Seguindo no trecho que leva ao pico, as rochas naturalmente empilhadas, que despontam da vegetação rasteira por todo o relevo, atraem olhares para esse equilíbrio improvável. Mas é também no meio dessas rochas que aparecem pichações, algumas delas inclusive com referências religiosas. Nesse trajeto, a caminhada transcorre chutando embalagens plásticas, garrafas de água mineral amassadas e sacolinhas que foram deixadas pelos frequentadores clandestinos. Por todo o solo também há estrume de cavalos e de gado, evidenciando a introdução desses animais domésticos no ambiente selvagem.
Mais adiante, próximo a córregos e quedas d’água, ficam dois dos locais mais utilizados para acampamento. E a degradação segue o rastro que leva a esses espaços, pois antes mesmo de chegar neles já se encontram peças de roupas atiradas no meio da vegetação, pedaços de papel higiênico, latas de alimentos em conserva e outros detritos. O primeiro ponto de acampamento é um paredão de pedras que contém um oratório e que foi muito utilizado para as pessoas expressarem sua fé. Contudo, a imagem da santa que ficava dentro do oratório foi furtada. Rastros de fogueiras e até uma grelha de metal demonstram que muita gente prepara alimentos e se aquece enquanto acampa nesse espaço. É preciso cuidado nessa região de mata devido aos milhares de cacos de vidros afiados que se escondem nas moitas e touças.
Nesse ponto, a visão do pico acompanha o visitante constantemente, tendo ainda como atrativos naturais as belas quedas de água fresca esculpindo sulcos nas rochas negras, o voo de muitas espécies de pássaros e a floração das sempre-vivas. Mas a 100 metros desse primeiro ponto de acampamento, um segundo e mais popular espaço para campo está ainda mais degradado. São inúmeras garrafas de aguardente, vinho barato e outros tipos de bebidas atirados por todos os lados, cobertores dependurados em galhos de árvores do cerrado, latas enferrujando entre as fissuras de pedras e muitas embalagens de biscoitos e salgadinhos formando um cenário de abandono que rouba o aspecto natural que deveria ser conservado naquela unidade. Até no próprio pico ainda encontram-se inúmeras formações de fogueiras e grelhas deixadas para trás pelos campistas. Ao longo das trilhas de terra e areia branca, o lixo vai sendo visto de ponto a ponto, uma constante lembrança da falta de educação de alguns dos frequentadores e também da ausência de vigilância.
VIOLÊNCIA Um dos frequentadores habituais do local é o instrutor de sobrevivência ouro-pretano Giuliano Toniolo, que relata casos de violência, como assaltos que ocorreram justamente devido ao abandono da unidade. “Passei a minha infância admirando essa pedra que sempre marcou a localização de Ouro Preto, sendo usada como referencial para os tropeiros, para os bandeirantes, que ao vê-la sabiam que estavam se aproximando da região onde havia ouro”, afirma. “O parque foi feito no entorno para conservar o local, mas fico muito triste quando venho aqui e vejo que temos acessos adjacentes completamente abertos e sem qualquer controle, resultando nessa quantidade absurda de lixo jogado nos caminhos. Seria legal se as pessoas pudessem vir e acampar, mas é preciso que se tenha consciência e respeito com o local”, afirma Toniolo, que salienta que a situação só não é pior porque muitos frequentadores como ele carregam de volta o lixo deixado pelos depredadores.
A parte mais próxima da administração do parque é a mais conservada. O médico de Contagem, na Grande BH, Rafael Honda, de 31 anos, tinha conhecido esse espaço na primeira visita e resolveu fazer um segundo passeio nesta segunda-feira para conhecer a trilha. “Aqui é muito bonito, tem visuais de grande beleza e essas trilhas são muito interessantes”, disse.
De ponto de referência a parque
A unidade de conservação Parque Estadual do Itacolomi fica entre os municípios de Mariana e Ouro Preto, a 100 quilômetros de Belo Horizonte. Foi demarcada e aberta à visitação em 14 de junho de 1967. Um dos destaques da unidade é o Pico do Itacolomi, com 1.772 metros de altitude, e que era o ponto de referência para os antigos viajantes da Estrada Real, que o chamavam de o “Farol dos Bandeirantes”. A palavra itacolomi vem da língua tupi e significa “pedra menina”. Os índios viam o pico como o “filhote” da montanha ou “pedra mãe”, segundo a descrição do espaço no informativo do Instituto Estadual de Florestas (IEF-MG).
O parque tem uma área de 7.543 hectares de matas, onde predominam as quaresmeiras e candeias. Nas partes mais elevadas aparecem os campos de altitude, com afloramentos rochosos, onde se destacam as gramíneas e canelas-de- emas. Abriga muitas nascentes, afluentes do Rio Gualaxo do Sul. Animais raros e ameaçados de extinção vivem na vegetação, como o lobo guará, a ave-pavó, a onça-parda e o andorinhão -de- coleira (ave migratória). Também podem ser vistas espécies de macacos, micos, tatus, pacas, capivaras e gatos mouriscos. Levantamentos identificaram mais de 200 espécies de aves, como jacus, siriemas e beija-flores.
Por lá passaram várias expedições em busca do ouro das Gerais. No fim do século 18, o bandeirante paulista Antônio Dias avistou o Pico do Itacolomi, que serviu como ponto de referência para que outras expedições chegassem ao local. No parque se destacam, ainda, a Fazenda São José do Manso, construída entre 1706 e 1708 e tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico, atualmente funcionando como a Casa do Bandeirista, um centro de visitantes considerado por especialistas como o primeiro prédio público do estado, pois servia para cobrança de impostos e vigilância das minas.