Jornal Estado de Minas

Após assalto com dois mortos, moradores de Santa Margarida lamentam insegurança

Santa Margarida – Uma cidade de luto, abalada e refém do medo. O assalto a duas agências bancárias em Santa Margarida, que na segunda-feira resultou na morte de um cabo da Polícia Militar e de um segurança do Banco do Brasil, deixou apavorados moradores do município de 18 mil habitantes da Zona da Mata, a 300 quilômetros de Belo Horizonte. Expôs ainda um problema comum a várias localidades do estado: o déficit de policiamento e de equipamentos das forças de segurança pública.

“Esta viatura não recebe manutenção adequada. A Organização das Nações Unidas (ONU) recomenda um policial a cada 500 moradores. Aqui são sete, quando deveria haver 36”, reclamou um militar em trabalho na cidade. Ele e outros cerca de 250 companheiros de farda foram enviados para Santa Margarida para caçar nas montanhas da região o foragido Daniel Rodrigues Aguiar, de 34 anos, que escapou do cerco policial montado horas depois dos assaltos.

Outros três acusados de participar do ataque foram presos em área de mata anteontem. A polícia ainda não sabe quem atirou na cabeça do cabo Marcos Marques da Silva, que tinha 36 anos, e nas costas do segurança Leonardo Mendes, de 54. O corpo do militar foi enterrado na manhã de ontem, na cidade vizinha de Manhuaçu, em clima de uma grande comoção.
Uma multidão também se despediu, em Santa Margarida, do vigilante.

“O sonho do meu irmão era ver o caçula formado em odontologia. Não deixaram”, lamentou o gesseiro Líni Mendes, parente do segurança do Banco do Brasil. Ele é tio de um dos reféns usados pela quadrilha para impedir que os policiais da cidade atirassem contra os criminosos durante o assalto. “Pegaram ele logo ali e o fizeram carregar o dinheiro do Sicoob e quebrar a entrada de vidro do Banco do Brasil. Ele viu o meu irmão, que é tio dele, morrer”, completou, indignado, Línio.

A comoção tomou conta dos moradores da cidade. Pedaços de tecido preto foram pendurados em algumas fachadas, em alusão ao luto. Em frente ao imóvel em que o militar foi atingido, o cabo da reserva Antônio Henrique Pereira, de 60, se ajoelhou, na manhã de ontem, e rezou pelo ex-amigo de farda.
Depois, foi à agência do Banco do Brasil e fez o mesmo pela memória do vigilante.

“Pedi a Deus que ilumine o coração dos políticos, para que governem o Brasil com honestidade. Para que isso não volte a se repetir aqui nem em outro lugar. Que Jesus ilumine aqueles que nos governam, porque isso não podia ter ocorrido. Eu era amigo dos dois. Estou muito sentido”, disse o militar reformado.

Ele não é exceção: Santa Margarida é uma cidade pequena, rodeada por montanhas, onde quase todos se conhecem, ainda que de vista em muitos casos. Oficialmente, a criminalidade lá não é alta. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública informam que, de janeiro a maio deste ano, último dado disponível, ocorreram 12 crimes violentos. No mesmo período de 2016 foram 11.
Entretanto, moradores afirmam que muitas ocorrências não são registradas pela PM. “O problema aqui é o tráfico de drogas. Daí ocorrem furtos e arrombamentos”, contou um morador que prefere o anonimato.

Reforço de três militares


Até o início do ano a cidade contava com quatro militares. Em janeiro, recebeu o reforço de três. Essa não foi a primeira vez que criminosos invadiram uma agência bancária no município. No início de 2016, estouraram os caixas eletrônicos do Banco do Brasil. “A agência ficou fechada por um ano mais ou menos. Abriu em 2017. E agora aconteceu isso”, reclamou o aposentado José Dutra, de 73, que era amigo do militar e do vigilante mortos no ataque de segunda-feira.

Aliás, José faz questão de contar, o segurança do Banco do Brasil entrou em seu lugar quando ele se aposentou.
“Fui eu que o indiquei para o gerente. Depois que me aposentei, fiquei mais nove meses de serviço, para dar tempo de o Leonardo fazer o curso de vigilante e ocupar o meu lugar. Éramos amigos”, disse, enquanto observava, incrédulo, funcionários colocando tapumes de madeira na porta de vidro estilhaçada pelos criminosos.

