Quatro horas de interdição e uma fila de mais de sete quilômetros em um dos sentidos do Anel Rodoviário de Belo Horizonte: esse foi o saldo de mais um acidente envolvendo produtos perigosos nas estradas que cortam o estado, que bloqueou o caminho de milhares de motoristas no horário de pico da manhã de ontem. Desta vez, uma carreta bitrem com cerca de 48 toneladas de resíduos usados para alimentar fornos de uma fábrica de cimento ficou sem controle e parte da carga tombou no asfalto. Segundo os bombeiros, o produto é tóxico e pode se tornar corrosivo em contato com a água, o que motivou o fechamento do trânsito no sentido Vitória até que fosse feita limpeza prévia da pista.
De acordo com o Corpo de Bombeiros, o acidente ocorreu por volta das 2h30 da madrugada de ontem. O motorista Victor Hugo Rodrigues cumpria parte dos 1,3 mil quilômetros do trajeto de ida e volta entre Rio Claro, no interior de São Paulo, e Pedro Leopoldo, na Grande BH, para onde levava uma mistura de resíduos sólidos para serem queimados em fornos de uma fábrica de cimento da cidade.
Quando passava nas imediações do cruzamento do Anel com a BR-040, o condutor não conseguiu controlar o caminhão e uma das duas carrocerias virou. “A roda pegou na valeta e não teve como segurar”, afirmou o caminhoneiro. Uma das possibilidades para a causa do tombamento é o estouro de um dos pneus.
Por volta das 5h30, todo o trânsito sentido Vitória teve que ser fechado para o trabalho de limpeza, coordenado pelos bombeiros e executado por funcionários da Via-040, concessionária responsável pelo trecho onde ocorreu o acidente. Segundo o tenente Cristiano Soares, do Corpo de Bombeiros, a interdição foi necessária porque o material poderia se espalhar. “A gente interditou a via porque os veículos passando por cima levantariam poeira e piorariam a situação”, disse o militar. Um técnico do Núcleo de Emergência Ambiental (NEA) da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esteve no local para avaliar os impactos. Segundo a pasta, o produto é perigoso: “Os possíveis danos ambientais ainda estão sendo avaliados pela equipe do NEA”. A documentação apresentada pelo motorista da carreta estava correta, mas foram pedidos novos documentos para análise, informou a secretaria em nota.
O tenente Pedro Barreiros, comandante do policiamento do Anel pela Polícia Militar Rodoviária (PMRv), informa que, em caso de acidente com produto considerado perigoso, é imprescindível que seja seguido um protocolo para que não ocorra nenhum tipo de contaminação de pessoas que passem perto do local do acidente. “A empresa responsável pelo material é também responsável por fazer esse transbordo e esse transporte. Esse é um dos principais problemas que a gente tem em um acidente com produtos perigosos, assim como outras questões de limpeza da pista, principalmente. Muitas das vezes, a empresa é de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de outros estados, e a gente pede até para entrar em contato com outra empresa em municípios vizinhos, param fazer esse transbordo”, afirma o militar, ressaltando que a legislação não prevê nenhum mecanismo que obrigue a presença de um novo caminhão em um tempo específico.
Por volta das 9h30, depois que a carga foi removida para a beirada da pista do Anel e coberta com uma lona, duas faixas foram liberadas. O gerente industrial Nivaldo de Paula Araújo, da Eco Primos, empresa responsável pela carga, argumentou que o material é de baixo potencial poluidor e baixo risco à saúde, proveniente de resíduos industriais como plástico, papelão e embalagens, com traços de óleo, tinta e solvente, que passam por um processo de trituração e depois são enviados para a indústria cimenteira como fonte de energia alternativa. “Colocamos toda estrutura à disposição para fazer o carregamento da carga que foi recolhida. Por questão de segurança, as autoridades de Minas Gerais optaram por não carregar durante o dia, e sim após as 22h, quando o fluxo no Anel Rodoviário é menos intenso”, disse. A informação foi confirmada pela PMRv e pelo Corpo de Bombeiros.
Lista de testes de paciência
Apesar de todas as justificativas, a sequência de casos de interdição prolongada de rodovias expõe o desafio – ainda sem solução – de liberar rapidamente as pistas em casos do tipo. Nos últimos cinco meses, quatro ocorrências parecidas impuseram grandes bloqueios em rodovias mineiras . Em fevereiro deste ano, a BR-116, em Dom Cavati, no Vale do Rio Doce, ficou interditada por aproximadamente 28 horas, após acidente com um caminhão que transportava produto altamente inflamável e tóxico. Um desvio teve que ser feito pela BR-381, em Ipatinga.
