madrugadas, os que dispensam vagas em abrigos se amontoam nas calçadas entre papelões e cobertores, em busca de calor humano para suportar o gelo da madrugada, sob risco de graves complicações de saúde. Sensibilizados, anônimos e empresas tentam fazer sua parte, com campanhas e mobilizações individuais para conseguir agasalhos e alimentos para essa população. Ontem o município também anunciou o reforço de ações nas ruas.
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MAIS FRIO O drama para os sem-teto vai continuar nos próximos dias. Alerta da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) informou ontem que as temperaturas seguem em torno de 12 graus das 18h de amanhã até as 8h de terça-feira. Por causa do vento, a sensação de frio será maior em Belo Horizonte. Na última terça, quando a temperatura teve a maior queda nos últimos 42 anos, marcando 6,1 graus, o vento de 78 km/h derrubou a sensação térmica para 9 graus negativos.
Após o aviso da Comdec, a prefeitura anunciou a intensificação de ações junto à população de rua. Ontem a Defesa Civil começou a distribuir cobertores. O horário de entrada nos abrigos do município foi ampliado até as 22h e a abordagem social, especialmente no período noturno, foi intensificada, inclusive com transporte de usuários para as unidades de acolhimento. O município anunciou ainda o reforço na oferta de alimentação nos restaurantes populares, com acesso gratuito para quem não tem teto. Cidadãos também podem colaborar registrando pelo telefone 156 situações de pessoas que se necessitam de atendimento no inverno.
REJEIÇÃO O Apesar das políticas públicas, a resistência aos abrigos públicos é uma realidade constatada nas ruas. Vanderlei Gomes de Andrade, de 37 anos, conta que há 12, depois da morte da avó, ficou desgostoso da vida e deixou a cidade em que morava, no Alto do Jequitinhonha, e a ocupação de pedreiro para perambular sem rumo. “Desde meus 25 anos estou em Belo Horizonte e nunca vi um frio como este. A gente tenta como pode, se enrolando em cobertores. Mas queria ter um teto para não passar por isso”, disse ele, que na madrugada fria aguardava uma pessoa que lhe levaria mais um cobertor. Mesmo assim, a possibilidade de ir para um abrigo não lhe atrai. “Lá tem comida boa, televisão, mas não tem como dormir, com bichos como muquirana (piolhos), percevejos e pulgas. É nojento”, justificou.
O paulistano José Roberto Silva, de 54, que já foi funcionário de uma indústria de alimentos, diz que há 13 anos está nas ruas, vivendo de biscates. Ao lado da mulher, Eunice, de 46, conta que tem esperança de ter um lugar para morar. Até lá, para eles o jeito é tentar se esquentar com cobertores doados. “Ir para abrigo não é a solução, ainda mais tendo minha mulher junto. Lá não dá para dormir em segurança e é muito cheio. Vou contando com Deus, que vai me ajudar a ter uma casa, e me dá força para suportar o frio, principalmente desses últimos dias, que está forte.”
Contra o frio da estação, tem gente disposta a levar calor humano. Caso do consultor técnico Romeirik Gomes, de 32, que distribui alimentos, cobertores e agasalhos em uma Kombi, em cinco pontos da cidade, a cada 15 dias. Ele começou com o trabalho voluntário há nove anos, distribuindo pão com manteiga. Logo, a iniciativa ficou maior e ganhou adeptos. Cerca de 20 pessoas hoje participam do grupo Abrace o Próximo. Romeirik chegou até a vender um carro para comprar uma carretinha, que é puxada pela perua e é quase do tamanho dela.
Com capacidade para 1 mil quilos de roupa, distribui exclusivamente agasalhos. Na força-tarefa, até mesmo os fornecedores dos 400 marmitex com alimentação ajudam na distribuição. “Tenho uma conta poupança somente para esse fim. Tem mês que fecho negativo e preciso tirar do meu bolso, mas quase sempre fecho positivo. Não tenho CNPJ, não sou ligado a política nem a religião”, diz. As campanhas são feitas via redes sociais e os cobertores, comprados em São Paulo ou Curitiba. “O pessoal se mobiliza mais na época do Natal e Dia das Crianças. Tirando as datas festivas, infelizmente, as pessoas se esquecem do próximo.”
RISCOS Marcos Aurélio Cota Teixeira Júnior, diretor clínico do Hospital na Residência, especializado em atendimento domiciliar, alerta que o frio traz três grandes riscos: acidentes vasculares cerebrais, infartos e hipotermia (queda na temperatura do corpo que pode ser fatal). Segundo ele, a cada redução de 10 graus na temperatura, a incidência de infarto aumenta em 7%. “Abaixo de 14 graus, a chance de AVC cresce em torno de 20% e a de infarto, em 30%”, afirma. Temperaturas baixas, explica, estimulam a produção de um hormônio que faz com que as artérias se contraiam, soltando placas de gordura no sistema circulatório e aumentando a pressão arterial, o que exige mais do coração.
Calor humano
Confira algumas das campanhas de arrecadação de agasalhos e atendimento à população de rua
» A Lafaete, empresa mineira de soluções construtivas, aderiu ao projeto social Banho de Amor, fornecendo um módulo habitacional no qual foram montados banheiros itinerantes, divididos em masculino e feminino, para a população de rua. São doados kits de higiene, roupas limpas e um lanche coletivo. O projeto está sendo montado na Praça da Estação, Centro de BH, às terças-feiras, das 19h às 22h.
» O Festival de Cinema do Shopping Del Rey, neste fim de semana, convida o público a levar mantas e outros acessórios para se aquecer durante as exibições gratuitas e ao ar livre, e a doá-los em seguida. Quem quiser, pode ainda levar agasalhos e cobertores para doação. Os itens serão entregues na comunidade Sumaré, vizinha ao centro de compras.
» O Ateliê Wäls, em parceria com a Força do Bem, está arrecadando até o dia 20 agasalhos e cobertores que serão doados a quem precisa se aquecer neste inverno. As doações valem um chope. A coleta das peças e entrega do chope ocorrem na Rua Gabriela de Melo, 566, Bairro Olhos D’Água, na Região do Barreiro, em BH.
» A campanha do Servas #CalorHumano tem 26 parceiros e mais de 20 pontos de coleta espalhados pela Grande BH. A Cia Athletica, no 3º piso do Shopping Diamond Mall, é parceira da ação desde o primeiro ano. No UniBH, os pontos de doação estão nos câmpus Cristiano Machado, Estoril e Lourdes. Doações podem ser feitas também no centro Universitário UNA, no câmpus Guajajaras, das 7h às 22h, e na Una de Pouso Alegre (Rua João Basílio, 420, Centro), das 13h às 22h. Outros pontos de doação em www.servas.org.br/novidades/confira-os-pontos-de-coleta-da-calorhumano-em-bh/
Veja a quais abrigos recorrer em caso de necessidade: