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Estado de Minas

Em Minas, 730 peças sacras foram levadas de igrejas, capelas e museus

Estatísticas do Ministério público indicam que 60% dos bens culturais e de fé foram deslocados de suas origens de forma indevida para venda a colecionadores e antiquários


postado em 24/07/2017 06:00 / atualizado em 24/07/2017 10:55

Ver galeria . 4 Fotos Cativo (século 18), furtado em 1994, do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, no Sul de Minas Reprodução/Divulgação/MPMG
Cativo (século 18), furtado em 1994, do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, no Sul de Minas (foto: Reprodução/Divulgação/MPMG )
Enquanto muitos mineiros aguardam apenas a decisão judicial para ter de volta imagens dos padroeiros e santos de devoção, cientes de que as peças se encontram sob guarda de instituições culturais ou ainda com os detentores, outros mantêm somente a esperança, pois as peças foram furtadas ou vendidas e ninguém sabe do paradeiro. Estatísticas do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) mostram que 60% dos bens culturais sacros foram deslocados de suas origens de forma indevida, indo parar nas mãos de colecionadores e antiquários mineiros, fluminenses e paulistas. Atualmente, 730 peças sacras são procuradas pelas autoridades estaduais de defesa do patrimônio cultural.

Entre os objetos de fé procurados há décadas estão o Cativo (século 18), furtado em 1994 do Museu Regional do Sul de Minas, em Campanha, no Sul de Minas; Nossa Senhora do Bom Sucesso (séc. 18), em 1994 da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, em Serranos, no Sul; Santana Mestra (séc. 18), em 1997 da Igreja Matriz de Santana, em Inhaí, Diamantina, no Vale do Jequitinhonha; São Miguel Arcanjo (séc. 18/19), em 2003 da Igreja Matriz de São Caetano, em Mariana, na Região Central; e Nossa Senhora da Conceição (séc. 19), em 2003 do Museu de Arte Sacra Dom José Medeiros Leite, de Oliveira, no Centro-Oeste.

Natural de Serranos, no Sul de Minas, e residente em Belo Horizonte, a professora aposentada Maria do Carmo Vilela Bastos, de 81 anos, mantém acesa a luz da confiança e não se conforma com o roubo, em 14 de julho de 1994, da imagem da padroeira Nossa Senhora do Bom Sucesso, vinda de Portugal em meados do século 18, “esculpida em cedro e toda filetada a ouro”, conforme destaca com brilho nos olhos. A cada 8 de setembro, data consagrada à protetora do município, a população renova seus votos de ter de volta seu bem mais precioso ao seguir a réplica da imagem feita em São João del-Rei, pelas ruas da cidade.

“Acho que a imagem está no Rio de Janeiro ou São Paulo. No dia do roubo, foi visto um veículo Gol, preto, com placa de São Paulo, no qual estava um casal estranho. Eles conversaram com o sacristão da Matriz de Serranos, procurando sutilmente dados da igreja e suas imagens, conforme depois ele revelou à polícia. O ingênuo rapaz até forneceu detalhes. No dia seguinte, o trono de nossa padroeira estava vazio e arrombada a porta da igreja”, diz Maria do Carmo, que guarda um verdadeiro dossiê sobre o desaparecimento da escultura, incluindo reportagens de jornais, fotos e outros documentos. Na avaliação da defensora do patrimônio, faltou empenho das autoridades municipais, na época, para tentar recuperar o bem cultural tão valioso. “Tinham que ter corrido atrás. Houve muita omissão. Nossa luta foi sempre motivada pela esperança inabalável de todos os serranenses”, afirma.

No distrito de Inhaí, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, os moradores também não se conformam com o roubo da Santana Mestra, em 1997, mas mantêm a esperança. Pouco antes, a imagem também havia sido roubada, diz a dona de casa Ana Maria Guedes, de 50 anos. “Os mais velhos têm saudade e os mais jovens desejam conhecer”, conta a integrante da comunidade, que se une aos amigos na luta pelo retorno da Santana Mestra. “A capela foi restaurada, ganhamos uma réplica, mas a original faz falta. Uma vez ou outra o assunto volta, mas queremos que tudo se resolva”, afirma.

O número de furtos e arrombamentos caiu em Minas, mas os ladrões não dão trégua. Recentemente, houve furtos em Oliveira e no distrito de Miguel Burnier, em Ouro Preto. 

Sem trégua contra o comércio clandestino

O furto de peças sacras e outras obras de arte movimenta um comércio clandestino só superado no mundo pelo de drogas e armas, segundo a Interpol Brasil. “Muitas pessoas visitam igrejas históricas em povoados distantes dos grandes centros e depois encomendam as peças, ou seja, mandam um ladrão ao local para carregá-las. Daí a necessidade de fortalecer a segurança”, diz um padre ouvido pelo Estado de Minas. “No passado, no interior de Minas, alguns vendiam peças valiosas por preços irrisórios para colecionadores do Rio de Janeiro e São Paulo. Geralmente, quem vendia não tinha noção do tesouro que estava em suas mãos, mas o comprador sabia muito bem o valor”, acrescenta.

De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), os furtos remontam ao tempo do Império, mas há mudanças. “Nos últimos 14 anos houve avanços, como a devolução de 282 peças e maior conscientização da população”, diz a titular da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico do MPMG, Giselle de Oliveira.

Para entender melhor a história do resgate do bens culturais é preciso olhar para o ano de 2003, quando começou a grande mobilização no estado pela recuperação de obras de arte e de peças sacras desaparecidas ao longo do tempo de igrejas, capelas, museus e prédios públicos. A campanha, deflagrada em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que reclamava, na Justiça, a volta de três anjos barrocos levados a leilão no Rio de Janeiro (RJ), ganhou de imediato as páginas do Estado de Minas, e, em seguida, de toda a mídia nacional.

A partir daí, Minas passou a ter uma política específica para a preservação do acervo histórico, algo então inédito no país. Formou-se um grupo com a participação de instituições públicas. Nesse período, peças foram recuperadas em operações policiais ou entregues de forma espontânea por particulares,    e muitas retornaram aos locais de origem, com festa e lágrimas de fiéis emocionados.

Para garantir maior participação pública, inclusive para denúncias e reconhecimento do acervo recuperado, foram criados – e continuam em funcionamento – páginas na internet e linhas telefônicas diretas.

ANJOS BARROCOS Embora haja um longo caminho a percorrer em preservação, a campanha favoreceu o tombamento e restauração de monumentos, instalação de equipamentos de segurança e elaboração de inventários sobre o acervo de cada cidade. Ponto emblemático nessa trajetória foi a luta da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia para reaver três anjos barrocos que teriam sido vendidos do santuário local na década de 1950. Os objetos, que iriam a leilão no Rio, foram reconhecidos pela moradora Luzia Vieira em fotos publicadas pelo EM. A advogada e vice-presidente da entidade, Beatriz de Almeida Teixeira, ajuizou ação para recuperar o conjunto.

Os anjos foram excluídos do leilão e entregues ao Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) para perícia. Comprovada a origem,  hoje as peças se encontram no templo barroco, encantando moradores e visitantes.

PARA DENUNCIAR


Quem tiver informações sobre peças desaparecidas pode acionar:


Ministério Público de Minas Gerais

E-mail: cppc@mpmg.mp.br e telefone (31) 3250-4620. Pode também enviar correspondência para Rua Timbiras, 2.941, Bairro Barro Preto, Belo Horizonte. CEP 30.140-062. Também está disponível o blog patrimoniocultural.blog.br. mpmg

Iphan
Para obter ou dar informações, basta acessar o site www.iphan.gov.br e verificar o banco de dados de peças desaparecidas. Denúncias anônimas podem ser feitas pelo telefone (61) 2024-6342 2024-6355 2024-6370, telefone do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam) e pelos e-mail depam@iphan.gov.br e cgbm@iphan.gov.br e ao Fale Conosco: faleconosco@iphan.gov.br

Iepha/MG

Pelo site www.iepha.mg.gov.br ou pelo telefone (31) 3235-2812 ou 2813


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