As agências invadidas, uma ao lado da outra, ficam na Praça Celestino Pereira Lima, a principal da cidade. Do outro lado dela ficam o hospital e uma creche. Na lateral direita, uma escola estadual. O assalto foi filmado por moradores e o vídeo viralizou nas redes sociais. Imagens mostram o pânico de testemunhas ao perceber que o vigilante e o policial haviam sido atingidos. “Queremos paz”, resumiu a moradora Neuza Santos, de 63.

Cerco em rodovias que cortam a zona rural é aposta de militares empenhados na prisão de criminoso que fugiu - Foto: Leandro Couri/EM/DA Press

250 PMs em caçada que virou questão de honra

A Polícia Militar montou uma força-tarefa entre vários batalhões para capturar o foragido Daniel Rodrigues Aguiar, de 34 anos, especializado em artefatos explosivos, segundo o prontuário na corporação. “Há mais ou menos 250 policiais envolvidos no cerco”, contou o tenente-coronel Sérvio, que ajuda a comandar a operação de uma base na área rural do município.

O reforço conta com três helicópteros. A PM acredita que o foragido esteja armado, pois, apesar de a corporação ter apreendido farto armamento de grosso calibre com três suspeitos já presos, uma equipe encontrou um cartucho com munição ponto 40 na mata.
“Não apreendemos arma desse calibre com os demais”, informou o oficial.

Militares tratam a prisão como mais do que uma resposta da PM à comunidade: é questão de honra. “Ele matou um herói. O cabo não atirou porque havia reféns na carroceria da caminhonete e ele não colocou a vida de inocentes em risco”, desabafou um amigo de farda.

Santa Margarida é cercada de altas montanhas. Ao mesmo tempo em que a PM vai fechando o cerco ao criminoso, trabalha com a possibilidade de que ele possa ficar fraco por falta de alimentação. Muitos moradores, assustados, acompanham o vaivém de viaturas pela região. Blitzes foram montadas em encruzilhadas estratégicas das estradas de chão que cortam a Zona da Mata.

A PM, contudo, não tem certeza se o assalto contou com apoio de outros criminosos que eventualmente tenham debandado da cidade após o tiroteio, e que possam também ter dado auxílio a Daniel na fuga. Mas acredita que o fugitivo não tenha apoio, tampouco esteja preparado para lidar com os riscos da mata.

Mais aparato e inteligência


Com a certeza de que os ataques a bancos no interior exigem aparato especializado, a PM está investindo em recursos humanos, infraestrutura, integração e inteligência para frear a ação de quadrilhas especializadas. De acordo com o chefe da Sala de Imprensa da corporação, major Flávio Santiago, é determinação do comando-geral que todos os esforços sejam feitos para melhor proteger as pequenas cidades.

Para isso, segundo ele, houve aumento do efetivo ou garantia de manutenção do número  de policiais nos destacamentos, destinação de novas viaturas e reforço do armamento, com  fuzis, pistolas e escopetas para fazer frente à investida de criminosos. Estratégias de inteligência também têm se intensificado, com envolvimento de outras agências de polícia e segurança.

As medidas são também destacadas por comandantes de batalhões no interior, que confirmam o aumento de efetivo e da frota, além de detalhar outras providências. Na 15ª Região da PM, o coronel Marcelo Fernandes afirmou que na época das ocorrências de explosão de caixas eletrônicos em cidades sob seu comando foram desenvolvidas ações conjuntas com as polícias Civil e Rodoviária Federal, além de operações como bloqueio, blitzes e policiamento aéreo.

Na 16ª Região, o coronel Rodrigo Braga ressalta que os últimos soldados formados neste ano foram todos enviados a cidades mais distantes da sede do batalhão, em Unaí. “Essa é uma determinação do alto comando, de potencializar os destacamentos, e isso tem ocorrido, com uniformidade no número de policiais. Também recebemos 46 viaturas neste ano e a frota foi redistribuída entre as unidades”, afirmou.

Ainda de acordo com o major Santiago, o estado pretende implantar, até o ano que vem, câmeras e escâneres em 86 pontos das divisas de Minas com outros estados, para auxiliar nos trabalho de combate, identificação e prisão de infratores. (VL).