A última escalada de violência começou na madrugada de sexta-feira para sábado, quando moradores especialmente do Bairro São Lucas, em ruas como Pouso Alto, Cervantes, Salutares, Paulino Marques Gontijo e Rádio, começaram a ouvir o barulho do tiroteio. Segundo a PM, a briga ocorria entre gangues que lideram o tráfico na Vila Nossa Senhora da Conceição (também conhecida como Vila Del Rey) e Vila Aparecida (que também tem o nome popular Vila do Pau Comeu).
De domingo para segunda, por volta de meia-noite, a administradora M.P.D., de 34 anos, estava em casa com o namorado quando ouviu disparos. “Ele foi para a varanda e logo depois ouvimos um barulho de metal vindo do quarto. Quando fomos até lá, vimos a bala no chão”, contou. O tiro perfurou a esquadria da janela e também marcou a parede, onde o projétil bateu e caiu. A reação imediata foi tirar o colchão do quarto e colocar no chão da sala, ambiente mais protegido, por sua localização. A situação se repetiu na madrugada de ontem, quando novamente a troca de tiros se repetiu, com maior intensidade ainda. O medo foi tanto que ela foi para a casa da mãe, no Bairro Cruzeiro. “Não sei mais se quero morar aqui. Nesta madrugada, minha sensação era de estar em uma guerra. Será que vale a pena correr esse risco? Não estou sabendo lidar com o medo”, completou a administradora, visivelmente nervosa com a situação.
Ontem, a Polícia Militar foi chamada na madrugada, no momento em que os disparos eram ouvidos no morro. Uma equipe do Grupo Especializado de Policiamento em Áreas de Risco (Gepar) chegou às imediações das ruas Cabrália e Coronel Jorge Davis, pontos que dividem as duas comunidades, e encontrou pessoas correndo, mas ninguém foi preso. Uma pistola calibre nove milímetros caiu durante a fuga dos criminosos e foi apreendida, assim como munição de espingarda calibre 12 e pistola 380.
O tenente Mauro Lúcio da Silva, comandante do Gepar que atua no Aglomerado da Serra, descartou a possibilidade de que grupos estejam disputando território para a venda de drogas. Segundo ele, esses conflitos são históricos e causados por pequenos desentendimentos, como discussões em bailes funk, provocações mútuas, entre outros. “A Polícia Militar reforçou imediatamente o policiamento no local com outras unidades Gepar, Tático Móvel e Rotam, e continuaremos dessa forma, atrás das pessoas que estão promovendo os tiroteios”, disse o militar. A próxima ação, segundo o tenente, é o levantamento de informações junto ao setor de inteligência da PM, em parceria com a Polícia Civil e o Ministério Público, para identificar líderes desses grupos e representar na Justiça para que sejam presos.
O militar ainda destaca que em 2017 só o Gepar apreendeu 43 armas no aglomerado, além de 670 munições. Também foram presas 66 pessoas e apreendidos 47 menores de idade. Ontem, durante ações de reforço no policiamento na área, um homem foi preso e três armas apreendidas, além de drogas e outros produtos.
‘DESINTEGRAÇÃO’ Uma das ações que poderiam ajudar a minimizar esse quadro é a integração entre as polícias Civil e Militar na Área Integrada de Segurança Pública (Aisp) que fica exatamente no meio das duas comunidades. Criada em 2014 pelo governo estadual para atuar especialmente nos conflitos do Aglomerado da Serra, a unidade não conta mais com a presença da Polícia Civil. Apenas militares são vistos no trecho e ficam, segundo o tenente Mauro Lúcio, 24 horas por dia na unidade, com pelo menos três policiais em todos os momentos.
Em nota, a Polícia Civil não esclareceu os motivos da saída de seus agentes da Aisp da Serra, tampouco se há projetos para retomar a operação na unidade. Se limitou a informar que “realiza diversas ações para combater o tráfico de drogas, não apenas nos aglomerados da capital, mas também nas demais localidades em que há ocorrência desse crime”. Segundo a corporação, seu foco principal é desarticular organizações criminosas que atuam nesses pontos, visando à segurança da comunidade local e à redução da incidência de delitos associados ao tráfico, como homicídios e crimes contra o patrimônio.
O advogado criminalista Warley Belo, mestre em ciências penais pela UFMG, critica a aposta apenas em ações repressivas, deflagradas depois que os incidentes ocorrem. “Está mais do que provado que as medidas repressivas tomadas depois dos episódios de violência não trazem ideias novas para a sociedade. Elas são importantes, desde que acompanhadas de uma prevenção que não seja apenas policial, mas da presença do Estado no aglomerado, com projetos sociais e inclusão das pessoas”, afirmou. Segundo o especialista, os picos de violência andam praticamente juntos com o corte de verbas destinadas à segurança pública.