Um grupo de pais de estudantes entregou, na manhã de ontem, uma notificação extrajudicial à Sociedade Inteligência e Coração (SIC), que é mantenedora das três unidades do Colégio Santo Agostinho (BH, Contagem e Nova Lima), na pessoa de seu presidente, o frei Pablo Gabriel Lopes Blanco, e também de três diretores: Clóvis Oliveira (unidade BH), Aleluia Heringer Lisboa Teixeira (Contagem) e Lorena Macedo (Nova Lima). De acordo com a escola, o documento foi elaborado por um grupo que representa 84 responsáveis por alunos.
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Os pais enviaram, no início do ano, uma carta às direções das três unidades, assinada por mais de 200 pessoas, querendo entender o posicionamento e a postura da escola, já que não houve qualquer tipo de informação para os responsáveis pelos alunos sobre temas “relacionados aos comportamentos sexuais (homossexualismo, bissexualismo, transexualismo, contracepção) e ainda relativos à sexualidade de pessoas adultas, como a prostituição, masturbação, aborto, entre outros temas correlatos, para crianças do ensino fundamental”, conforme a notificação.
Eles ainda ressaltam o caráter negativo para as crianças e adolescentes que esses assuntos podem ter se forem expostos de forma obrigatória aos alunos, se transformando em uma “ditadura da educação” e trazendo “graves consequências”. O texto afirma ainda que, por mais que o Colégio Santo Agostinho informe que valoriza a parceria entre a escola e a família, a proposta pedagógica não está suficientemente clara. Os pais dizem ainda que todo o conteúdo recente relacionado ao tema em questão está sendo catalogado, com o objetivo de sensibilizar a escola e fazê-la refletir. Os pais chegam a criticar os professores, que, segundo eles, são despreparados para abordar temas de sexualidade e não autorizam que esses conteúdos sejam apresentados em sala, seja “através de vídeo, slides, dever de casa, exposição verbal, música, livros de literatura ou material didático”.
FAMÍLIAS
Em entrevista conjunta, três representantes do grupo, Elder Diniz, Tânia Macedo e Márcia Faria, dizem que isso poderia ter parado antes “se a escola tivesse poupado nossos filhos de conteúdos que julgamos inadequados”.
Segundo os pais, eles pretendem com a notificação que o direito de educar os filhos de acordo com os princípios da família seja preservado, no que tange às questões de sexualidade e formação moral, conforme reconhece a Constituição Federal, Pacto San José da Costa Rica de Direitos Humanos, ECA e o ordenamento jurídico brasileiro. Eles afirmam ainda que o que mais os incomoda é “que se apresentam para nossos filhos ideologias e falácias no conteúdo acadêmico apresentado em sala de aula”, citando capítulo do livro de ciências do 6º ano do ensino fundamental. Pai e mães relatam ainda que o Colégio não os chamou para falar sobre o conteúdo nem sobre a maneira como seria apresentado aos alunos, só tendo recebido os responsáveis pelos estudantes depois da entrega da carta.
Eles dizem que o termo “gênero”, como está sendo colocado em sala de aula e explicitado em apostila do CSA “informa que a identidade feminina ou masculina é uma construção social e não apenas uma determinação biológica.
A seu ver, tratados dessa maneira “a criança e o adolescente perdem os referenciais éticos e antropológicos da construção da própria identidade”, o que pode produzir “confusão”.
‘FUNÇÃO SUBSIDIÁRIA’
As famílias defendem ainda que é preciso tratar de educação sexual em casa, com os pais, que conhecem a sensibilidade e particularidade de cada um. “A escola é uma instituição que tem uma função subsidiária. Ela não pode suplantar a família. Sua missão é ajudar a função educativa própria da família, especialmente durante a infância e adolescência”, dizem. “O direito de educar não é da escola, mas dos pais, especialmente num tema que é particularmente delicado. Não é prudente que a escola ensine conteúdos que incidem na formação moral das crianças e adolescentes e que os pais consideram inadequados, muito menos quando você percebe claramente que se trata de conteúdos ideológicos, que desconstroem os valores ensinados no lar.”