Em março, o tombamento de uma carreta com 18 bombonas de ácido para uso na mineração fechou a BR-040 por mais de 12 horas em Nova Lima, na Grande BH, causando uma fila de mais de 22 quilômetros na estrada, que é concedida à iniciativa privada. No fim de maio, a BR-262, em Juatuba, (Grande BH), também concedida, ficou quase 24 horas fechada após o tombamento de uma carreta carregada com 44 mil litros de óleo diesel. Na sexta-feira, uma carreta que transportava ácido sulfúrico tombou na AMG-150, na altura do km 2, em Nova Lima, e também impôs um bloqueio que testou a paciência dos motoristas.
POR QUE PAROU?
Os motivos que levam a frequentes interdições em rodovias devido a acidentes com carga
» Na prática, falta eficácia a um plano de contingência que estipule quais setores devem atuar em cada caso, o que cada qual deve fazer e em que momento, de forma que uma ação imediata nos casos de acidentes evite longas interdições de vias
» Órgãos de segurança têm que seguir protocolo, com parâmetros específicos que requerem tempo. A falta de um plano de contingência eficaz agrava essa demora
» Por lei, as empresas são responsáveis pela desobstrução das vias em acidentes com cargas perigosas ou que exijam transportes especiais. Em muitos casos, as transportadoras têm que buscar ajuda em cidades ou até estados diferentes daqueles onde aconteceu o acidente
» Cargas diferentes exigem cuidados também diversos. Cada tipo de material transportado precisa de serviços específicos para ser retirado. Por isso, é necessário um tempo variável para avaliar a situação e encontrar a melhor forma de manuseio
Responsabilidade e desafios de cada um
A legislação prevê que a responsabilidade pela retirada dos produtos perigosos da pista quando há acidentes é da empresa dona da carga, da transportadora ou da receptora do material, dependendo do contrato. Porém, a falta de serviços especializados interfere no tempo de resposta, segundo as autoridades. “Os responsáveis pela carga são obrigados a ter uma equipe de emergência contratada, mas ela não fica a cada quilômetro. Então, às vezes, uma empresa de São Paulo tem um problema em Minas, e existe a dificuldade de fazer toda a movimentação para mitigar o impacto. Por isso há demora”, argumentou o policial rodoviário Wilton Filgueiras de Paula, agente da PRF de Minas e especialista em produtos perigosos.
Outro ponto levantado por ele diz respeito ao número de produtos cadastrados. Atualmente, são 4 mil, distribuídos em nove classes, como explosivos, gases, inflamáveis, oxidantes, radioativos e corrosivos. “É preciso um estudo para fazer a retirada desses materiais. Cada um tem que ser tratado com certa especificidade”, acrescentou.
Para Filgueiras, os responsáveis pelas rodovias deveriam ter contratos com firmas especializadas em acidentes com produtos perigosos, para uma ação que seja feita da maneira mais rápida possível na hora de uma emergência. “Poderíamos, ainda, solicitar à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), responsável pela concessão de rodovias, que inclua nos processos de privatização o devido aparelhamento para que as concessionárias possam fazer os atendimentos primários necessários em acidentes dessa natureza”, afirma o policial.
Em Minas Gerais, desde 2009 existe a Comissão Estadual de Prevenção, Preparação e Resposta Rápida a Emergências Ambientais com Produtos Perigosos (P2R2 Minas). “Essa comissão é composta por diversos órgãos, do estado e de outros níveis. Todos tentam dar agilidade a esses atendimentos, cada qual em sua esfera de responsabilidade”, afirmou o capitão bombeiro Marcos Anderson Viana Soares, da Diretoria de Assuntos Funcionais e especializado na área de produtos perigosos. “Algumas situações não tem como resolver, como o transbordo da carga. O estado não tem um veículo específico para fazer isso. Então, depende da empresa”, completou.
Em alguns casos, o poder público pode acionar uma empresa particular para fazer a retirada da carga. Nessa situação, os responsáveis pelo material têm que pagar pelas despesas. “Está previsto na Constituição Federal para fazer frente a emergências. Mas geralmente não chega a esse nível”, disse o capitão. As empresas também podem ser multadas por danos, como poluição, provocados pelo produto derramado.