Eles afirmam esperar que a questão seja resolvida de forma amigável e que a “agenda pró-ideologia de gênero seja revertida”. Caso contrário, estão dispostos a recorrer a medidas judiciais. “A ideologia de gênero é apresentada inicialmente sob a aparência de igualdade entre homem e mulher, ninguém discorda disto, porém, depois se avança além disso, desconstruindo a identidade dos meninos e meninas, e expondo que: o que é chamado de ‘gênero’ é radicalmente independente do sexo biológico. Isso é ideologia e não tem sustento científico nenhum.”
TRANSPARÊNCIA
Por meio de nota, o Santo Agostinho afirma que respeita a opinião dos pais que assinaram a notificação e ressalta que atua de forma transparente, tendo a proposta pedagógica disponível à comunidade escolar no site da instituição.
Acrescenta que a SIC está presente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso e é responsável pela educação de cerca de 12 mil alunos, com diferentes confissões e crenças religiosas. “Levando em consideração essa realidade – e também cumprindo os ordenamentos legais da educação no Brasil e as orientações das Nações Unidas –, a escola aborda os temas humanos, sociais e religiosos na perspectiva do Ensino Religioso como área de conhecimento, amparada na legislação vigente e nas próprias orientações da Igreja”, afirma a nota.
Atualmente, são atendidas diretamente pela SIC cerca de 8,5 mil alunos nas três unidades do Colégio Santo Agostinho e outros 3,5 mil alunos em cinco obras sociais no âmbito da educação. “Neste momento, o Colégio Santo Agostinho reafirma sua prática educativa humanista e de qualidade, fundamentada nos princípios cristãos, católicos e agostinianos. Com base em sua trajetória de 83 anos em Minas Gerais, amparada pela tradição de sete séculos da Ordem de Santo Agostinho, o Colégio ressalta sua sintonia com o magistério do Papa Francisco, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho e as orientações pastorais da Arquidiocese de Belo Horizonte.”
O colégio confirmou que, em abril e maio deste ano, recebeu duas cartas de teor semelhante à notificação extrajudicial. E que, a partir do dia 3 de maio, disponibilizou um comunicado com esclarecimentos aos pais e os diretores das unidades ficaram à disposição para atendimento presencial, ocasião em que foram feitos, segundo a escola, vários atendimentos em todas as unidades, mantendo o diálogo aberto com os especialistas da instituição. “O que o Colégio Santo Agostinho pode garantir a cada família que divide a formação de seus filhos com a instituição é a prática coerente dos valores agostinianos: solidariedade, fraternidade, amizade, subsidiariedade e justiça”, conclui a nota. (Colaborou Larissa Ricci)
Ponto crítico
Você é favorável à discussão de gênero nas escolas?
SIM
Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas pelo direito de decidir
“É absolutamente necessário abordar questões de gênero e sexualidade em sala de aula. Desconsiderar essas questões é desconsiderar a realidade. Ora, a escola, a educação é para preparar as pessoas para que possam exercer seus direitos, possam viver com dignidade, com autonomia e saudavelmente. Pesquisa que acabamos de fazer revela uma absoluta concordância sobre a necessidade de discussão nas escolas, seja a problemática entre homens e mulheres, seja a violência.
NÃO
Fernando Borja, pastor e vereador pelo PTdoB
“A escola tem o papel de ensinar, mas quem educa são os pais. A educação moral é da família e temos que saber esse limite. Esse princípio deve ser respeitado, porque existe uma legislação correlata da obrigação e dos direitos dos pais de a escola não apresentar algum tipo de moralidade contrária à crença da família. Para fazer uma excursão, é preciso autorização dos pais. Por que não pedi-la também nesses casos? Temos que defender o direito de os pais darem uma educação moral a seus filhos de acordo com aquilo em que acreditam.” .